S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL
MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU
UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL
(SECÇÃO C)
AS REGIÕES DE CABO VERDE E O MODELO DE
REGIONALIZAÇÃO: OS CLUSTERS REGIONAIS
Uma questão recorrente e pertinente na
discussão sobre a problemática da Regionalização é a seguinte: E depois da
Regionalização, o que fazer com as Regiões criadas? Será que elas irão
aguentar-se de pé? O objectivo desta secção é precisamente procurar responder a
estas preocupações fundadas, apontando algumas pistas para resolver o problema.
Mas
antes de passar ao assunto que interessa na
abordagem que ora me proponho, seria imperdoável não referir aqui o modelo
regional britânico e o francês (tópico que deveria estar incluído na Secção B).
Primeiramente, vejamos então o modelo regional do chamado Reino Unido
(1,2). As Ilhas
Britânicas formam um arquipélago constituído por cerca de 5 mil ilhas. As duas
maiores são a Grã-Bretanha, a grande ilha que inclui três Estados: a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia, e a ilha da Irlanda, que inclui a Irlanda do Norte (membro do Reino Unido). O termo Grã-Bretanha é muitas vezes usado como sinónimo de Reino Unido, o que não é inteiramente correto, pois um dos Estados que formam
o Reino Unido, a Irlanda do Norte, não faz parte desta ilha. O Reino Unido é, portanto,
uma federação formada por quatro Estados: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O chefe de Estado é o rei ou a rainha, e o de chefe
governo é um primeiro-ministro, eleito por um Parlamento central, em Londres.
Tal como nos outros modelos de Regionalização, a Escócia, o País de Gales e Irlanda do Norte também têm Assembleias Nacionais e Governos Regionais
com autonomias para tratar das questões regionais.
Até
agora, mostrámos que era importante a Descentralização-Regionalização em Cabo
Verde, processo que consiste na transferência de amplos poderes e
competências do Poder Central para as ilhas, através da definição do estatuto
de autonomia administrativa e económica e da instituição do Governo Regional. Todavia, este processo por si só poderá ser redutor, podendo
gerar distorções e reforçar as assimetrias já existentes no arquipélago, pelo
que é preciso acompanhar a Regionalização de outras medidas baseadas no
conceito de Solidariedade e de Integração Regional voluntária, aquilo que
definiremos como CLUSTERS REGIONAIS, inspirados no modelo francês que em
seguida apresentaremos.
No conceito de Regionalização
está não somente incluído o de Descentralização mas também o de Região. Quando se fala de Regionalização na óptica
das Regiões, a França é um país de referência (3,4), razão por que é este o
momento próprio para descrever sucintamente o seu modelo. Neste país, este conceito traduz na
prática a Regionalização Administrativa, ou seja, uma repartição do território
nacional em espaços, as Regiões, em que cada uma se define e se identifica por
características próprias, históricas, geográficas, culturais, etc., bem
vincadas. Esta definição, transportada para a
realidade cabo-verdiana, não traduziria assim automaticamente a Região em Ilha,
como veremos mais à frente.
A França, do ponto de vista regional, é
constituída por 96 “Départments” (Departamentos) e 22 Regiões Administrativas.
Cada Região é formada pelo reagrupamento ou adesão voluntária de um grande
número de Departamentos. O Departamento é uma entidade político-administrativa,
que ela sim corresponde à dimensão política de uma ilha em Cabo Verde. Assim,
transplantando o modelo francês para Cabo Verde, a Região não coincide com uma
unidade territorial básica, é mais ampla e corresponderia a um agrupamento
político e administrativo de várias ilhas, ao passo que vimos que no caso da
Alemanha, Suíça Espanha, etc., a Região corresponde “tout court” a uma Ilha.
Do ponto de vista formal, a “região
francesa” é uma entidade política governada por um Conseil Régional (Conselho Regional), que é na prática uma
assembleia ou um parlamento regional cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo, com um mandato de duração 4 anos. O Governo Regional é
composto por um executivo constituído pelo presidente e os vice-presidentes do Conselho Regional, assim como por
vários outros membros delegados para as diferentes áreas de competência
socioeconómica. Actualmente, a França é um país altamente descentralizado,
tendo o Estado Central delegado, ao máximo, nas Regiões, as competências,
responsabilidades e encargos que lhe eram inerentes, ao ponto de estas o
substituírem na maior parte dos casos, nomeadamente na gestão e execução de
Programas e Projectos, de modo que o Estado Central ficou confinado, por
vontade própria, a um reduto de funções de soberania. O Conselho Regional tem
as seguintes funções: A elaboração de planos de desenvolvimento Regionais e a gestão
de orçamentos regionais e dos fundos europeus. As suas áreas de actuação são
abrangentes e substituem as tradicionais alocadas ao Estado: coordenação dos
Departamentos; Gestão da Economia e do Desenvolvimento Regional, Ordenamento
Territorial; Ensino Básico, Secundário e Universitário, Gestão Escolar; Gestão
de Parques Científicos e Tecnológicos; Gestão de Zonas Industriais; Gestão da
Saúde e Hospitais Públicos, Gestão Ambiental e Ecológica; Gestão de Reservas
Naturais e Ecológicas; Gestão da Formação Profissional; Gestão de Equipamentos
Estruturantes, Organização e Gestão dos Transportes Ferroviários, Autoestradas
e Estradas; Gestão de Portos e Aeroportos
etc.
