segunda-feira, 27 de maio de 2013


       Ofélia Ramos, a rainha das noites caboverdianas do Mindelo, morreu ontem, dia 23 de Maio

 

Mindelo, “terra de B.Leza e de Selibana” (Jotamont)está de luto. Poderíamos , sem medo de desmentido, acrescentar também o nome de « terra de Ofélia », crioula bonita e amada pelo povo das Ilhas e costas que encantou as noites de lua cheia do Mindelo com as suas célebres noites caboverdianas com Cesária, Fantcha, Malaquias, Canhota, Chico Serra, Manecas Matos, Djosinha de Bernarda, Luis Morais, Frank Cavaquinho, Manuel d'Novas, sob o olhar atento dos poetas e compositores nacionais e de emigrantes ávidos de matar saudades da terra crioula e da sua cultura...

 

 Uma mulher da diáspora caboverdiana que, após longa luta no estrangeiro, regressou à sua terra para participar no seu desenvolvimento económico e cultural. Ofélia, proprietária do Bar Calipso em Dakar e Mindelo, viveu desde a infância ligada à música. O tio Hilário, autor da morna Odji Magoado e pai do Ildo Ramos, guitarrista (este muito ligado ao Ti Goy no Lombo),  acompanhou B.leza, na sua digressão musical a Portugal, em 1945, ao lado de Tchuff e Eddy Moreno. O irmão Djosinha Ramos, futebolista no Grémio recreativo Castilho e um dos maiores guitarristas que passou por Dacar, onde faleceu, também marcou a história musical caboverdiana. A irmã Alda é também uma figura conhecida em Mindelo e na diáspora caboverdiana. Ofélia e os irmãos emigraram para o Senegal nos meados dos anos cinquenta, onde, a punho do seu trabalho,  abriu um bar-restaurante que acolhia os patrícios recém-chegados com a música caboverdiana a animar o ambiente.

 

Ela nasceu e cresceu em Chã de Cemitério, onde o respeito pelas pessoas mais velhas era sagrado. O Castilho era o club de futebol da zona e ali se praticava o ténis, o basquetebol e também o teatro com o Valdemar Pereira, Germano Gomes e outros. A sua família era muito solidária e em Dacar Ofélia nunca se esqueceu de nenhum sobrinho ou algum parente, enviando-lhes sempre as encomendas quando aparecia um barco com destino a São Vicente. Coração de rola a mais sentida (Januario Leite) sempre tinha um sorriso franco e uma alegria extasiante para receber os amigos e clientes .

 

Hoje, poucos estudiosos e interessados na história da nossa honrosa emigração se debruçam sobre o papel importante dos emigrantes no Senegal, onde a mulher caboverdiana em especial, a primeira africana a emigrar livre seja para as Américas ou para o Senegal, teve um papel determinante na solidariedade para com o povo das ilhas. Essa emigração, que começou no século XIX, foi interrompida em 1902 pelo governo colonial português, com o fim de beneficiar os roceiros de São Tomé e Príncipe. Para isso, foi imposta a obrigatoriedade de se possuir um passaporte para viajar para o Senegal, onde a mão de obra caboverdiana era preferida por ser o caboverdiano o único africano da África Ocidental a trabalhar a pedra. Esta decisão foi combatida heroicamente por Eugénio Tavares e Sena Barcelos em 1902 e, mais tarde, a partir de 1911 no jornal Voz de Cabo Verde, por Eugénio Tavares, Abílio Monteiro de Macedo e Pedro Monteiro Cardoso. Quando “se fechou as portas à nossa expansão” (Jorge Barbosa) para a América em 1924, foi graças aos nossos heróicos capitães de ilhas e costas, como Alberto e Crisanto do navio Novas d'Alegria ( desculpem-me por não me lembrar de outros nomes),que do Senegal chegava quase tudo para a sobrevivência do povo das ilhas.

 

Face ao abandono do Porto Grande, à repressão política nas empresas e à censura colonial, emigrar clandestinamente para Dacar nos anos quarenta e cinquenta era a única resposta política ao sistema colonial português. Dacar era a única alternativa para se evitar o longo calvário das roças de São Tomé. E era clandestinamente que homens e mulheres partiam, dos portos e burgos do litoral de São Vicente, como Calhau, São Pedro e Palha Carga, para Dacar em navios como Santa Rita, Santa Luzia, Novas de Alegria, Ernestina, Ildut e outros

 

 A emigração nunca foi um acto de evasão ou abandono. Ela foi a estratégia pensada pelo povo das ilhas para arrancar a nossa terra-mãe das garras das secas e fomes e da colonização. Tanto Campinas, emigrante na Argentina e o herói do romance Famintos de Luís Romano, assim como José de Lima, emigrante nos Estados Unidos e o protagonista do romance Chiquinho de Baltasar Lopes, tiveram de emigrar para se prepararem para o combate libertador da sociedade caboverdiana.

