domingo, 26 de fevereiro de 2012

  DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA EM CABO VERDE

     ENTRE A TEORIA E A REALIDADE PRÁTICA - 1ª PARTE

Crê-se que a temática da Regionalização parece finalmente em vias de entrar para a agenda nacional, com o impacto que teve a recente declaração pública do Presidente da República, numa reacção positiva aos sinais que a sociedade civil vem emitindo no sentido de um debate alargado sobre a matéria em causa. Portanto, é iniludível o ruído de fundo, e só não o ouve quem é surdo ou coloca tampões nos ouvidos.
Em artigos anteriores, quer da minha autoria, quer, sobretudo, da de José Fortes Lopes, Arsénio de Pina e outros, ficou patente que o objectivo superior em vista é pugnar por um Cabo Verde melhor, por mais equitativo e mais harmonioso na exploração das potencialidades nacionais e na distribuição dos recursos por todas as ilhas. Parece não oferecer dúvidas a urgência de uma profunda reforma estrutural no país, mediante uma descentralização que postule outra concepção do Estado. Defende-se um Estado capaz de alijar o seu peso em benefício do poder local, como via para o reforço da democratização e da solidariedade nacional e para o incremento da iniciativa e participação das forças sociais. A experiência demonstra que a descentralização bem sucedida gera níveis superiores de motivação nas populações e estimula um clima de confiança mútua entre elas e as instituições estatais, ao invés da inércia negativa e da apatia quase generalizada que inspira um Estado unitário e fechado em si mesmo. Mas, para alcançar esse desiderato, a perspectiva da descentralização do poder tem de ter a abertura necessária e suficiente à realização dos seus desígnios, além de não poder compadecer-se com fórmulas ambíguas que os inviabilizem.
Com este artigo, a ser dividido em duas partes, pretende-se essencialmente uma abordagem às questões de terminologia e conceito, para uma melhor compreensão da pluralidade de posições que esta temática possa suscitar sobre o caso específico de Cabo Verde. Não existe propriamente uma uniformidade nas ciências políticas e de administração pública dos diversos países em matéria de terminologia e conceitos sobre reforma administrativa. Centralização e descentralização, dois pólos opostos do mesmo problema, resumem o essencial da dialéctica em matéria de transferência de autoridade. A centralização equivale a reter autoridade num nível mais alto de poder, em detrimento de níveis inferiores. É a fórmula preferida por regimes políticos totalitários ou por regimes democráticos pouco amadurecidos ou em fase embrionária de consolidação institucional. Descentralização é, naturalmente, o oposto, significando um processo de investir autoridade em estruturas do poder local com vista à formulação de suas políticas. Contudo, a descentralização tanto pode corresponder a uma efectiva transferência de autoridade como confundir-se com uma simples desconcentração de estruturas de poder. Definindo com mais precisão, desconcentração é apenas uma forma de descentralização, ou, melhor dizendo, pseudo-descentralização, em que o poder central institui órgãos em sua representação nos governos locais para a realização de determinadas actividades administrativas. Não há transferência de autoridade mas sim outorga de atribuições, mantendo o poder central a respectiva responsabilidade jurisdicional, pois o que acontece é apenas a presença de órgãos da administração central junto do poder local, com o objectivo de aumentar a operacionalidade do serviço. Esta será talvez uma armadilha em que uma regionalização mal feita pode incorrer, ou seja, mudar o paradigma da concentração de estruturas para manter a centralização igual a si mesma. Contudo, não há uma única definição de descentralização. A de maior aceitação é a que Denis Rondinelli, Duane Nellis e Shabbir Cheema propuseram, a saber: “A descentralização pode ser definida como uma transferência de responsabilidades em matéria de planeamento, gestão, captação e afectação de recursos do governo central e das suas agências para níveis de poder subordinados de um governo, unidades territoriais dos ministérios, autoridades públicas e privadas semi-autónomas, autoridades regionais ou funcionais ou organizações não governamentais privadas ou voluntárias”. Consistindo a descentralização na transferência de poderes e/ou competências entre pessoas colectivas de direito público diferentes, importa agora acrescentar que ela pode ser política (ou político-administrativa), se dirigida a poderes locais, como as regiões e autarquias, ou simplesmente administrativa, se é o caso de entidades públicas sob a tutela do Estado mas dele autónomos ou independentes, como universidades, hospitais, etc.
E, finalmente, o que é regionalização? Os conceitos variam em função da própria definição do que é espaço físico e do que é território. Para o geógrafo suíço Claude Raffestin, o território é uma construção conceitual a partir do espaço físico que pré-existe na natureza, pelo que importa a sua destrinça para se chegar ao conceito de região. O espaço é anterior ao território e este não é mais que o espaço transformado pela acção social operada pelo homem, que o ocupa, organiza e baliza, instituindo-lhe a sua própria feição cultural. O território, juntamente com a soberania e o povo, constitui um dos três elementos básicos que formam a nação-estado moderna. Ora, a regionalização é a descentralização de base territorial, que supõe divisão do território em parcelas articuladas e dependentes do poder central em grau variável, para uma realização mais eficaz dos objectivos político-administrativos. A região é, assim, dito de outro modo, uma instância entre o poder central e a autarquia. A definição da região e do seu estatuto levanta, no entanto, múltiplos problemas de metodologia, visto que, como é próprio dos processos sociais, não existem modelos teóricos de valor absoluto aplicáveis a toda e qualquer realidade objectiva. É certo que a investigação empírica da política comparada pode permitir algumas generalizações, mas sempre com certo grau de imprevisibilidade e falibilidade, dada a complexidade própria dos fenómenos sociais. Portanto, o desafio estará na criação de instrumentos metodológicos que reflictam a diversidade das variáveis que assistem ao processo de decisão quanto ao grau da descentralização do poder e à amplitude das regiões a criar. A solução estará em encontrar uma síntese entre a dimensão emparcelada do espaço geográfico e as variáveis políticas, económicas, sociais, ecológicas e culturais que subjazem ao processo de decisão.
Autonomia é outro conceito que convém esclarecer porque pode suscitar dúvidas, como, aliás, já suscitou quando o nosso “Movimento para a Regionalização em Cabo Verde” se referiu à autonomia de S. Vicente. Autonomia corresponderá à amplitude que for conferida à transferência de autoridade político-administrativa, e quanto maior é esta mais efectiva é a autonomia. Uma autonomia configura responsabilidades político-administrativas próprias no espaço jurisdicional de um poder local e circunscrita a certas áreas de governação, que excluem normalmente as que têm uma relação directa com a soberania e são da estrita dependência do governo central.
Importará ter ainda presente que não existe regionalização sem descentralização, e que descentralizar sem regionalizar só se compreenderá numa fase incipiente do processo de reforma administrativa e enquanto não estiverem implementadas as estruturas territoriais do poder local. Para o brasileiro Paulo Reis Vieira, doutorado em administração, a descentralização é um fenómeno dinâmico e não estável, o que pressupõe a existência de um “continuum” entre os dois pólos, centralização e descentralização, deduzindo-se daqui que o processo está sujeito a ajustamentos e correcções, recuos e avanços, em função dos resultados que se vão apurando e da validação empírica que for sendo possível em cada fase do processo.
O constitucionalista Wladimir Brito proferiu uma verdade genérica quando, no colóquio sobre Regionalização em 2008, disse que a questão da regionalização “deve ser debatida, não a partir de modelos externos, mas sim tendo por base a dimensão geo-demográfica de Cabo Verde, a sua natureza insular e a relação custo-benefício que a tomada desta opção implica” Na verdade, esta afirmação está em coerência com as minhas considerações anteriores a propósito da inexistência de uma teoria geral e de modelos sistémicos consensuais, sobre regionalização, a aplicar com carácter científico em qualquer contexto social. Cada caso é um caso, embora não subsistam dúvidas sobre o sucesso genérico das regionalizações. O constitucionalista não tem razão é quando parece servir-se do relativismo teórico para rejeitar, tanto quanto penso, qualquer hipótese de regionalização no país.
O que é verdade irrefutável é que a reforma administrativa vai exigir o concurso de todas as forças políticas e da sociedade civil, porque todos não serão demais para a análise, a discussão e a ponderação que precedem o processo de decisão. Será necessário integrar os saberes de várias áreas do conhecimento, designadamente a geografia, o direito administrativo e o constitucional, a economia, a ecologia e as ciências políticas e de administração pública. É comum pensar que as forças políticas estruturantes do poder estarão menos interessadas na descentralização que as forças vocacionadas eleitoralmente para a oposição. Mas será importante que, na questão em causa, os superiores interesses nacionais superem os jogos mesquinhos do poder e derroguem a visão estreita e imediata dos benefícios de qualquer clientelismo partidário.

