2ª Parte
A Regionalização ou um Novo Modelo de
Ordenamento do Território Nacional
Secção A
Esta segunda
parte está organizada em três secções denominadas A, B e C que serão publicadas
sucessivamente. A secção A, publicada hoje, apresenta a problemática da
Regionalização dentro do contexto socio-político de Cabo Verde. A secção B passa
em revista os diferentes modelos de Regionalização implementados em vários
países. A secção C apresenta a Regionalização como um modelo de ordenamento do
território, podendo representar uma nova oportunidade para Cabo Verde num mundo
em transformações.
No artigo intitulado “Jorge Carlos Fonseca - Entre uma mudança na continuidade e uma 3ª via
para CV (Parte I, II)” (1, 2), os autores pretenderam demonstrar que Cabo Verde se
encontra numa encruzilhada em termos políticos e económicos, confrontado
simultaneamente com a necessidade de resolução de dois problemas decisivos: o
da sustentabilidade do sistema económico e financeiro e o da sustentabilidade
do sistema sócio-político. O actual sistema político carece de reformas de modo a aproximar os políticos
dos cidadãos e a ter em conta as realidades regionais e locais. A situação
política nacional está dominada por duas forças irredutíveis que baseiam a sua
legitimidade no papel messiânico de que se julgam investidas, gerando uma
dicotomia irredutível: a herança da luta de libertação nacional, a
independência nacional do país, do lado do PAICV; a herança da luta contra o
regime de partido único, a instauração da democracia e do estado de direito
democrático, do lado do MPD. Esta situação é insustentável, pois cria uma
polarização artificial em torno de posições irreconciliáveis, desfoca a atenção
aos verdadeiros problemas do país e bloqueia a sua resolução, que exige
alargados consensos em matérias críticas atinentes à construção do futuro.
Um dos
problemas mais graves que defronta a sociedade cabo-verdiana é o do centralismo
político, tanto mais insuportável por se por se tratar de um país-arquipélago.
A ilha de S. Vicente tem sido uma vítima directa das sucessivas políticas de
centralização, que vêm sendo discreta e paulatinamente reforçadas nos últimos
10 anos, ao invés de permitirem um olhar reflexivo sobre a realidade objectiva.
A sociedade cabo-verdiana está confrontada com os interesses poderosos de lobbies centralizadores, a que
incorrectamente se associa a um lobby pró-Santiago. Todavia, não se pode ir por
esta deriva primária e simplista na visão da realidade social, pois encontramos
adeptos desta filosofia centralista em
muitos mindelenses ou oriundos da região Norte. Paradoxalmente, a ilha de
Santiago, melhor dizendo, a capital, é ela própria vítima do centralismo, do
gigantismo desmesurado que atingiu, estando afogada num mar de problemas
sociais, urbanísticos e ambientais, criados precisamente pela própria política que
é nosso propósito denunciar.
Portanto,
enganam-se as pessoas que identificam o problema da Regionalização com um
problema de natureza étnico-ilhéu. É,
sim, um problema de elites dominantes, que medraram à sombra de uma concepção
política baseada no dirigismo rígido e centralizado, em tudo idêntico ao
funcionamento de uma colmeia, onde tudo se congrega e se desenvolve como
realidade fechada e exclusiva. As elites preservam o seu status-quo alcançado dentro da colmeia e rejeitam soluções que
alterem a estabilidade do conforto e das vantagens que advêm da promíscua proximidade
de todos os órgãos do poder. Só que isto é uma visão conservadora, para não
dizer retrógrada, da organização política do Estado. A História demonstra quão
errados são estes modelos e identifica-os com os Estados autoritários ou
ditatoriais, que nenhuma felicidade trouxeram às suas populações. Hoje é
iniludível que Cabo Verde pode vir a ser um exemplo trágico dessa política,
pois a pobreza está à vista e nenhum artifício de estatística pode ocultar o
risco de um sério agravamento da situação num futuro mais perto do que podemos
imaginar. As assimetrias no país no-lo demonstram com cruel evidência. Numa
ilha em que um terço da população está sem emprego, cresce a inquietação entre
os sanvicentinos, mas sem que, até ao momento, tenha aparecido um movimento
canalizador do descontentamento geral, em prol de uma construtiva postura cidadã,
enquanto a maioria dos partidos políticos apita para o lado.