A abertura do caminho marítimo para a Holanda, que pôs definitivamente termo ao caminho de São Tomé e abriu novas perspectivas para o desenvolvimento de Cabo Verde, veio diminuir a importância do Senegal na vida económica e cultural de Cabo Verde. Não obstante, nunca é demais lembrar que não se deve ignorar o grande contributo dos emigrantes caboverdianos de Dacar de onde, a partir dos anos sessenta, começaram também a emigrar para a França, Holanda e Estados Unidos.

A emigração é uma necessidade psicológica para o caboverdiano. Ele precisa de ultrapassar o limite das ilhas para ver o Mundo com os próprios olhos e viver as suas próprias experiências para depois as transmitir ao seu país. Assim recomendava o mestre António Aurelio Gonçalves, sem dúvida, o caboverdiano que melhor se realizou como escritor.

 A emigração tem estado em todas as lutas por Cabo Verde: contra as secas e as fomes , para a Independencia e também pela democracia. Merecia melhor reconhecimento da Nação e dos seus políticos que sabem exigir mas que não dão aos emigrantes direitos iguais aos dos cidadãos residentes no país. E hoje a emigração aposta na luta pela Regionalização, pois todo o combate por uma maior justiça social e económica lhe diz respeito. A política de emigração actual peca pelo excesso de centralismo e o medo da democracia plena (regional e nacional) manifesta-se ao nível do  Conselho das Comunidades.

 

Na homenagem ao Djosinha de Bernarda, realizada no passado dia 11 de maio em  Rotterdam, falámos muito da Ofélia .e da amizade entre ambos. O Djosinha estava sempre persente nas noites caboverdianas no bar da Ofélia durante as suas férias em Cabo Verde. Por essa ocasião, relembramos também outras figuras da nossa emigração, heróis do povo, ignorados pelos Municípios e o Governo que, por falta dum verdadeiro inventario sobre as figuras proeminentes da nossa diàápora e em especial dos fundadores das comunidades, estão excluidas da História de Cabo Verde.

 

A morte da Ofélia foi sentida em toda a diáspora. A história da nossa emigração nunca esquecerá a nossa Ofélia, filha da terra de B.Leza e Selibana, coração do povo. A uma rua ou avenida devia ser dado o seu nome.Uma placa devia ser fixada nas paredes do Bar Calypso em testemunho da amizade e reconhecimento do povo do Mindelo e dos emigrantes.

 

Paz a tua alma Ofélia. Que os anjos te recebam com hinos inspirados das mornas de amor de Eugénio Tavares, B.Leza, Jotamont , Manuel de Novas e Frank Cavaquinho. O teu nome fica inscrito nas nossas memórias como uma das grandes figuras que lutaram pela sobrevivência da morna e da cultura mindelense.

 

Luiz Silva.

quarta-feira, 1 de maio de 2013


              Cesária Évora : da periferia do Mindelo à periferia de Paris


 

A cidade-porto do Mindelo, antiga Vila Leopoldina, foi elevada ao estatuto  de cidade em 14 de Abril de 1874.   O seu desenvovlimento se deveu aos ingleses que criaram várias companhias de carvão e influenciaram a vida social, cultural e desportiva da cidade. Mas a concorrência dos portos de Dakar e Las Palmas, mais bem apetrechados, e as crises económicas, como a de 1929, e a falta de investimentos da potência colonial bloqueram o seu desenvolvimento.  Até hoje se luta para reconquistar o prestígio de outrora que fez do Mindelo o ponto de encontro de várias civilizações e culturas, com a sua elite anglófona e onde o desporto, em especial o futebol, o golf e o criket, mas também o gin tonic faziam parte do seu quotidiano.

A cidade do Mindelo, com o seu centro à volta do Palácio do Governo,  tinha na sua periferia várias zonas habitadas por trabalhadores das companhias inglesas, vindos especialmente de Santo Antão e São Nicolau, em alojamentos sociais criados pelos ingleses. E foi na periferia do Mindelo, na zona denominada Lombo, que nasceu a nossa  Cesária Nacional em Agosto de 1941, cujo pai era músico e amigo pessoal de B.Leza, um dos maiores compositores nacionais e de que Cesária foi uma das melhores intérpretes.

