domingo, 26 de fevereiro de 2012


S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL

(SECÇÃO B)   





MODELOS DE REGIONALIZAÇÃO IMPLEMENTADOS NO MUNDO 



    Dando continuidade à abordagem da problemática da Regionalização iniciada nos artigos anteriores, propomo-nos agora, conforme prometido, passar em revista os diferentes modelos de Regionalização implementados em vários países do mundo.

    A Regionalização-Descentralização que definimos como autonomia política, administrativa e económica será talvez  a regionalização de que falam os políticos e que desejam os cabo-verdianos. É a descentralização efectiva, com transferência de poderes e competência do poder central para as ilhas, através da definição do estatuto de autonomia como entidade política.

    Propomos assim romper com o actual modelo centralizador, que de certa forma herdamos de Portugal, e que é um misto do modelo burocrático napoleónico (que a própria França ultrapassou) e do centralismo democrático gerado no próprio país. Pretendemos aqui informar o melhor possível o público cabo-verdiano sobre a Regionalização, informação essa que a classe política cabo-verdiana lhes omite ou mesmo deturpa, para que a perpetuação dos privilégios associados ao centralismo não seja posta em causa.

    Diversos modelos de Regionalização vêm funcionando desde há muitas décadas, em vários países do mundo, sem pôr em causa o chavão da Unidade Nacional, que os detractores cabo-verdianos da Regionalização acenam com frequência e logo que se perspectiva o mínimo debate sobre esta matéria. A maior parte das democracias ocidentais modernas cedo foi confrontada com a problemática das questões nacionais, por elas possuírem no seu seio situações diversas de descontinuidades geográficas, culturais, etc. Estas contradições foram exacerbadas pela tendência natural para o “centralismo” do Estado Central, mesmo em regime democrático. Para minimizar os problemas advindos da força centrípeta do poder central e das tensões que este efeito cria nas suas periferias, implementaram-se diversos modelos de Regionalização, que constituem, na prática, sistemas de contra-poderes ao centralismo estatal, funcionando assim como verdadeiro  antídoto aos seus excessos da burocracia centralizadora. Esta foi a receita bem conseguida na maioria dos países da Europa ocidental, nomeadamente a Alemanha, a Suíça, a França, a Espanha, etc, e mesmo em Portugal com a Madeira e os Açores. A Regionalização não é, portanto, um papão, o fim do Estado central, como muitos ideólogos pretendem, mas talvez uma nova oportunidade para renovar a democracia cabo-verdiana, tendendo, por um lado, à consolidação de uma democracia plena, aproximando os cidadãos de um poder local forte, e, por outro lado, melhorando e aligeirando o funcionamento do Estado, tornando-o menos limitador, menos controlador e menos castrador das energias cidadãs.

     Em seguida, apresento vários exemplos de modelos de Descentralização implementados no mundo, que nos poderão inspirar:

                                                           

 As Autonomias Espanholas (1,2)

   A Constituição Espanhola de 1978 reconhece a existência de regiões e nacionalidades, e concede-lhes a autonomia sem estabelecer diferenças administrativas entre elas. Ela fundamenta-se na indissolúvel unidade da nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, mas reconhece e garante o direito inalienável à autonomia das nacionalidades e regiões espanholas que a integram, assim como solidariedade entre todas elas. O Poder Político em Espanha está organizado como um Governo Central e 17 Governos Regionais denominados Comunidades Autónomas. These regional governments are responsible for the administration of schools, universities, health, social services, culture, urban and rural development and, in some cases, policing.  There are also 2 autonomous cities . Esses governos regionais estão dotados de poderes muito alargados, sendo responsáveis pela administração territorial, pela gestão do sistema de saúde, da segurança sociais, da cultura, do planeamento e do desenvolvimento urbano e rural, pela gestão das escolas, das universidades, e, em geral, pela segurança territorial. Existe em Espanha duas cidades autónomas.



 A Federação Suíça (3)

  A Suíça é um Estado Federal desde 1848,Each  with its own borders, army and currency from the  (1648) until the establishment of the Swiss federal state in 1848.  formado por cantons (o nome deriva da palavra francesa Canton que tem o significado de distrito), cuja superfície pode variar entre 37 km ² e 7,105 km ²  e com populações variando entre 15.471  e 1.244.400.  Os Cantons são estados propriamente ditos, uma realidade herdada do Tratado de Westfália (1648), onde cada Canton já era na prática um Estado  soberano, com suas próprias fronteiras, exército  e moeda. The most recently created canton is the  in 1979. Na actual Constituição, cada Canton continua soberano, com a sua própria constituição, legislatura, governo e tribunais, na medida em que sua soberania não é limitada pela lei federal. Assim, excluindo os poderes atribuídos pela Constituição Federal ao Poder Central, os cantões possuem assim um leque importante de poderes e competências atribuídos aos governos cantonais eleitos, e gozam de plena soberania, na área do ordenamento territorial, da segurança local, da saúde, da economia e finanças locais etc.