REFORMA DO ESTADO EM CABO VERDE

DESCENTRALIZAÇÃO VERSUS CENTRALIZAÇÃO



    Torna-se cada vez mais evidente que o actual modelo de concentração-centralização do poder em Cabo Verde não favorece o progresso e o aperfeiçoamento da nossa democracia, nem espevita um desenvolvimento económico mais equitativo e mais acelerado no país. Alguns, por erro de auréola ou por razões inconfessáveis em que prepondera o interesse pessoal ou político-partidário, poderão não querer ver o óbvio. O erro de auréola advém em certa medida de alguns indicadores socioeconómicos que distinguem Cabo Verde entre o conjunto dos países em desenvolvimento. É, pois, confortável e animador que três indicadores importantes do IDH – o do rendimento per capita, o da educação e o da saúde – sejam positivos, atestando uma evolução favorável nas últimas 3 décadas. Contudo, como se sabe, o desenvolvimento humano não é aferido apenas por aqueles três indicadores, os quais, se dissociados da realidade global nua e crua, podem induzir a conclusões precipitadas, podendo mesmo estimular um sentimento de auto-satisfação e de acomodação no espírito de quem governa.

   Tudo isto porque, embora seja notório o progresso alcançado desde a independência, persistem carências básicas no seio das populações, mormente nas zonas periféricas intra-ilhas (especial incidência em Santiago) e entre-ilhas/regiões do país. Os problemas ocorrem em áreas, também elas atinentes ao desenvolvimento humano, como a do saneamento básico, a dos serviços de distribuição de água e electricidade, e, principalmente, a do emprego e garantia de subsistência, nestas últimas registando-se níveis baixíssimos em manifesta incongruência com os citados indicadores favoráveis. Sublinhe-se que a disparidade é sensível entre as zonas rurais e os centros urbanos, e entre algumas ilhas e outras, por diferenciados e questionáveis critérios na atribuição de investimentos. Como isto é um dado objectivo e não mera especulação, forçoso é concluir que o processo de desenvolvimento de Cabo Verde não se tem gizado pelos melhores critérios de justiça, equilíbrio e equidade na distribuição dos recursos, como auspiciariam as populações, independentemente da ilha de naturalidade. É precisamente com esta realidade que nos confronta o último relatório dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, datado de 2009, quando assinala que “não obstante os avanços registados a nível nacional, existem ritmos diferenciados e mesmo assimetrias na execução dos objectivos a nível dos municípios”.

