segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

            REGIONALIZAÇÃO EM CABO VERDE:
    RECENTRAR O TEMA NA AGENDA NACIONAL
A sociedade civil cabo-verdiana tem de se envolver na reflexão e no debate sobre a regionalização administrativa do país, não permitindo que esta temática fique cativa da agenda privada dos políticos (leia-se, governo, parlamento e forças partidárias), onde pode morrer de inanição, consumida pelos vícios da rotina e do formalismo burocrático. Aliás, foi pela percepção desse risco, que é real, que um grupo de cidadãos organizou o “Movimento para a Regionalização em Cabo Verde”, cujo propósito é alargar a discussão a todo o cidadão comum, residente ou fora do território nacional. Não para que o debate se trave avulso, desorganizado e sem utilidade prática, mas para que seja partilhado por todos e se permita assim esventrar o problema, dissecá-lo e compreender o seu significado e as suas implicações. Entretanto, é natural e é desejável que em simultâneo o assunto se reinstale na agenda política com a premência das coisas necessárias, em interacção cívica com a cidadania, o que, a acontecer, propiciará porventura a mais perfeita forma de escrutinar uma decisão que é complexa nos seus meandros e nos seus propósitos, mas que é indiscutivelmente de importância basilar e decisiva para o país.
   Mas quando digo “recentrar”, é porque, em boa verdade, o tema já esteve mais em foco no passado recente, como posso relembrar por um breve recorte do que pude colher na internet. Vejamos então esta resenha de acontecimentos:
    No ano de 2004, o economista e antigo embaixador de Cabo Verde em Portugal, Eugénio Inocêncio, participou em Lisboa num seminário sobre o tema “As Relações Externas de Cabo Verde: O Caso da União Europeia”. Nesse seminário, a questão da Regionalização foi aflorada e mereceu uma abordagem pertinente por parte de Eugénio Inocêncio, que defendeu um novo paradigma da infra-estruturação do país, concebendo a sua articulação em 5 regiões administrativas;
  De 9 a 11 de Abril de 2007, realizou-se na Praia um colóquio internacional sobre a problemática da descentralização e desconcentração administrativa em Cabo Verde, promovido pelo Governo, em parceria com a Associação Nacional dos Municípios e com a Cooperação Austríaca. Para a então ministra da Presidência do Concelho de Ministros, Reforma do Estado e Defesa, Cristina Fontes, o “atelier visava consensualizar os conceitos em torno da matéria da descentralização, desconcentração, ou até mesmo regionalização”. Mais disse a ministra que “o Governo tinha a sua posição, mas que estava aberto para ouvir as outras opiniões existentes; e que o Governo defende um “Estado suficiente", não havendo lugar para centralismos ou posições que ponham em causa o Estado unitário em Cabo Verde”. O colóquio contou com a presença de especialistas nacionais e estrangeiros, de deputados, autarcas e outros actores da vida política e civil cabo-verdiana. Carlos Veiga, Wladimir Brito, Onésimo Silveira, Edeltrudes Neves e Zelinda Cohen, nacionais, e Vital Moreira e Valente de Oliveira, portugueses, foram alguns dos oradores da iniciativa, em que participaram também personalidades das Maurícias, Seychelles e outros países.
    De entre as posições afloradas, emergiram opiniões divergentes sobre a matéria, a saber.
     No discurso de abertura, o Primeiro-Ministro, José Maria Neves, afirmou que aceita o reforço do municipalismo, mas que tem dúvidas sobre a regionalização política. Apontou um conjunto de argumentos que, em sua opinião, desaconselham a criação de regiões políticas autónomas, a começar pelo facto de não haver enquadramento constitucional. Considerou o Primeiro-Ministro que a regionalização implicaria uma arquitectura político-administrativa que conduziria a uma “macrocefalia do Estado”.
     Perspectiva diferente ofereceu o presidente da Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde (ANMCV), Américo Silva, que preconiza a criação de regiões plurimunicipais com autonomia e poderes políticos e administrativos reforçados. Defendeu que o processo de descentralização deverá ir no sentido da regionalização, traduzida na criação de regiões políticas com acentuada autonomia.
     Em sua intervenção, o constitucionalista Wladimir Brito defendeu que a questão da reorganização político-administrativa em Cabo Verde “deve ser debatida, não a partir de modelos externos, mas sim tendo por base a dimensão geo-demográfica de Cabo Verde, a sua natureza insular e a relação custo-benefício que a tomada desta opção implica”. O que em linhas gerais ficou patente no seu discurso é que Cabo Verde não tem dimensão geográfica e demográfica para uma regionalização, nem recursos humanos e financeiros. Por isso, entende que o modelo possível para a descentralização deve ter como pilares a complementaridade e a solidariedade inter-ilhas, a serem concretizados a nível do governo mas também a nível inter e infra-municipal.
    Os autarcas presentes discordaram dum modo geral dos argumentos de Wladimir Brito, destacando-se, entre outros, a Isaura Gomes, para quem a pequenez do país não pode constituir argumento para contrariar a tese da regionalização. Aliás, ficou patente que, para a maioria dos autarcas, a regionalização é o único modelo a implementar como motor de desenvolvimento e defesa contra o centralismo do Estado.