O modelo de Regionalização francês é assim
baseado no conceito CLUSTERS REGIONAIS,
cujo propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços
caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais (4). Com
efeito, a França se autodefine como sendo o país da Cultura e da História, onde
a Região subentende conceitos bem franceses de “le Terroir” e de “le
caractère”, que incluem o território no sentido regional, e
aspectos regionais como as tradições, a cozinha, o vinho, o dialecto, etc. A
Regionalização em França é, portanto, Solidariedade e Sinergias Regionais. A
Região cola-se perfeitamente à dinâmica económica e social do país, tentando
valorizar as actividades económicas, tais como as potencialidades industriais e
turísticas, a paisagem, o património histórico, a viticultura e a enologia, a
cozinha típica regional, etc. Hoje em dia, as Regiões francesas tentam não
somente explorar aspectos puramente económicos mas também a diversidade e a
riqueza das paisagens, os ecossistemas, o clima, as infra-estruturas de lazer
etc. Cada Região em França tem a sua especificidade sociocultural bem definida.
Por exemplo, a Região Paris-Île-de-France é a que inclui a
capital francesa e é composta por 8 Departamentos, cada um com o seu
“caractère” (Val d'Oise,
Val de Marne, Seine Saint Denis, Hauts de
Seine, Essone, Yvelines, Seine et
Marne e Paris). A capital, Paris cidade das artes, do romantismo e dos
famosos monumentos (a Torre Eiffel, o Louvre, o Notre Dame, o rio Seine, etc.),
é o centro da região Paris-Île-de-France,
umas das regiões mais dinâmicas da França, considerada o seu motor económico e
comercial. Por outro lado, a Região Provence-Alpes-Côte d’Azur é por excelência
a Região do Turismo e dos Lazeres, embora esta definição seja hoje considerada
redutora, pois existe nela uma intensa actividade económica em volta de
diversos sectores de ponta. Todavia, o essencial da economia desta Região está
virado para o conceito de Turismo de qualidade e gama alta, integrando turismo
de montanha e de praia, onde a componente doméstica representa uma parcela
importante.
No Manifesto para a Regionalização de Cabo
Verde definimos um conjunto de 4 CLUSTERS REGIONAIS, associações voluntárias
definidas pelos critérios de proximidade geográfica e cultural, assim como
complementaridade económica:
− Região Barlavento 1 ou CLUSTER REGIONAL 1: S.º Antão S. Vicente e S. Nicolau;
− Região Barlavento 2 ou CLUSTER REGIONAL 2: Sal e Boavista e Maio?;
− Região Sotavento 3 ou CLUSTER REGIONAL 3: Santiago e Maio?;
− Região Sotavento 4 ou CLUSTER REGIONAL 4 : Fogo e Brava.
Por que insistir no conceito de associação
em CLUSTERS REGIONAIS?
Com a instauração em Cabo Verde de Governos
Regionais, é previsível a tentação de afirmação de “soberanias insulares”, de
se reforçarem rivalidades, orgulhos e egoísmos entre ilhas. Ilhas muito
próximas poderão correr o risco de ficarem de costas viradas ou envolvidas em
competições ou disputas estéreis e desgastantes. Esta situação conduziria
naturalmente a desperdício de recursos e energias, decorrentes da duplicação de
investimentos e estruturas, originando redundâncias nocivas entre ilhas muito
próximas, situação economicamente insustentável num país naturalmente pobre.
Assim, a instituição dos CLUSTERS REGIONAIS iria incentivar Solidariedade e Integração Regional e permitiria
contrariar o efeito natural de autonomização das Regiões, através do incentivo
à cooperação solidária e sinergética voluntária inter-regional, pela
proximidade geográfica e cultural.
Por
exemplo, no CLUSTER REGIONAL 1 é óbvia a
interligação e a complementaridade entre a ilha de S. Antão e S. Vicente. Esta
estrutura permitiria definir estratégias comuns de investimentos (industriais,
comerciais, agrícolas, serviços, turismo, etc) no grupo de ilhas S. Antão, S.
Vicente e S. Nicolau, realizar em comum um conjunto de investimentos, assim
como partilhar voluntariamente um conjunto de infra-estruturas. Esta
complementaridade podia ser estendida para novos sectores em desenvolvimento,
conseguindo por exemplo estratégias integradas na área do turismo, nomeadamente
o ecológico e o de alta gama.