    Sendo assim, e quando Cabo Verde atingiu a graduação de País de Desenvolvimento Médio, conforme foi deliberação pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2008, em função dos níveis referenciados por aqueles 3 indicadores do IDN, eis-nos perante uma encruzilhada circunstancial na caminhada para o futuro. Vamos ver porquê. Os progressos até agora alcançados só foram uma realidade mercê da ajuda externa, bilateral e multilateral, que não se afigura sustentável a prazo, ainda mais nos tempos difíceis que vivemos. A generosa ajuda internacional, que não deixa de se pautar por critérios de racionalidade e rigor aritmético na gestão dos recursos que disponibiliza aos povos em desenvolvimento, vai certamente reduzir gradativamente o apoio ao nosso país, no pressuposto de que agora nos compete pescar livremente com a cana e o anzol fornecidos. Aliás, era de esperar que assim fosse, porque um povo independente não pode ad aeternum ficar dependente da boa vontade alheia, por muito que demonstre ter sido um bom aluno no decurso da aprendizagem para a sua emancipação.

    Perante este quadro, e uma vez demonstrado que os 3 indicadores positivos do nosso desenvolvimento só foram possíveis graças a investimento externo, e não mediante uma dinâmica interna de desenvolvimento, é imperioso criar as alternativas necessárias para o nosso auto-financiamento. Elas são de vária índole e em muitos casos susceptíveis de uma relação de reciprocidade ou interdependência. Consiste basicamente em promover uma exploração adequada das potencialidades oferecidas por cada uma das ilhas, empenhando as populações locais em dinâmicas conducentes à produção e criação de emprego, o que pressupõe, simultaneamente, estimular a iniciativa individual e injectar nas pessoas um profícuo espírito de cidadania, fazendo-lhes crer que são peças fundamentais do processo de evolução do país nas esferas política, social e económica.

    Infelizmente, o panorama actual é bem diferente. Não existe uma cultura de cidadania, e a tendência é para um retrocesso sensível na percepção e na assumpção do conjunto de deveres e direitos cívicos que é condição basilar para gerar os impulsos sociais de que o país precisa como de pão para a boca.

    E que razões explicam todo este cenário, que vai desde o desenvolvimento assimétrico à aparente letargia cívica em que mergulharam as populações? A resposta não pode ser simplificada com a menção de uma única causa. Mas como a política é a acção que congrega todas as variáveis que se relacionam com a pólis, difícil é não apontar como a causa principal dos nossos problemas o modelo de organização político-administrativa vigente desde a independência. Decidiu-se desde a primeira hora pela concentração maciça de toda a estrutura do Estado numa só ilha e cidade, e ao mesmo tempo pela centralização do poder político, duas condições gémeas de uma visão contrária à filosofia e aos princípios de organização política dos estados modernos. Para esse efeito, foi mesmo necessário eliminar, ou no mínimo, atenuar, o relativo equilíbrio que havia entre os dois grupos de ilhas, Barlavento e Sotavento, nomeadamente entre S. Vicente e Santiago. Esse equilíbrio baseava-se na existência histórica destes dois pólos estruturantes da actividade económico-social do arquipélago, um em cada grupo de ilhas. A economia do território dependia em larga medida, e desde meados do século XIX, dos rendimentos da produção vocacionalmente agrícola da primeira ilha e da actividade vocacionalmente industrial e comercial da segunda, numa complementaridade nunca questionada ou jamais posta em causa pela administração portuguesa, bem pelo contrário. Crê-se que foram critérios meramente políticos que determinaram a desmagnetização progressiva de um dos pólos, o de S. Vicente, com transferência da sua energia para o outro pólo. Há quem diga que foi retaliação política contra uma ilha não de todo identificada historicamente com a filosofia ideológica do partido da independência. Não sei se foi ou não, mas isso pertence à História e não é agora relevante para o tema que me proponho.

    O certo é que a concentração-centralização teve um significado político indubitável, com consequências que não tardariam a revelar-se danosas para a ilha de S. Vicente, que entrou em franca decadência económica, com reflexos inevitáveis na esfera social, cultural e política. É esta a razão que explica a abulia social daquela que fora no passado a ilha de maior vitalidade anímica no território. E como poderia ser de outra forma se a sua massa crítica emigrou ou se transferiu em grande parte para onde estava concentrado o Estado e fincados os pólos da futura dinâmica de desenvolvimento? Foi uma acção centrípeta exercida pela maior ilha e que haveria de prosseguir, sugando os recursos humanos de grande parte das ilhas. Quando hoje se diz que a ilha de Santiago justifica dois terços do investimento estatal por ter mais de 50% da população do país, esquece-se que o crescimento da sua população acelerou exponencialmente a partir da independência não apenas pelo fenómeno da natalidade mas principalmente pela migração de populações das outras ilhas, à procura de emprego onde ele tinha mais possibilidades de garantia. É claríssima a relação causa efeito. Os dados do último censo registam a seguinte progressão da população da ilha capital: ano de 2000 – 236.627; ano de 2005 – 266.161 habitantes; ano de 2010 – 300. 262 habitantes, sendo que o maior acréscimo populacional ocorreu principalmente na capital e periferia. Não disponho de dados referentes ao ano de 1975, mas é de presumir que a migração tenha sido ainda mais significativa logo a partir desse ano. Por conseguinte, o fenómeno foi criado artificialmente pelo poder político, ao invés de representar uma evolução determinada por impulsos naturais.

    Eis como a concentração da estrutura do Estado conjugada com a centralização do poder dirigente originaram uma perniciosa macrocefalia na ilha capital. Eis, assim, o rosto de um modelo de centralização talvez sem precedentes na história do território. Tem-se apontado o jurista e constitucionalista Wladimir Brito como discordando de um processo de regionalização em Cabo Verde, o que é verdade, e assumida pelo próprio. Mas convém notar que na sua exposição no colóquio realizado na Praia, em 2008, sobre a temática da descentralização – regionalização, o jurista afirmou assim no contexto da sua argumentação: “… diga-se e sublinhe-se, que, historicamente, a complementaridade inter-ilhas assume uma natureza dominantemente económica e realiza-se entre duas grandes regiões geo-histórica, económico-sociologicamente naturais, a de Sotavento e a do Barlavento…”. Portanto, subliminarmente, está aqui a anotação de uma verdade que a História regista mas da qual o poder fez tábua rasa, agindo à revelia dos princípios da ciência política e da administração pública, para não dizer do bom senso político, quando assumiu as rédeas do país.