A Federação Alemã (4,5)

   O estado federal alemão é uma entidade complexa, carregada de História e Tradições, que pretende combinar as vantagens de um estado unificado com as de um estado federado. A Alemanha é um Bundesland, um estado federado composto por dezasseis Estados ( Länder ou Land). Enquanto que a Baviera, Saxónia e Turíngia são considerados oficialmente Estados (Staat) e mais especificamente "Estados Livres" (Freistaat), Berlin, Hamburgo e Bremen formam Cidades-Estados (Stadtstaaten). A definição do Estado-Livre (Freistaat) é associada ao conceito histórico da república, uma descrição usada pela maioria dos estados alemães após a abolição da monarquia. Today, Freistaat is associated emotionally with a more independent status, especially in Bavaria. Hoje, o Freistaat continua, no imaginário político, associado a um certo conceito de independência, especialmente na Baviera. The remaining 13 states are called Flächenländer (literally: area countries).Os restantes 13 estados alemães são chamados Flächenländer (literalmente ‘países da área’). Ainda nos dias de hoje, o sistema federal alemão continua a ser estudado e aperfeiçoado de modo a reforçar a capacidade administrativa e fiscal de cada Estado (Länder), pelo que existem ainda diferenças significativas entre o modelo alemão e os modelos mais simplificados em vigor noutras partes do mundo. Mas, na prática, e é o que nos interessa aqui, é que a Lei Básica Alemã estabelece as competências claras no âmbito do Governo Federal e dos diferentes Estados (Länder) que constituem a federação, de modo que basicamente o sistema Federal Alemão é também, pelos seus resultados, muito semelhante ao dos outros modelos. Embora, a Public life in Germany is predominantly based on central laws e a vida pública do cidadão alemão seja predominantemente baseada nas leis do Estado Central Alemão, aIn accordance with the principle of subsidiarity citizens, on the other hand, deal almost exclusively with state and local authorities acting on behalf of the federal statplica-se o princípio da subsidiariedade, que consiste no facto de o cidadão ter a possibilidade de resolver todos os seus problemas quotidianos, associados à burocracia do Estado Central, exclusivamente a nível local, através das autoridades locais de cada Estado (Länder), este agindo em nome do Estado Central Federal. Ou seja, na maior parte das transacções entre o Cidadão e o Estado Central, este é invisível ou transparente para o cidadão, só conta o Estado Local (Länder).The Basic Law stipulates that it be possible to compare living conditions throughout Germany.AAaA A constituição alemã concede ainda uma margem de manobra considerável a cada Estado no financiamento de suas funções de soberania. All high-revenue taxes are decreed by law, though this needs the approval of the Bundesrat, which represents the states at federal level. A maioria dos impostos é decretada pela lei de cada Estado (Länder). Part of these taxes goes to central government alone or to the federal states and another part, including the particularly lucrative taxes, is divided up between central government and the federal states. Os impostos são divididos entre o governo central e cada Estado (Länder), uma outra particularidade do Estado Federal Alemão, não se assemelhando assim ao Estado francês ou português. Para além disso, o Estado (Länder) pode celebrar tratados com países estrangeiros, em assuntos de sua própria esfera de competência, desde que isso não interfira ou colida com os interesses ou poderes do Governo Federal (artigo 32 º da Lei Básica).



  A Federação Americana-EUA (6)