Com a associação em CLUSTERS REGIONAIS, os Governos Regionais
estariam assim “condenados” a cooperar entre si dentro de cada Cluster,
contrariando os eventuais factores negativos que podem advir de uma má
aplicação do princípio da Regionalização.
Acreditamos pois (O Movimento para a
Regionalização de Cabo Verde) (5) que é possível e necessário um país
organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e
administrativo mais flexível, visto que o actual sistema centralizador bloqueia
iniciativas e liberdades, é já um entrave ao progresso do país e às justas
aspirações das populações, e é indutor de potenciais contenciosos.
Mostrámos
que os problemas socioeconómicos que enfrenta Cabo Verde podem ser decorrentes
de políticas concentracionárias e de má repartição das riquezas nacionais. Propusemos
um modelo de Descentralização e Regionalização em que a gestão de cada ilha,
que subentende uma plena autonomia política, administrativa e económica, fica a
cargo de um Governo Regional saído de eleições directas. Propusemos
um modelo de Solidariedade e Sinergias Regionais baseado nos Clusters
Regionais. Mostrámos ao
longo das diferentes Secções deste artigo que o modelo proposto não se aplica
somente a S. Vicente, mas a todas as ilhas do arquipélago, razão por que este
movimento não pode ser entendido como apenas dirigido à cidadania mindelense.
Finalmente,
sinais de abertura e boa intenção da parte do recém-eleito Presidente da República foram emitidos em direcção à
sociedade civil, mostrando vontade em discutir sem tabus a problemática do
desenvolvimento de Cabo Verde. O grande problema deste país é que não existe
uma opinião pública expressiva, nem contra-poderes que permitam promover
debates técnicos e políticos, francos e abertos, sobre os seus vários
problemas, pois a sociedade cabo-verdiana está completamente anestesiada, tendo
os cidadãos, e os intelectuais em particular, abdicado dos seus direitos e
deveres em favor dos partidos políticos e do Estado. Embora o MPD tenha dado
sinais de querer analisar a problemática da Regionalização, não se vislumbra
nenhum sinal de boa vontade da parte do partido do poder e do Governo em abrir
a mão do Centralismo, que parece ser a sua doutrina mestra. Mesmo assim, atento aos sinais dos tempos, o Presidente, no seu discurso de Ano Novo de
Janeiro de 2012, disse o seguinte: “No ano que vai começar, impõe-se, igualmente,
um amplo e descomplexado debate sobre a descentralização. Tivemos, há vinte
anos atrás, um processo de descentralização administrativa que tem dado,
reconhecidamente, os seus frutos. Hoje, sente-se uma forte movimentação no
sentido do aprofundamento da descentralização, acompanhada dos necessários
recursos. Todas as possibilidades que, de há anos a esta parte, vêm sendo
aventadas, devem ser postas em cima da mesa para discussão e subsequente
assumpção da solução mais consensual e que assegure a realização adequada do
interesse nacional e das aspirações legítimas das comunidades locais.” Já
em 18 de Janeiro de 2012, em S. Antão, o Presidente alertou para “um debate,
frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida
como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o
todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações
singulares”. Para o Presidente da República, a experiência do
poder municipal enfatiza a necessidade “de articular as vantagens da integração
descentralizada, que poderá permitir maior autonomia e melhor aproveitamento de
recursos, com a proximidade do poder às populações de modo a que estas tenham
as melhores condições de participação e usufruto” e admitindo impor-se “um
debate necessário, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da
Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da
diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas
capacidades e vocações singulares”. O Chefe de Estado alertou ainda “para o
perigo de subjugação de um tal debate a argumentos meramente economicistas,
extrapolados até pela situação de crise que o país vive em resultado da
conjuntura internacional, pedindo para “não ignorar que tal reflexão se revela
complexa e que os mecanismos que poderão viabilizar as soluções eventualmente
encontradas poderão exigir recursos adicionais, mas esta possibilidade não pode
coarctar o debate que também deverá incidir sobre os meios mais adequados para
as viabilizar”. Esse recado não podia ser mais claro.
Antes de terminar, lanço um apelo a este Presidente
democrata e da cidadania: “Mr. Président, tear down that Wall of Silence
and Fear!” e incentive uma sociedade e uma democracia mais abertas,
comunicativas e participativas. A Descentralização de Poderes e um modelo de
Regionalização bem pensado para Cabo Verde corresponderão a longo prazo a uma
maior abertura e democratização, e no fim todo o país ganhará.
José Fortes Lopes
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-reino-unido-e-granbretanha
http://alt-usage-english.org/whatistheuk.html
http://movimentoparaaregionalizaoeautonomias.blogspot.com
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