    Concordo com Arsénio de Pina quando escreve, num dos seus artigos, que “…no centralismo democrático do início da independência, explicável e até justificável no contexto da época, que fez o seu tempo, embora tenha demorado tempo excessivo, as decisões partiam de cima…”. Sim, demorou e eternizou-se, com prejuízo nítido para o país, e mesmo para a capital, que se engasga com o seu próprio excesso. Note-se que o crescimento desmesurado da capital cabo-verdiana tende a prosseguir inexoravelmente o seu curso, em detrimento do resto do país, se nada for feito em contrário, no sentido de uma justa correcção das assimetrias criadas. O que aconteceu e pode continuar a acontecer até é explicável pelos fenómenos físicos. As leis da física demonstram, com efeito, que um corpo em movimento tende a continuar em movimento (Lei da Inércia de Newton) se não houver uma força em contrário; ao mesmo tempo que a sua massa tende a aumentar (Teoria da Relatividade de Einstein). Ora, a motivação dos que escrevem sobre esta temática não é atentar contra o interesse particular da ilha capital ou qualquer outra, é tão-só contribuir com ideias para a reforma administrativa do Estado, por forma a que o país progrida dentro dos carris de justiça e de equidade. Nenhuma ilha pode aspirar a um estatuto de privilégio sobre outras, mas sim a um papel contributivo na dinamização do todo nacional, num quadro de complementaridade e solidariedade entre todas as suas parcelas. 

    É evidente que o processo de reforma é complexo e delicado, obrigando a romper com práticas e rotinas perniciosas incrustadas desde longa data no aparelho do Estado concentracionário. É preciso reflectir, discutir e encontrar as melhores soluções dentro de um espectro de opções para a descentralização político-administrativa, que vai desde o reforço do municipalismo, como alguns preferem, à regionalização administrativa, que outros advogam como única solução viabilizadora da autonomia propiciadora do progresso. Mas é importante que o que se faça não venha a dar razão a Giuseppe Lampedusa quando pronunciou esta célebre frase: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Mas isto será conversa para uma próxima opinião.



Tomar, 5 de Fevereiro de 2012


 

S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL

                                         (SECÇÃO C)   



AS REGIÕES DE CABO VERDE E O MODELO DE REGIONALIZAÇÃO: OS CLUSTERS REGIONAIS



    Uma questão recorrente e pertinente na discussão sobre a problemática da Regionalização é a seguinte: E depois da Regionalização, o que fazer com as Regiões criadas? Será que elas irão aguentar-se de pé? O objectivo desta secção é precisamente procurar responder a estas preocupações fundadas, apontando algumas pistas para resolver o problema.

    Mas antes de passar ao assunto que interessa na abordagem que ora me proponho, seria imperdoável não referir aqui o modelo regional britânico e o francês (tópico que deveria estar incluído na Secção B).

    Primeiramente, vejamos então o modelo regional do chamado Reino Unido (1,2). As Ilhas Britânicas formam um arquipélago constituído por cerca de 5 mil ilhas. As duas maiores são a Grã-Bretanha, a grande ilha que inclui três Estados: a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia, e a ilha da Irlanda, que inclui a Irlanda do Norte (membro do Reino Unido). O termo Grã-Bretanha é muitas vezes usado como sinónimo de Reino Unido, o que não é inteiramente correto, pois um dos Estados que formam o Reino Unido, a Irlanda do Norte, não faz parte desta ilha. O Reino Unido é, portanto, uma federação formada por quatro Estados: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O chefe de Estado é o rei ou a rainha, e o de chefe governo é um primeiro-ministro, eleito por um Parlamento central, em Londres. Tal como nos outros modelos de Regionalização, a Escócia, o País de Gales e Irlanda do Norte também têm Assembleias Nacionais e Governos Regionais com autonomias para tratar das questões regionais.

    Até agora, mostrámos que era importante a Descentralização-Regionalização em Cabo Verde, processo que consiste na transferência de amplos poderes e competências do Poder Central para as ilhas, através da definição do estatuto de autonomia administrativa e económica e da instituição do Governo Regional. Todavia, este processo por si só poderá ser redutor, podendo gerar distorções e reforçar as assimetrias já existentes no arquipélago, pelo que é preciso acompanhar a Regionalização de outras medidas baseadas no conceito de Solidariedade e de Integração Regional voluntária, aquilo que definiremos como CLUSTERS REGIONAIS, inspirados no modelo francês que em seguida apresentaremos.

    No conceito de Regionalização está não somente incluído o de Descentralização mas também o de Região. Quando se fala de Regionalização na óptica das Regiões, a França é um país de referência (3,4), razão por que é este o momento próprio para descrever sucintamente o seu modelo. Neste país, este conceito traduz na prática a Regionalização Administrativa, ou seja, uma repartição do território nacional em espaços, as Regiões, em que cada uma se define e se identifica por características próprias, históricas, geográficas, culturais, etc., bem vincadas. Esta definição, transportada para a realidade cabo-verdiana, não traduziria assim automaticamente a Região em Ilha, como veremos mais à frente.

    A França, do ponto de vista regional, é constituída por 96 “Départments” (Departamentos) e 22 Regiões Administrativas. Cada Região é formada pelo reagrupamento ou adesão voluntária de um grande número de Departamentos. O Departamento é uma entidade político-administrativa, que ela sim corresponde à dimensão política de uma ilha em Cabo Verde. Assim, transplantando o modelo francês para Cabo Verde, a Região não coincide com uma unidade territorial básica, é mais ampla e corresponderia a um agrupamento político e administrativo de várias ilhas, ao passo que vimos que no caso da Alemanha, Suíça Espanha, etc., a Região corresponde “tout court” a uma Ilha.