Esta zona suburbana  tinha o seu pequeno comércio, as suas pequenas casas de costura, os seus bares, que à noite acolhiam os músicos mindelenses, das outras ilhas e estrangeiros à volta do Porto Grande.  Tudo o que era vida cultural e social da ilha começava por se manifestar no Lombo.

Foi ali que nasceram  militantes associativos, que se evidenciaram  na criação de vários grupos carnavalescos,  como também os maiores artistas do teatro e da música  caboverdianas. Ali nasceu B.Leza, poeta e músico, que iria verdadeiramente dar uma nova estrutura à morna, nascida na Boavista, criada na ilha da Brava com o mestre Eugénio Tavares e que se tornou adulta em São Vicente. A presença de Eugénio Tavares em São Vicente a partir de 1923, assim como do guitarrista Luis Rendall, terá sido  importante no enrequecimento da morna caboverdiana, tanto ao nível da escrita do crioulo caboverdiano como na intrdução de novas modalidades sonoras e  temáticas  baseadas na realidade sociológica das ilhas.  B.Leza, que foi aluno do Luis Rendall, pertenceu também ao grupo Claridoso que em 1936 fundava a revista Claridade, que foi o brado da Independência cultural de Cabo Verde.  É o compositor mais cantado dentro e fora de Cabo Verde e tem em Cesária Évora uma das suas maiores intérpretes.

Ali no Lombo também nasceu e viveu  Gregório Gonçalves « Ti goy », compositor de coladeras e autor de várias peças de teatro. Pelas suas mãos passaram vários jovens artistas como o menino prodígio Longino Baptista, cantor, dançarino e comediante. Em casa de Gregório Gonçalves reuniam-se os jovens de todos os subúrbios do Mindelo. Ali se criou vários grupos carnavalescos como Flores do Mindelo e Lombiano, e grupos de teatro. Era também o ponto de encontro dos  musicos para todos os festejos e até para se preparerem para tocar nos enterros. Todas as oportunidades eram aproveitadas para se fazer uma morna ou uma coladera brejeira. Essa coladera que devia evoluir na emigração e se transformar no arauto da luta pela Independência. Gregório Gonçalves foi na verdade aquele que melhor se serviu da coladera para denunciar os problemas da sociedade. Cesária Évora foi a sua voz preferida de entre as várias que dirigiu e certamente a sua maior intérprete. Gregório Gonçalves fundou um conjunto musical que permitiu lançar vários cantores e músicos. 

Anualmente se organizavam em Mindelo peças de teatro, nomeadamente nos clubes Castilho e Amarante onde se destacavam o Valdemar Pereira, Piano e os irmãos Evandro e Mário Matos, Germano Gomes, bem como espectáculos de dança e de   música que davam um colorido especial à ilha.  E muitos desses espectaculos se passavam no cinema Eden Park, graças à simpatia e a benvolência dos irmãos Marques da Silva. Desses jovens artistas,  não se pode deixar de citar a bailarina Manuela de Nha Concha, o dançarino  Mateus e o menino prodígio Longino Baptista, a que já me referi anteriormente. 

A infância e a adolescência de Cesária Évora passaram-se ali no Lombo, onde fez a escola primária no Orfanato Mota Carmo que dava uma boa educação às jovens e onde também se aproximou de grandes músicos e compositores mindelenses. 

Nos fins dos anos cinquenta do século passado, ela começa a cantar com uma voz sensual, exprimindo um sentimento que vinha do fundo  da sua alma. 

Mas sem dúvida, uma pessoa vai ser determinante na educação vocal de Cesária : trata-se de Eduardo Rodrigues, conhecido por “Eduardo de Nhô Jom Xalino”, um excelente cantor e guitarrista, oriundo de uma família de músicos famosos do Mindelo, inclusivé o próprio pai que fabricava os seus instrumentos musicais. Ora na rua de Moeda, ora na rua de Craca, ora no Lombo, ela era acompanhada pelo guitarrista Eduardo e amigos como o Bana, um outro grande cantor que deve muito ao Eduardo de Nhô Jom Xalino.