   Os Estados Unidos da América (EUA) formam um Estado Federal constituído por 50 Estados que compartilham a soberania com o Governo Central Federal. Because of this shared sovereignty, an American is a citizen both of the federal entity and of his or her state of Devido a esta particularidade sui generis, um americano é tanto cidadão da entidade federal como do seu estado de domicílio. The  allocates certain powers to the federal government. A Constituição dos Estados Unidos atribui vários poderes e limitações ao Governo Federal e a cada Estado, numa filosofia muito similar à dos modelos acima descritos. It also places some limitations on the state governments.O Congresso pode admitir a adesão aos EUA de novos Estados em pé de igualdade com os já existentes, o que aconteceu em 1959 com a admissão do Alaska e do Hawai.  .A Constituição é omissa sobre a questão de se os Estados poderem separar-se unilateralmente da União, mas a Suprema Corte decidiu que secessão é inconstitucional, uma posição impulsionada em parte pela trágica  memória da Guerra Civil. Ao governo de cada Estado está alocado um amplo leque de competências associadas ao exercício da sua soberania, e inscritos na respectiva constituição.By ratifying the United States Constitution, the people transferred certain  powers to the federal government from their states. Historicamente, as tarefas de segurança pública (no sentido do controlo do crime), educação pública, saúde pública, transporte e infra-estruturas são geralmente  da responsabilidade de cada Estado, mas devido ao crescente reforço do financiamento federal, nota-se, desde há algum tempo para cá, um significativo aumento da regulação federal em certas áreas de funcionamento dos Estados.

     Finalmente, podíamos citar outros exemplos de Regionalização em países democráticos situados fora do hemisfério ocidental, tal como o Brasil, país que nos é muito próximo. O Brasil (7) é uma República Federativa - República Federativa do Brasil - composta por 26 estados. Inclui-se ainda um distrito federal, onde se situa a capital do país - Brasília, sede do governo e dos poderes executivo, legislativo e judiciário.  Os diferentes Estados brasileiros estão ainda agrupados em cinco grandes regiões político-administrativas: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O Brasil é assim um país duplamente Regionalizado. Tal como nos EUA, cada Estado possui um leque importante de poderes e competências atribuídos ao governo estadual, gozando assim de uma ampla soberania em áreas similares, como ordenamento territorial, segurança, saúde, economia etc. Apesar disso, o Brasil não constitui um modelo perfeito de descentralização, pois a centralização política é ainda grande, devido à herança do centralismo colonial e das ditaduras militares, sendo que a  autonomia de cada Estado é ainda limitada e muito aquém dos níveis de descentralização das democracias ocidentais atrás referidas. Do ponto de vista prático, o Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer e o mesmo se pode dizer de outros países do mundo onde a Regionalização foi implementada.  

    Pode-se concluir desta exposição que, partindo da experiencia dos modelos em vigor em várias partes do mundo, é possível implementar em Cabo Verde um modelo original, moderno e progressivo, de ordenamento do território nacional. Ficou aqui demonstrado que a dimensão geográfica e demográfica reduzida de um país não constitui uma impossibilidade, nem pode ser determinante na decisão da Regionalização de Cabo Verde, como alguns pretendem. A contradizer esta tese está a Regionalização bem conseguida de um pequeno país como a Suíça. Tão pouco a fraca dimensão económica de um país pode ser determinante. A prova é que S. Tome e Príncipe, um país muito mais pobre do que Cabo Verde, adoptou a Regionalização, com a gestão da ilha do Príncipe assumida por um Governo Regional para a respectiva ilha.

   No modelo de Regionalização que o Movimento para a Regionalização de Cabo Verde (8) propõe, a gestão de cada ilha ficaria a cargo de um Governo Regional,  se assim  convier  vir a ser chamado, saído de uma maioria parlamentar escrutinada em eleições legislativas, com plena autonomia política, administrativa e económica inscrita na Constituição. No topo hierárquico desta arquitectura, estaria o Governo Central, com novos poderes bem definidos por uma Constituição Nacional revista.

   Resta aos partidos tomar as suas respectivas responsabilidades, instaurar um verdadeiro debate interno sobre a Regionalização e promover em seguida um debate nacional sobre a questão. A classe política, incluindo os deputados, não será paga para pensar Cabo Verde? “Eh bien” que o façam: que promovam um debate nacional sobre a Regionalização/Descentralização, que procurem envolver mais intensamente todos os parceiros sociais, económicos e políticos num debate alargado `a toda a sociedade civil, que promovam a instauração de Estados Gerais para estudar aprofundadamente a matéria da Regionalização, que definam grupos de trabalho para estudar as diferentes experiências de Regionalização/Descentralização no Mundo, que promovam intercâmbios parlamentares, palestras, seminários e missões envolvendo peritos e especialistas em questões regionais e nacionais etc, que Implementem um calendário de Regionalização/Descentralização, “O Roteiro da Regionalização/Descentralização”, com metas precisas para Reforma Política e Administrativa do País.

                                                                                                                      (continua)

                                             

                                                   José Fortes Lopes







(5)http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/en/political-system.html


 (7) http://www.brcactaceae.org/brasil.html



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