    Do ponto de vista formal, a “região francesa” é uma entidade política governada por um Conseil Régional (Conselho Regional), que é na prática uma assembleia ou um parlamento regional cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo, com um mandato de duração 4 anos. O Governo Regional é composto por um executivo constituído pelo presidente e os vice-presidentes do Conselho Regional, assim como por vários outros membros delegados para as diferentes áreas de competência socioeconómica. Actualmente, a França é um país altamente descentralizado, tendo o Estado Central delegado, ao máximo, nas Regiões, as competências, responsabilidades e encargos que lhe eram inerentes, ao ponto de estas o substituírem na maior parte dos casos, nomeadamente na gestão e execução de Programas e Projectos, de modo que o Estado Central ficou confinado, por vontade própria, a um reduto de funções de soberania. O Conselho Regional tem as seguintes funções: A elaboração de planos de desenvolvimento Regionais e a gestão de orçamentos regionais e dos fundos europeus. As suas áreas de actuação são abrangentes e substituem as tradicionais alocadas ao Estado: coordenação dos Departamentos; Gestão da Economia e do Desenvolvimento Regional, Ordenamento Territorial; Ensino Básico, Secundário e Universitário, Gestão Escolar; Gestão de Parques Científicos e Tecnológicos; Gestão de Zonas Industriais; Gestão da Saúde e Hospitais Públicos, Gestão Ambiental e Ecológica; Gestão de Reservas Naturais e Ecológicas; Gestão da Formação Profissional; Gestão de Equipamentos Estruturantes, Organização e Gestão dos Transportes Ferroviários, Autoestradas e Estradas; Gestão de Portos e Aeroportos etc.

    O modelo de Regionalização francês é assim baseado no conceito CLUSTERS REGIONAIS, cujo propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais (4). Com efeito, a França se autodefine como sendo o país da Cultura e da História, onde a Região subentende conceitos bem franceses de “le Terroir” e de “le caractère”, que incluem o território no sentido regional, e aspectos regionais como as tradições, a cozinha, o vinho, o dialecto, etc. A Regionalização em França é, portanto, Solidariedade e Sinergias Regionais. A Região cola-se perfeitamente à dinâmica económica e social do país, tentando valorizar as actividades económicas, tais como as potencialidades industriais e turísticas, a paisagem, o património histórico, a viticultura e a enologia, a cozinha típica regional, etc. Hoje em dia, as Regiões francesas tentam não somente explorar aspectos puramente económicos mas também a diversidade e a riqueza das paisagens, os ecossistemas, o clima, as infra-estruturas de lazer etc. Cada Região em França tem a sua especificidade sociocultural bem definida. Por exemplo, a Região Paris-Île-de-France é a que inclui a capital francesa e é composta por 8 Departamentos, cada um com o seu “caractère” (Val d'Oise, Val de Marne, Seine Saint Denis, Hauts de Seine, Essone, Yvelines, Seine et Marne e Paris). A capital, Paris cidade das artes, do romantismo e dos famosos monumentos (a Torre Eiffel, o Louvre, o Notre Dame, o rio Seine, etc.), é o centro da região Paris-Île-de-France, umas das regiões mais dinâmicas da França, considerada o seu motor económico e comercial. Por outro lado, a Região Provence-Alpes-Côte d’Azur é por excelência a Região do Turismo e dos Lazeres, embora esta definição seja hoje considerada redutora, pois existe nela uma intensa actividade económica em volta de diversos sectores de ponta. Todavia, o essencial da economia desta Região está virado para o conceito de Turismo de qualidade e gama alta, integrando turismo de montanha e de praia, onde a componente doméstica representa uma parcela importante.

    No Manifesto para a Regionalização de Cabo Verde definimos um conjunto de 4 CLUSTERS REGIONAIS, associações voluntárias definidas pelos critérios de proximidade geográfica e cultural, assim como complementaridade económica:

   − Região Barlavento 1 ou CLUSTER REGIONAL 1: S.º Antão S. Vicente e S. Nicolau;

    − Região Barlavento 2 ou CLUSTER REGIONAL 2: Sal e Boavista e Maio?;

    − Região Sotavento 3 ou CLUSTER REGIONAL 3: Santiago e Maio?;

     − Região Sotavento 4 ou CLUSTER REGIONAL 4 : Fogo e Brava.

    Por que insistir no conceito de associação em CLUSTERS REGIONAIS?

    Com a instauração em Cabo Verde de Governos Regionais, é previsível a tentação de afirmação de “soberanias insulares”, de se reforçarem rivalidades, orgulhos e egoísmos entre ilhas. Ilhas muito próximas poderão correr o risco de ficarem de costas viradas ou envolvidas em competições ou disputas estéreis e desgastantes. Esta situação conduziria naturalmente a desperdício de recursos e energias, decorrentes da duplicação de investimentos e estruturas, originando redundâncias nocivas entre ilhas muito próximas, situação economicamente insustentável num país naturalmente pobre.

    Assim, a instituição dos CLUSTERS REGIONAIS iria incentivar Solidariedade e Integração Regional e permitiria contrariar o efeito natural de autonomização das Regiões, através do incentivo à cooperação solidária e sinergética voluntária inter-regional, pela proximidade geográfica e cultural.

    Por exemplo, no CLUSTER REGIONAL 1 é óbvia a interligação e a complementaridade entre a ilha de S. Antão e S. Vicente. Esta estrutura permitiria definir estratégias comuns de investimentos (industriais, comerciais, agrícolas, serviços, turismo, etc) no grupo de ilhas S. Antão, S. Vicente e S. Nicolau, realizar em comum um conjunto de investimentos, assim como partilhar voluntariamente um conjunto de infra-estruturas. Esta complementaridade podia ser estendida para novos sectores em desenvolvimento, conseguindo por exemplo estratégias integradas na área do turismo, nomeadamente o ecológico e o de alta gama.