Certo, que esses anos cinquenta são anos de secas e emigração forçada para São Tomé. E é preciso referir que nessa época surgem  algumas mornas contestárias  de Lela de Maninha (como “São Vicente de Longe” cantada por Cesária Evora), mas também de Jotamonte e Abílio Duarte a denunciarem o abandono do Porto Grande pela potência colonial e a emigraçao forçada para São Tomé. Mas a criaçao musical que marca esta época é “Sodade” da autoria dum ex-emigrante  sãonicolense, que retrata as condiçoes dolorosas desta emigraçao forçada. Na voz de Cesária esta morna deu a volta ao mundo, ficando indelevelmente ligada ao seu nome.

Perante essas circunstancias, um grupo de Mindelenses decidiu sair clandestiamente de Mindelo à procura do pão para a boca das suas famílias e amigos. São dez estes apostólos da emigração que desembarcam no porto de Roterdão, de onde vão lançar o apelo para a emigração para a Holanda e que recebe a maior adesão de todas asc lasses sociais em Cabo Verde. São eles que estão na base nas transformações económicas, culturais, sociais e políticas em Cabo Verde.

Um grande número de músicos, amigos e colegas de Cesária Évora, também seguem para a Holanda, como Djosa de Benarda, Frank Cavaquinho, Djosinha, directamente de Cabo Verde, enquanto que Luis Morais, Morgadinho, Toi de Bibia, Jean da Lomba e Ban a passam por Dakar antes de chegarem a Roterdão. E ali nasce o conjunto “A Voz de Cabo Verde”, um verdadeiro sonho de Frank Cavaquinho.

Essa presença caboverdiana na Holanda e que mais tarde se estende a todos os cantos da Europa, divulga e promove a música caboverdiana  graças à criação da casa de Discos Morabeza . Com as remessas dos emigrantes e de novos instrumentos musicais, o panorama musical também muda em Cabo Verde. As actividades culturais no Lombo e outros subúrbios do Mindelo também  evoluem com mais música e serenatas permanents. A voz da Cesária surge triunfante nessas noites caboverdianas e o seu nome ultrapassa os limites do Mindelo e das ilhas para chegar às comunidades caboverdianas. Começa por participar em gravaçoes nas rádios e em manifestações culturais. Tudo o que exprime um sentir caboverdiano encontra na Cesária a sua verdadeira expressão.

Preferindo cantar com os pés descalços, recebe do chão que pisa, com muito respeito, o ritmo e a cadência musical.  Foi ali no Lombo, em 1964, num pequeno estabelecimento comercial pertencente ao comerciante João Mimoso,  que Cesária Évora gravou o primeiro single de 45 tours. Porém, a voz pura e candente  teve de esperar mais de trinta anos para gravar novos discos que a levaram a conhecer todos os palcos do Mundo. Mas entretanto as suas gravações nas rádios de São Vicente (Radio Barlavento e Radio Club) iam passando de mão em mão até que foram reunidas num CD, intitulado Radio Mindelo, e que é o maior testemunho musical de Cesária Évora, na sua juventude.

Se os anos sessenta, os melhores da nossa emigração, permitem a Cesária viver da sua voz, com a Independência a morna vai ser marginalizada, face a uma ideologia que previlegiava as músicas de origem africana. O grande cantor Bana é obrigado a emigrar e abre um restaurante em Lisboa, onde a morna se refugia.  Ali será o  templo da morna em Portugal, onde todos os emigrantes de todos os cantos do mundo vão escutá-la.  E é Bana que vai  convidar Cesária a deslocar-se a Portugal para gravar o seu primeiro LP.  As portas do sucesso estão agora abertas e ela pode regressar ao seu Mindelo, onde retoma a vida noturna nos bares e nos espectáculos, com muito apoio dos emigrantes de férias em Cabo Verde que a solicitam em todas as noites caboverdianas.

Foi num desses espectáculos, em Mindelo,  que ela encontrou dois jovens emigrantes em França, Orlando Juff e José da Silva que a convidaram a fazer uma digressão na França e na Holanda junto das nossas comunidades, onde é bem acolhida é apoiada. É aquilo que podemos designar por uma viagem da periferia do Mindelo para a periferia de Paris. Canta nos fins de semana e durante a semana  visita as amigas. Recebe muitos presentes, leva encomendas para todos os amigos e não se esque cendo dos amigos mais pobres. Fazem-se colectas em seu benefício em todos os espectáculos,  para além do cachet que recebe normalmente. Tem o apoio das associações caboverdianas que organizam festas de apoio  onde vende os seus discos. Nenhum artista caboverdiano  recebeu tantas manifestações de solidariedade nas comunidades caboverdianas da França, da Holanda, Estados Unidos, nomeadamente.