    O colóquio ficou também marcado pela intervenção de Onésimo Silveira, que se mostrou adepto da «região política», indo assim contra algumas correntes redutoras do conceito de regionalização. Mais, Silveira, num conceito mais ambicioso, quiçá de ressonâncias futuristas, defendeu «a existência de regiões fora do território nacional, coincidentes com a geografia em que estão inseridas as comunidades emigradas».
    Por fim, tudo foi encerrado com uma intervenção do Primeiro-Ministro, que concluiu: “Tenho para mim que a regionalização administrativa é uma questão complexa que deve avançar com muita ponderação e que não deve, em caso algum, pôr em causa as conquistas do poder municipal.”
    Um título jornalístico dizia então que o Primeiro-Ministro respirou de alívio pela ausência de um claro consenso a favor da regionalização. Ademais, o Governo não se livrou da insinuação de se ter colado mimeticamente à tese do constitucionalista Wladimir Brito, subalternizando posições relevantes que defenderam a regionalização como única solução para uma descentralização efectiva do país.      
    Posteriormente, houve outras iniciativas cívicas dispersas sobre o tema da regionalização. É neste âmbito que a AJIC (Associação de Jovens Investigadores de Cabo Verde), organizou, em Junho de 2009, uma tertúlia sobre “Regionalização e descentralização em Cabo Verde”, como forma de aprofundar e amadurecer o tema no seio de jovens quadros cabo-verdianos. A maioria dos presentes mostrava-se favorável à Regionalização. Em de Janeiro de 2010, realizou-se na Livraria Trama no Rato, em Lisboa, uma tertúlia sobre o tema: “A Problemática da Regionalização e da Descentralização Política em Cabo-Verde: Que Caminhos?” O coordenador foi o sociólogo Suzano Costa e participaram personalidades cabo-verdianas e portuguesas, registando-se as presenças de Wladimir Brito e de Freitas de Amaral. Escusado é dizer que Wladimir Brito manteve a posição sustentada no seminário da Praia.
     Sobram assim evidências de que o tema permanece, não apenas latente, mas vivo, no espírito dos cidadãos. Mas como desde o colóquio realizado na Praia o assunto parece ter arrefecido nos meios oficiais, ou adiado para as calendas gregas, é caso para imaginar que José Maria Neves teria aspergido água benta sobre o retábulo do colóquio, para exorcizar o fantasma de qualquer transformação orgânica no país que atente contra o poder dominante e total concentrado na ilha capital.
    Porém, se assim foi, o Presidente da República, José Carlos Fonseca, teve artes mediúnicas suficientes para anular o esconjuro e convocar de novo o espírito do tema. O mais alto magistrado da Nação declarou recentemente que “considera ser necessário um debate frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações singulares”. Vê-se que o Presidente não é surdo aos rumores e não é insensível às pulsões que correm no país, além de, naturalmente, ter convicções próprias sobre a matéria.
    Embora o poder central tenha entendido, e bem, ouvir opiniões sobre a matéria, os mais cépticos poderão pensar que o colóquio não passou de uma “mise-en-scène” para derrogar a legítima esperança dos cidadãos numa verdadeira reorganização administrativa do país. A mais severa especulação dirá, com efeito, que tudo não passou de uma estratégia críptica, escudada na opinião do jurista e constitucionalista Wladimir Brito, para selar o congelamento do tema da regionalização, ou pelo menos mantê-lo numa espécie de letargia. A verdade é que não se vê uma firme vontade política de reformar o modelo organizativo do país, quando as actuais circunstâncias nacionais e internacionais aconselham a repensar o presente. Os responsáveis do Governo recorrem normalmente a um discurso circular, feito de generalidades e lugares comuns, sempre que têm de pronunciar-se sobre o assunto, enquanto o centralismo ostenta uma dureza de pedra e cal, o que demonstra que a política, não raras vezes, pode ser a mais perfeita arte de dissimulação.
    É por isso que os cidadãos têm de quebrar o seu mutismo coalhado e abandonar o resguardo do seu comodismo, para participarem num debate livre e descomplexado sobre a reforma administrativa do país. Afinal de contas, o povo não exerce os seus direitos só quando vai às urnas.
                                                                Tomar, Janeiro de 2012
                                                                 Adriano Miranda Lima

1 comentário:

  1. De facto cv precisa de um novo modelo organizativo. Por exemplo a economia do norte esta asfixiada mais concretamente a de S.Vicente em que eu penso que se houvesse uma regionalização era capaz de dar uma melhor resposta a estes casos específicos. e penso, e é uma pena que seja assim, que não um interesse por parte de José Maria neves que a economia de São Vicente seja competitiva. É pena porque José Maria neves não vê que para um país ser bem sucedido economicamente as economias das suas regiões têm de ser igualmente competitivas, isso gera movimentações de pessoas, de dinheiro e de bens em que esse todo se traduz no crescimento da economia

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