domingo, 26 de fevereiro de 2012


S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL

                                         (SECÇÃO C)   



AS REGIÕES DE CABO VERDE E O MODELO DE REGIONALIZAÇÃO: OS CLUSTERS REGIONAIS



    Uma questão recorrente e pertinente na discussão sobre a problemática da Regionalização é a seguinte: E depois da Regionalização, o que fazer com as Regiões criadas? Será que elas irão aguentar-se de pé? O objectivo desta secção é precisamente procurar responder a estas preocupações fundadas, apontando algumas pistas para resolver o problema.

    Mas antes de passar ao assunto que interessa na abordagem que ora me proponho, seria imperdoável não referir aqui o modelo regional britânico e o francês (tópico que deveria estar incluído na Secção B).

    Primeiramente, vejamos então o modelo regional do chamado Reino Unido (1,2). As Ilhas Britânicas formam um arquipélago constituído por cerca de 5 mil ilhas. As duas maiores são a Grã-Bretanha, a grande ilha que inclui três Estados: a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia, e a ilha da Irlanda, que inclui a Irlanda do Norte (membro do Reino Unido). O termo Grã-Bretanha é muitas vezes usado como sinónimo de Reino Unido, o que não é inteiramente correto, pois um dos Estados que formam o Reino Unido, a Irlanda do Norte, não faz parte desta ilha. O Reino Unido é, portanto, uma federação formada por quatro Estados: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O chefe de Estado é o rei ou a rainha, e o de chefe governo é um primeiro-ministro, eleito por um Parlamento central, em Londres. Tal como nos outros modelos de Regionalização, a Escócia, o País de Gales e Irlanda do Norte também têm Assembleias Nacionais e Governos Regionais com autonomias para tratar das questões regionais.

    Até agora, mostrámos que era importante a Descentralização-Regionalização em Cabo Verde, processo que consiste na transferência de amplos poderes e competências do Poder Central para as ilhas, através da definição do estatuto de autonomia administrativa e económica e da instituição do Governo Regional. Todavia, este processo por si só poderá ser redutor, podendo gerar distorções e reforçar as assimetrias já existentes no arquipélago, pelo que é preciso acompanhar a Regionalização de outras medidas baseadas no conceito de Solidariedade e de Integração Regional voluntária, aquilo que definiremos como CLUSTERS REGIONAIS, inspirados no modelo francês que em seguida apresentaremos.

    No conceito de Regionalização está não somente incluído o de Descentralização mas também o de Região. Quando se fala de Regionalização na óptica das Regiões, a França é um país de referência (3,4), razão por que é este o momento próprio para descrever sucintamente o seu modelo. Neste país, este conceito traduz na prática a Regionalização Administrativa, ou seja, uma repartição do território nacional em espaços, as Regiões, em que cada uma se define e se identifica por características próprias, históricas, geográficas, culturais, etc., bem vincadas. Esta definição, transportada para a realidade cabo-verdiana, não traduziria assim automaticamente a Região em Ilha, como veremos mais à frente.

    A França, do ponto de vista regional, é constituída por 96 “Départments” (Departamentos) e 22 Regiões Administrativas. Cada Região é formada pelo reagrupamento ou adesão voluntária de um grande número de Departamentos. O Departamento é uma entidade político-administrativa, que ela sim corresponde à dimensão política de uma ilha em Cabo Verde. Assim, transplantando o modelo francês para Cabo Verde, a Região não coincide com uma unidade territorial básica, é mais ampla e corresponderia a um agrupamento político e administrativo de várias ilhas, ao passo que vimos que no caso da Alemanha, Suíça Espanha, etc., a Região corresponde “tout court” a uma Ilha.

    Do ponto de vista formal, a “região francesa” é uma entidade política governada por um Conseil Régional (Conselho Regional), que é na prática uma assembleia ou um parlamento regional cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo, com um mandato de duração 4 anos. O Governo Regional é composto por um executivo constituído pelo presidente e os vice-presidentes do Conselho Regional, assim como por vários outros membros delegados para as diferentes áreas de competência socioeconómica. Actualmente, a França é um país altamente descentralizado, tendo o Estado Central delegado, ao máximo, nas Regiões, as competências, responsabilidades e encargos que lhe eram inerentes, ao ponto de estas o substituírem na maior parte dos casos, nomeadamente na gestão e execução de Programas e Projectos, de modo que o Estado Central ficou confinado, por vontade própria, a um reduto de funções de soberania. O Conselho Regional tem as seguintes funções: A elaboração de planos de desenvolvimento Regionais e a gestão de orçamentos regionais e dos fundos europeus. As suas áreas de actuação são abrangentes e substituem as tradicionais alocadas ao Estado: coordenação dos Departamentos; Gestão da Economia e do Desenvolvimento Regional, Ordenamento Territorial; Ensino Básico, Secundário e Universitário, Gestão Escolar; Gestão de Parques Científicos e Tecnológicos; Gestão de Zonas Industriais; Gestão da Saúde e Hospitais Públicos, Gestão Ambiental e Ecológica; Gestão de Reservas Naturais e Ecológicas; Gestão da Formação Profissional; Gestão de Equipamentos Estruturantes, Organização e Gestão dos Transportes Ferroviários, Autoestradas e Estradas; Gestão de Portos e Aeroportos etc.