Ninguém poderia imaginar o percurso que a sua vida iria conhecer a partir da França.  Primeiramente era  acompanhada do Luis Morais, que ao  tempo era professor liceal de música e aproveitava as férias para se deslocar à emigraçao caboverdiana para visitar amigos e fazer alguns espectáculos. Aqui em Paris ou na Holanda, o Luis recrutava outros músicos para acompanharem Cesária que interpretava músicas de autores caboverdianos da diáspora parisense, como Morgadinho, Nando da Cruz e Teofilo Chantre, temas que serão incluídos em todos os albuns editados pela Lusafrica.

Mas a partir de 1992,  com o  sucesso do seu quarto disco “Miss Perfumado” sob a direcção de Paulino Vieira, ela rompe com o amadorismo que sempre a distinguiu dos outros artistas caboverdianos, para assumir uma verdadeira carreira internacional que a leva a quase todos os palcos do Mundo, divulgando a música caboverdiana e dando também a conhecer Cabo Verde e a sua cultura.  Os jornalistas parisienses descobrem esta nova cantora que procuram assimilar a Billy King e que tem a consciência do seu percurso como cidadã caboverdiana e intérprete de mornas que defende em todo o mundo.

A sua simplicidade era impressionante. Apesar do sucesso e de melhores condições de vida continuo fiel aos seus amigos aos quais passou a prestar a sua solidariedade.

Em França demonstrou sempre o seu reconhecimento aos músicos e amigos que a acolheram e ajudaram nos primeiros passos da sua arreira internacional. Sem dúvida foi a artista caboverdiana mais conhecida em França e no mundo, tendo aberto as portas a uma nova geração de artistas que aliás disputam a sua sucessão. Numa sondagem feita na região parisiense, mais de dois terços dos alunos conheciam a cantora caboverdiana Cesária Évora.

Quando entrou no ciclo das “tournées” não parava. Em 2007, ela adoece na Austrália e é operada das coronárias. E nesta altura, com mais de sessenta anos, ainda consegue manter o ritmo das torunées durante cinco meses sem parar. Uma jornalista do jornal Le Monde  interrogava se não era a altura de ela suspender a carreira, pois considerava que Cesária levava uma vida de muitos sacrificios, o que já não facilitava qualquer progresso  nas interpretações.  A lenda viva de Cabo Verde queria continuar mas a doença já tinha tomado conta do seu corpo sem no entanto tirar-lhe a vontade de subir ao palco.

Em 2012 voltou a Paris para recomeçar um ciclo de “tournées” pelo mundo mas sem forças para continuar teve de ser hospitalizada. Mas quando se sentiu melhor quiz voltar para a sua terra como se estivesse a escolher de ir morrer na sua ilha, no hospital junto ao Lombo onde nasceu.

Teve enterro nacional. Nas comunidades  caboverdianas a sua morte foi sentida porque ela resumia em si todo o drama do homem caboverdiano, obrigado a expatriar-se para servir Cabo Verde. O povo do Mindelo e os artistas nacionais  prestaram-lhe as devidas honras acompanhando com as mornas que ela cantava o percurso da sua casa ao cemitério, onde diariamente chegam admiradores de todo o mundo com coroas de flores.

O Governo de Cabo Verde atribuiu o seu nome ao Aeroporto de São Vicente e uma estátua dela foi levantada junto ao Aeroporto.

A história continuará a interrogar-se sobre a personalidade desta figura mindelense, nascida no meio modesto e que viveu modestamente com o coração aberto para o seu povo. Ela fica, para além de grande cantora de mornas, um exemplo da solidariedade activa sem a qual a nação caboverdiana não teria forças para lutar para a sua sobrevivência. Heroina no verdadeiro sentido do termo, a nossa Cise Nacional foi o orgulho  também dos emigrantes que, graças ao seu exemplo de tenacidade  e patriotismo, a consderam como o porta voz da nossa emigração ao fazer da temática da emigração o seu combate.

A história cultural de Cabo Verde inclina-se perante o percurso desta cantora mindelense  que com tenacidade defendeu a morna –expressão máxima da nossa caboverdianidade.

Muito obrigado pela vossa atenção.
                   
                                           Paris, 30 De Abril de 2013
                                         
                                                    LUIZ SILVA