    Com a associação em CLUSTERS REGIONAIS, os Governos Regionais estariam assim “condenados” a cooperar entre si dentro de cada Cluster, contrariando os eventuais factores negativos que podem advir de uma má aplicação do princípio da Regionalização.

    Acreditamos pois (O Movimento para a Regionalização de Cabo Verde) (5) que é possível e necessário um país organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais flexível, visto que o actual sistema centralizador bloqueia iniciativas e liberdades, é já um entrave ao progresso do país e às justas aspirações das populações, e é indutor de potenciais contenciosos.

Mostrámos que os problemas socioeconómicos que enfrenta Cabo Verde podem ser decorrentes de políticas concentracionárias e de má repartição das riquezas nacionais. Propusemos um modelo de Descentralização e Regionalização em que a gestão de cada ilha, que subentende uma plena autonomia política, administrativa e económica, fica a cargo de um Governo Regional saído de eleições directas. Propusemos um modelo de Solidariedade e Sinergias Regionais baseado nos Clusters Regionais. Mostrámos ao longo das diferentes Secções deste artigo que o modelo proposto não se aplica somente a S. Vicente, mas a todas as ilhas do arquipélago, razão por que este movimento não pode ser entendido como apenas dirigido à cidadania mindelense.

Finalmente, sinais de abertura e boa intenção da parte do recém-eleito Presidente da República foram emitidos em direcção à sociedade civil, mostrando vontade em discutir sem tabus a problemática do desenvolvimento de Cabo Verde. O grande problema deste país é que não existe uma opinião pública expressiva, nem contra-poderes que permitam promover debates técnicos e políticos, francos e abertos, sobre os seus vários problemas, pois a sociedade cabo-verdiana está completamente anestesiada, tendo os cidadãos, e os intelectuais em particular, abdicado dos seus direitos e deveres em favor dos partidos políticos e do Estado. Embora o MPD tenha dado sinais de querer analisar a problemática da Regionalização, não se vislumbra nenhum sinal de boa vontade da parte do partido do poder e do Governo em abrir a mão do Centralismo, que parece ser a sua doutrina mestra. Mesmo assim, atento aos sinais dos tempos, o Presidente, no seu discurso de Ano Novo de Janeiro de 2012, disse o seguinte: “No ano que vai começar, impõe-se, igualmente, um amplo e descomplexado debate sobre a descentralização. Tivemos, há vinte anos atrás, um processo de descentralização administrativa que tem dado, reconhecidamente, os seus frutos. Hoje, sente-se uma forte movimentação no sentido do aprofundamento da descentralização, acompanhada dos necessários recursos. Todas as possibilidades que, de há anos a esta parte, vêm sendo aventadas, devem ser postas em cima da mesa para discussão e subsequente assumpção da solução mais consensual e que assegure a realização adequada do interesse nacional e das aspirações legítimas das comunidades locais.” Já em 18 de Janeiro de 2012, em S. Antão, o Presidente alertou para “um debate, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações singulares”. Para o Presidente da República, a experiência do poder municipal enfatiza a necessidade “de articular as vantagens da integração descentralizada, que poderá permitir maior autonomia e melhor aproveitamento de recursos, com a proximidade do poder às populações de modo a que estas tenham as melhores condições de participação e usufruto” e admitindo impor-se “um debate necessário, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações singulares”. O Chefe de Estado alertou ainda “para o perigo de subjugação de um tal debate a argumentos meramente economicistas, extrapolados até pela situação de crise que o país vive em resultado da conjuntura internacional, pedindo para “não ignorar que tal reflexão se revela complexa e que os mecanismos que poderão viabilizar as soluções eventualmente encontradas poderão exigir recursos adicionais, mas esta possibilidade não pode coarctar o debate que também deverá incidir sobre os meios mais adequados para as viabilizar”. Esse recado não podia ser mais claro.

Antes de terminar, lanço um apelo a este Presidente democrata e da cidadania: “Mr. Président, tear down that Wall of Silence and Fear!” e incentive uma sociedade e uma democracia mais abertas, comunicativas e participativas. A Descentralização de Poderes e um modelo de Regionalização bem pensado para Cabo Verde corresponderão a longo prazo a uma maior abertura e democratização, e no fim todo o país ganhará.



José Fortes Lopes



http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-reino-unido-e-granbretanha

http://alt-usage-english.org/whatistheuk.html



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S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL

(SECÇÃO B)   





MODELOS DE REGIONALIZAÇÃO IMPLEMENTADOS NO MUNDO 



    Dando continuidade à abordagem da problemática da Regionalização iniciada nos artigos anteriores, propomo-nos agora, conforme prometido, passar em revista os diferentes modelos de Regionalização implementados em vários países do mundo.

    A Regionalização-Descentralização que definimos como autonomia política, administrativa e económica será talvez  a regionalização de que falam os políticos e que desejam os cabo-verdianos. É a descentralização efectiva, com transferência de poderes e competência do poder central para as ilhas, através da definição do estatuto de autonomia como entidade política.

    Propomos assim romper com o actual modelo centralizador, que de certa forma herdamos de Portugal, e que é um misto do modelo burocrático napoleónico (que a própria França ultrapassou) e do centralismo democrático gerado no próprio país. Pretendemos aqui informar o melhor possível o público cabo-verdiano sobre a Regionalização, informação essa que a classe política cabo-verdiana lhes omite ou mesmo deturpa, para que a perpetuação dos privilégios associados ao centralismo não seja posta em causa.