    O modelo de Regionalização francês é assim baseado no conceito CLUSTERS REGIONAIS, cujo propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais (4). Com efeito, a França se autodefine como sendo o país da Cultura e da História, onde a Região subentende conceitos bem franceses de “le Terroir” e de “le caractère”, que incluem o território no sentido regional, e aspectos regionais como as tradições, a cozinha, o vinho, o dialecto, etc. A Regionalização em França é, portanto, Solidariedade e Sinergias Regionais. A Região cola-se perfeitamente à dinâmica económica e social do país, tentando valorizar as actividades económicas, tais como as potencialidades industriais e turísticas, a paisagem, o património histórico, a viticultura e a enologia, a cozinha típica regional, etc. Hoje em dia, as Regiões francesas tentam não somente explorar aspectos puramente económicos mas também a diversidade e a riqueza das paisagens, os ecossistemas, o clima, as infra-estruturas de lazer etc. Cada Região em França tem a sua especificidade sociocultural bem definida. Por exemplo, a Região Paris-Île-de-France é a que inclui a capital francesa e é composta por 8 Departamentos, cada um com o seu “caractère” (Val d'Oise, Val de Marne, Seine Saint Denis, Hauts de Seine, Essone, Yvelines, Seine et Marne e Paris). A capital, Paris cidade das artes, do romantismo e dos famosos monumentos (a Torre Eiffel, o Louvre, o Notre Dame, o rio Seine, etc.), é o centro da região Paris-Île-de-France, umas das regiões mais dinâmicas da França, considerada o seu motor económico e comercial. Por outro lado, a Região Provence-Alpes-Côte d’Azur é por excelência a Região do Turismo e dos Lazeres, embora esta definição seja hoje considerada redutora, pois existe nela uma intensa actividade económica em volta de diversos sectores de ponta. Todavia, o essencial da economia desta Região está virado para o conceito de Turismo de qualidade e gama alta, integrando turismo de montanha e de praia, onde a componente doméstica representa uma parcela importante.

    No Manifesto para a Regionalização de Cabo Verde definimos um conjunto de 4 CLUSTERS REGIONAIS, associações voluntárias definidas pelos critérios de proximidade geográfica e cultural, assim como complementaridade económica:

   − Região Barlavento 1 ou CLUSTER REGIONAL 1: S.º Antão S. Vicente e S. Nicolau;

    − Região Barlavento 2 ou CLUSTER REGIONAL 2: Sal e Boavista e Maio?;

    − Região Sotavento 3 ou CLUSTER REGIONAL 3: Santiago e Maio?;

     − Região Sotavento 4 ou CLUSTER REGIONAL 4 : Fogo e Brava.

    Por que insistir no conceito de associação em CLUSTERS REGIONAIS?

    Com a instauração em Cabo Verde de Governos Regionais, é previsível a tentação de afirmação de “soberanias insulares”, de se reforçarem rivalidades, orgulhos e egoísmos entre ilhas. Ilhas muito próximas poderão correr o risco de ficarem de costas viradas ou envolvidas em competições ou disputas estéreis e desgastantes. Esta situação conduziria naturalmente a desperdício de recursos e energias, decorrentes da duplicação de investimentos e estruturas, originando redundâncias nocivas entre ilhas muito próximas, situação economicamente insustentável num país naturalmente pobre.

    Assim, a instituição dos CLUSTERS REGIONAIS iria incentivar Solidariedade e Integração Regional e permitiria contrariar o efeito natural de autonomização das Regiões, através do incentivo à cooperação solidária e sinergética voluntária inter-regional, pela proximidade geográfica e cultural.

    Por exemplo, no CLUSTER REGIONAL 1 é óbvia a interligação e a complementaridade entre a ilha de S. Antão e S. Vicente. Esta estrutura permitiria definir estratégias comuns de investimentos (industriais, comerciais, agrícolas, serviços, turismo, etc) no grupo de ilhas S. Antão, S. Vicente e S. Nicolau, realizar em comum um conjunto de investimentos, assim como partilhar voluntariamente um conjunto de infra-estruturas. Esta complementaridade podia ser estendida para novos sectores em desenvolvimento, conseguindo por exemplo estratégias integradas na área do turismo, nomeadamente o ecológico e o de alta gama.

