SOBRE A REGIONALIZAÇÃO EM CABO VERDE
OS LIMITES DA "REGIÃO NATURAL"
Conforme temos vindo a tentar clarificar, "região" é o espaço geográfico caracterizado por condicionalismos mesológicos e biológicos, imbuídos de realidades culturais, sociais e económicas resultantes da humanização do território. Sem grande esforço, concluiremos assim que cada ilha de Cabo Verde é uma "região natural". Com diferenças de características biofísicas e de potencialidades de desenvolvimento, a descontinuidade territorial foi determinante na construção de fisionomias específicas que em cada uma se foram moldando ao longo de séculos. Até a língua comum (o crioulo) ganhou nuances próprias em cada uma delas, mais ou menos significativas conforme os grupos a que pertencem e a distância relativa entre elas.
De igual modo, surpreende a deturpação malsã de que a intenção implícita num determinado modelo de regionalização, a que aludi no meu último artigo, é querer apropriar-se do que ao Estado compete em matéria de política externa, quando o que eu quis apenas dizer é que, no âmbito estrito dos projectos de desenvolvimento regional, a região, como parceira interessada, deverá ter margem de acção para intervir na negociação de acordos que lhe digam directamente respeito. Ou seja, com a margem que lhe for conferida em quadro jurídico-constitucional próprio, e sem implicar, naturalmente, com as atribuições e competências do Governo Central em matéria de política externa.
Enganam-se os que nos acusam de ter como único móbil a reabilitação da ilha de S. Vicente, de a querer como uma réplica barlaventista da Praia concentracionária, para nela se polarizar uma hegemonia sobre as que lhe estão próximas, anulando-as e deixando-as pousadas na sua estagnação. Não é isso que subjaz ao nosso pensamento sobre regionalização, embora na forma da sua concretização haja diferenças de ponto de vista, uns que entendem ser a solução correcta a ilha-região e outros o agrupamento de ilhas. Respeito todas as opiniões, mas não vejo que possa ter qualquer viabilidade a ilha-região, por tudo o que procurei cartografar no meu último artigo: exiguidade territorial, demográfica e socioeconómica.
Os que defendem esse modelo avocam, ou pelo menos insinuam, o risco de uma possível pretensão hegemónica de S. Vicente. Mas quem envereda por essa suspeição, rejeitando a possibilidade de agrupamento de ilhas, pode, quiçá involuntariamente,
estar a admitir a latência de um fenómeno susceptível de trazer à colação um dos inconvenientes ou riscos do processo de regionalização: o caciquismo. Talvez não propriamente um caciquismo no estrito sentido da palavra, mas, diria antes, um "nativismo" exagerado radicado nesta ou naquela ilha e protagonizado por esta ou aquela figura pública, que pode simplesmente ser larvar ou meramente conjuntural, mas suficiente para ameaçar a pré-disposição para uma associação natural e salutar entre ilhas, única condição que entendo favorável a uma verdadeira regionalização.
Mas essa visão pessimista, que pode até ser reflexo de uma mera introspecção pessoal, não faz sentido quando constatamos que há mais políticos oriundos de S. Antão ou outras ilhas com mandatos representativos de S. Vicente do que cidadãos nados e criados nesta ilha. De resto, é consabido que grande parte da população mindelense é originária das ilhas vizinhas ou descende de famílias nelas nascidas. Portanto, acho descabido semelhante argumento. Existe uma contiguidade histórica e bio-psíquica entre as 3 primeiras ilhas do Barlavento, suficiente para anular o caldo de qualquer cultura divisionista que se queira levar ao lume. Quem não se lembra do acolhimento fraterno que a ilha de S. Vicente dispensou a pessoas das ilhas vizinhas em alturas críticas da fome, sobretudo na década de 1940?
Tomar, 16 de Março de 2012
Adriano Miranda Lima
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