    Diversos modelos de Regionalização vêm funcionando desde há muitas décadas, em vários países do mundo, sem pôr em causa o chavão da Unidade Nacional, que os detractores cabo-verdianos da Regionalização acenam com frequência e logo que se perspectiva o mínimo debate sobre esta matéria. A maior parte das democracias ocidentais modernas cedo foi confrontada com a problemática das questões nacionais, por elas possuírem no seu seio situações diversas de descontinuidades geográficas, culturais, etc. Estas contradições foram exacerbadas pela tendência natural para o “centralismo” do Estado Central, mesmo em regime democrático. Para minimizar os problemas advindos da força centrípeta do poder central e das tensões que este efeito cria nas suas periferias, implementaram-se diversos modelos de Regionalização, que constituem, na prática, sistemas de contra-poderes ao centralismo estatal, funcionando assim como verdadeiro  antídoto aos seus excessos da burocracia centralizadora. Esta foi a receita bem conseguida na maioria dos países da Europa ocidental, nomeadamente a Alemanha, a Suíça, a França, a Espanha, etc, e mesmo em Portugal com a Madeira e os Açores. A Regionalização não é, portanto, um papão, o fim do Estado central, como muitos ideólogos pretendem, mas talvez uma nova oportunidade para renovar a democracia cabo-verdiana, tendendo, por um lado, à consolidação de uma democracia plena, aproximando os cidadãos de um poder local forte, e, por outro lado, melhorando e aligeirando o funcionamento do Estado, tornando-o menos limitador, menos controlador e menos castrador das energias cidadãs.

     Em seguida, apresento vários exemplos de modelos de Descentralização implementados no mundo, que nos poderão inspirar:

                                                           

 As Autonomias Espanholas (1,2)

   A Constituição Espanhola de 1978 reconhece a existência de regiões e nacionalidades, e concede-lhes a autonomia sem estabelecer diferenças administrativas entre elas. Ela fundamenta-se na indissolúvel unidade da nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, mas reconhece e garante o direito inalienável à autonomia das nacionalidades e regiões espanholas que a integram, assim como solidariedade entre todas elas. O Poder Político em Espanha está organizado como um Governo Central e 17 Governos Regionais denominados Comunidades Autónomas. These regional governments are responsible for the administration of schools, universities, health, social services, culture, urban and rural development and, in some cases, policing.  There are also 2 autonomous cities . Esses governos regionais estão dotados de poderes muito alargados, sendo responsáveis pela administração territorial, pela gestão do sistema de saúde, da segurança sociais, da cultura, do planeamento e do desenvolvimento urbano e rural, pela gestão das escolas, das universidades, e, em geral, pela segurança territorial. Existe em Espanha duas cidades autónomas.



 A Federação Suíça (3)

  A Suíça é um Estado Federal desde 1848,Each  with its own borders, army and currency from the  (1648) until the establishment of the Swiss federal state in 1848.  formado por cantons (o nome deriva da palavra francesa Canton que tem o significado de distrito), cuja superfície pode variar entre 37 km ² e 7,105 km ²  e com populações variando entre 15.471  e 1.244.400.  Os Cantons são estados propriamente ditos, uma realidade herdada do Tratado de Westfália (1648), onde cada Canton já era na prática um Estado  soberano, com suas próprias fronteiras, exército  e moeda. The most recently created canton is the  in 1979. Na actual Constituição, cada Canton continua soberano, com a sua própria constituição, legislatura, governo e tribunais, na medida em que sua soberania não é limitada pela lei federal. Assim, excluindo os poderes atribuídos pela Constituição Federal ao Poder Central, os cantões possuem assim um leque importante de poderes e competências atribuídos aos governos cantonais eleitos, e gozam de plena soberania, na área do ordenamento territorial, da segurança local, da saúde, da economia e finanças locais etc.



A Federação Alemã (4,5)

   O estado federal alemão é uma entidade complexa, carregada de História e Tradições, que pretende combinar as vantagens de um estado unificado com as de um estado federado. A Alemanha é um Bundesland, um estado federado composto por dezasseis Estados ( Länder ou Land). Enquanto que a Baviera, Saxónia e Turíngia são considerados oficialmente Estados (Staat) e mais especificamente "Estados Livres" (Freistaat), Berlin, Hamburgo e Bremen formam Cidades-Estados (Stadtstaaten). A definição do Estado-Livre (Freistaat) é associada ao conceito histórico da república, uma descrição usada pela maioria dos estados alemães após a abolição da monarquia. Today, Freistaat is associated emotionally with a more independent status, especially in Bavaria. Hoje, o Freistaat continua, no imaginário político, associado a um certo conceito de independência, especialmente na Baviera. The remaining 13 states are called Flächenländer (literally: area countries).Os restantes 13 estados alemães são chamados Flächenländer (literalmente ‘países da área’). Ainda nos dias de hoje, o sistema federal alemão continua a ser estudado e aperfeiçoado de modo a reforçar a capacidade administrativa e fiscal de cada Estado (Länder), pelo que existem ainda diferenças significativas entre o modelo alemão e os modelos mais simplificados em vigor noutras partes do mundo. Mas, na prática, e é o que nos interessa aqui, é que a Lei Básica Alemã estabelece as competências claras no âmbito do Governo Federal e dos diferentes Estados (Länder) que constituem a federação, de modo que basicamente o sistema Federal Alemão é também, pelos seus resultados, muito semelhante ao dos outros modelos. Embora, a Public life in Germany is predominantly based on central laws e a vida pública do cidadão alemão seja predominantemente baseada nas leis do Estado Central Alemão, aIn accordance with the principle of subsidiarity citizens, on the other hand, deal almost exclusively with state and local authorities acting on behalf of the federal statplica-se o princípio da subsidiariedade, que consiste no facto de o cidadão ter a possibilidade de resolver todos os seus problemas quotidianos, associados à burocracia do Estado Central, exclusivamente a nível local, através das autoridades locais de cada Estado (Länder), este agindo em nome do Estado Central Federal. Ou seja, na maior parte das transacções entre o Cidadão e o Estado Central, este é invisível ou transparente para o cidadão, só conta o Estado Local (Länder).The Basic Law stipulates that it be possible to compare living conditions throughout Germany.AAaA A constituição alemã concede ainda uma margem de manobra considerável a cada Estado no financiamento de suas funções de soberania. All high-revenue taxes are decreed by law, though this needs the approval of the Bundesrat, which represents the states at federal level. A maioria dos impostos é decretada pela lei de cada Estado (Länder). Part of these taxes goes to central government alone or to the federal states and another part, including the particularly lucrative taxes, is divided up between central government and the federal states. Os impostos são divididos entre o governo central e cada Estado (Länder), uma outra particularidade do Estado Federal Alemão, não se assemelhando assim ao Estado francês ou português. Para além disso, o Estado (Länder) pode celebrar tratados com países estrangeiros, em assuntos de sua própria esfera de competência, desde que isso não interfira ou colida com os interesses ou poderes do Governo Federal (artigo 32 º da Lei Básica).