    Com a associação em CLUSTERS REGIONAIS, os Governos Regionais estariam assim “condenados” a cooperar entre si dentro de cada Cluster, contrariando os eventuais factores negativos que podem advir de uma má aplicação do princípio da Regionalização.

    Acreditamos pois (O Movimento para a Regionalização de Cabo Verde) (5) que é possível e necessário um país organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais flexível, visto que o actual sistema centralizador bloqueia iniciativas e liberdades, é já um entrave ao progresso do país e às justas aspirações das populações, e é indutor de potenciais contenciosos.

Mostrámos que os problemas socioeconómicos que enfrenta Cabo Verde podem ser decorrentes de políticas concentracionárias e de má repartição das riquezas nacionais. Propusemos um modelo de Descentralização e Regionalização em que a gestão de cada ilha, que subentende uma plena autonomia política, administrativa e económica, fica a cargo de um Governo Regional saído de eleições directas. Propusemos um modelo de Solidariedade e Sinergias Regionais baseado nos Clusters Regionais. Mostrámos ao longo das diferentes Secções deste artigo que o modelo proposto não se aplica somente a S. Vicente, mas a todas as ilhas do arquipélago, razão por que este movimento não pode ser entendido como apenas dirigido à cidadania mindelense.

Finalmente, sinais de abertura e boa intenção da parte do recém-eleito Presidente da República foram emitidos em direcção à sociedade civil, mostrando vontade em discutir sem tabus a problemática do desenvolvimento de Cabo Verde. O grande problema deste país é que não existe uma opinião pública expressiva, nem contra-poderes que permitam promover debates técnicos e políticos, francos e abertos, sobre os seus vários problemas, pois a sociedade cabo-verdiana está completamente anestesiada, tendo os cidadãos, e os intelectuais em particular, abdicado dos seus direitos e deveres em favor dos partidos políticos e do Estado. Embora o MPD tenha dado sinais de querer analisar a problemática da Regionalização, não se vislumbra nenhum sinal de boa vontade da parte do partido do poder e do Governo em abrir a mão do Centralismo, que parece ser a sua doutrina mestra. Mesmo assim, atento aos sinais dos tempos, o Presidente, no seu discurso de Ano Novo de Janeiro de 2012, disse o seguinte: “No ano que vai começar, impõe-se, igualmente, um amplo e descomplexado debate sobre a descentralização. Tivemos, há vinte anos atrás, um processo de descentralização administrativa que tem dado, reconhecidamente, os seus frutos. Hoje, sente-se uma forte movimentação no sentido do aprofundamento da descentralização, acompanhada dos necessários recursos. Todas as possibilidades que, de há anos a esta parte, vêm sendo aventadas, devem ser postas em cima da mesa para discussão e subsequente assumpção da solução mais consensual e que assegure a realização adequada do interesse nacional e das aspirações legítimas das comunidades locais.” Já em 18 de Janeiro de 2012, em S. Antão, o Presidente alertou para “um debate, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações singulares”. Para o Presidente da República, a experiência do poder municipal enfatiza a necessidade “de articular as vantagens da integração descentralizada, que poderá permitir maior autonomia e melhor aproveitamento de recursos, com a proximidade do poder às populações de modo a que estas tenham as melhores condições de participação e usufruto” e admitindo impor-se “um debate necessário, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações singulares”. O Chefe de Estado alertou ainda “para o perigo de subjugação de um tal debate a argumentos meramente economicistas, extrapolados até pela situação de crise que o país vive em resultado da conjuntura internacional, pedindo para “não ignorar que tal reflexão se revela complexa e que os mecanismos que poderão viabilizar as soluções eventualmente encontradas poderão exigir recursos adicionais, mas esta possibilidade não pode coarctar o debate que também deverá incidir sobre os meios mais adequados para as viabilizar”. Esse recado não podia ser mais claro.

Antes de terminar, lanço um apelo a este Presidente democrata e da cidadania: “Mr. Président, tear down that Wall of Silence and Fear!” e incentive uma sociedade e uma democracia mais abertas, comunicativas e participativas. A Descentralização de Poderes e um modelo de Regionalização bem pensado para Cabo Verde corresponderão a longo prazo a uma maior abertura e democratização, e no fim todo o país ganhará.



José Fortes Lopes



http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-reino-unido-e-granbretanha

http://alt-usage-english.org/whatistheuk.html



http://movimentoparaaregionalizaoeautonomias.blogspot.com


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