  A Federação Americana-EUA (6)

   Os Estados Unidos da América (EUA) formam um Estado Federal constituído por 50 Estados que compartilham a soberania com o Governo Central Federal. Because of this shared sovereignty, an American is a citizen both of the federal entity and of his or her state of Devido a esta particularidade sui generis, um americano é tanto cidadão da entidade federal como do seu estado de domicílio. The  allocates certain powers to the federal government. A Constituição dos Estados Unidos atribui vários poderes e limitações ao Governo Federal e a cada Estado, numa filosofia muito similar à dos modelos acima descritos. It also places some limitations on the state governments.O Congresso pode admitir a adesão aos EUA de novos Estados em pé de igualdade com os já existentes, o que aconteceu em 1959 com a admissão do Alaska e do Hawai.  .A Constituição é omissa sobre a questão de se os Estados poderem separar-se unilateralmente da União, mas a Suprema Corte decidiu que secessão é inconstitucional, uma posição impulsionada em parte pela trágica  memória da Guerra Civil. Ao governo de cada Estado está alocado um amplo leque de competências associadas ao exercício da sua soberania, e inscritos na respectiva constituição.By ratifying the United States Constitution, the people transferred certain  powers to the federal government from their states. Historicamente, as tarefas de segurança pública (no sentido do controlo do crime), educação pública, saúde pública, transporte e infra-estruturas são geralmente  da responsabilidade de cada Estado, mas devido ao crescente reforço do financiamento federal, nota-se, desde há algum tempo para cá, um significativo aumento da regulação federal em certas áreas de funcionamento dos Estados.

     Finalmente, podíamos citar outros exemplos de Regionalização em países democráticos situados fora do hemisfério ocidental, tal como o Brasil, país que nos é muito próximo. O Brasil (7) é uma República Federativa - República Federativa do Brasil - composta por 26 estados. Inclui-se ainda um distrito federal, onde se situa a capital do país - Brasília, sede do governo e dos poderes executivo, legislativo e judiciário.  Os diferentes Estados brasileiros estão ainda agrupados em cinco grandes regiões político-administrativas: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O Brasil é assim um país duplamente Regionalizado. Tal como nos EUA, cada Estado possui um leque importante de poderes e competências atribuídos ao governo estadual, gozando assim de uma ampla soberania em áreas similares, como ordenamento territorial, segurança, saúde, economia etc. Apesar disso, o Brasil não constitui um modelo perfeito de descentralização, pois a centralização política é ainda grande, devido à herança do centralismo colonial e das ditaduras militares, sendo que a  autonomia de cada Estado é ainda limitada e muito aquém dos níveis de descentralização das democracias ocidentais atrás referidas. Do ponto de vista prático, o Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer e o mesmo se pode dizer de outros países do mundo onde a Regionalização foi implementada.  

    Pode-se concluir desta exposição que, partindo da experiencia dos modelos em vigor em várias partes do mundo, é possível implementar em Cabo Verde um modelo original, moderno e progressivo, de ordenamento do território nacional. Ficou aqui demonstrado que a dimensão geográfica e demográfica reduzida de um país não constitui uma impossibilidade, nem pode ser determinante na decisão da Regionalização de Cabo Verde, como alguns pretendem. A contradizer esta tese está a Regionalização bem conseguida de um pequeno país como a Suíça. Tão pouco a fraca dimensão económica de um país pode ser determinante. A prova é que S. Tome e Príncipe, um país muito mais pobre do que Cabo Verde, adoptou a Regionalização, com a gestão da ilha do Príncipe assumida por um Governo Regional para a respectiva ilha.

   No modelo de Regionalização que o Movimento para a Regionalização de Cabo Verde (8) propõe, a gestão de cada ilha ficaria a cargo de um Governo Regional,  se assim  convier  vir a ser chamado, saído de uma maioria parlamentar escrutinada em eleições legislativas, com plena autonomia política, administrativa e económica inscrita na Constituição. No topo hierárquico desta arquitectura, estaria o Governo Central, com novos poderes bem definidos por uma Constituição Nacional revista.

   Resta aos partidos tomar as suas respectivas responsabilidades, instaurar um verdadeiro debate interno sobre a Regionalização e promover em seguida um debate nacional sobre a questão. A classe política, incluindo os deputados, não será paga para pensar Cabo Verde? “Eh bien” que o façam: que promovam um debate nacional sobre a Regionalização/Descentralização, que procurem envolver mais intensamente todos os parceiros sociais, económicos e políticos num debate alargado `a toda a sociedade civil, que promovam a instauração de Estados Gerais para estudar aprofundadamente a matéria da Regionalização, que definam grupos de trabalho para estudar as diferentes experiências de Regionalização/Descentralização no Mundo, que promovam intercâmbios parlamentares, palestras, seminários e missões envolvendo peritos e especialistas em questões regionais e nacionais etc, que Implementem um calendário de Regionalização/Descentralização, “O Roteiro da Regionalização/Descentralização”, com metas precisas para Reforma Política e Administrativa do País.

                                                                                                                      (continua)

                                             

                                                   José Fortes Lopes







(5)http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/en/political-system.html


 (7) http://www.brcactaceae.org/brasil.html