Por
isso é que, não contente com este estado de coisas, um grupo de cidadãos
mindelenses anunciou a constituição do “Movimento para a Regionalização de Cabo
Verde” e a publicação do ‘Manifesto para a Regionalização de Cabo Verde’ (3). A solução apontada para o problema do centralismo seria a
Regionalização e a Descentralização Administrativa e Financeira do país,
associadas a uma certa autonomia administrativa e económica para as ilhas do
arquipélago. Elejo a ilha de S. Vicente como sendo a ilha modelo para
exemplificar aquilo que queremos demonstrar, por ser uma ilha-cidade, que
poderia ser a primeira experiência a ser implementada neste novo modelo de
ordenamento do país que se propõe.
Quando os
políticos cabo-verdianos falam de regionalização não explicam completamente o
conceito. Deve-se distinguir a Regionalização Administrativa da
Regionalização-Descentralização, pois pode aqui haver nuances, omissões e
equívocos. A Regionalização Administrativa pode ser entendida como uma
repartição de um território nacional num conjunto de regiões, cada uma dotada
de características afins, geográficas, culturais, etc. Mas a Regionalização
Administrativa sem descentralização propriamente dita não resolve os problemas
criados pelo centralismo, até porque pode ocorrer um cenário em que se implementa uma regionalização formal mas
esvaziada de conteúdo, que é o mesmo que criar um certo número de regiões
avulsas no país e em simultâneo manter o centralismo político. Bastava para
isso decretar as regiões administrativas e não acompanhar este processo de
nenhuma outra reforma, para se aperceber de que o centralismo manter-se-ia
intacto.
Portanto,
por si só uma regionalização artificial, puramente administrativa, não resolve
os problemas do centralismo em Cabo Verde. O que deve estar no centro do debate político sobre a Regionalização é a
questão da Descentralização, que ela sim corresponde a uma maior democratização
participativa no país. Ela corresponde à transferência de poderes e
competências do Poder Central para as ilhas, através da definição do estatuto
de autonomia administrativa e económica. Não significa o enfraquecimento do
Poder Central, visto que a maioria das democracias ocidentais avançadas é
caracterizada por importantes níveis de descentralização de poderes, ao mesmo
tempo que dotada de poderes centrais fortes em áreas críticas da soberania
nacional.
Repudiamos a ideia tão aventureira como utópica de emancipação ou
separatismo preconizada para S. Vicente, ou de um projecto escondido de
recuperação egoísta de recursos para essa ilha, quando é o próprio país no seu
todo que ainda está a tentar afirmar-se como economicamente viável.
Infelizmente, existem ainda em Cabo Verde muitas pessoas intolerantes ou
amarradas a raciocínios simplistas, que não admitem que os cidadãos pensem
pelas suas próprias cabeças. Acham que lhes é restrito o direito a opinar sobre
questões da vida nacional, prerrogativa que não admitem ser estendida a outros,
sobretudo se residem no estrangeiro. Que outro sintoma poderia haver mais claro
da infantilidade da nossa democracia? De facto, denegrir os propósitos do
Movimento e colar aos seus membros um conjunto de atributos negativos não é a
melhor via para se discutir a Regionalização. No entanto, esta atitude não é de
estranhar tendo em conta o clima de radicalismo, intolerância e suspeição quase
generalizada que se vive em Cabo Verde.
O
que propomos, portanto, é tão só a democratização do sistema político através
da Regionalização, entendida como Descentralização efectiva de poderes e
competências, dentro do quadro do Estado cabo-verdiano. Reconhecemos que ao lançar um movimento para
a Regionalização apanhámos muita gente de surpresa (o que não agrada às elites
omniscientes), e inserimos uma brecha no consenso, ou naquilo que parece um
eventual pacto de conveniência sobre o centralismo, tão do agrado dos que se
instalaram e cresceram à sombra do Poder.
Todavia, independentemente
daquilo que pensam os políticos, afirmamos claramente e sem rodeios que S.
Vicente tem uma estrutura de ilha-cidade urbana que potencia uma solução governativa dentro do respectivo quadro regional que
vamos propor, um governo com alargados poderes, para execução de
políticas no âmbito territorial, económico e social, ou seja, aquilo que foi
definido no Manifesto como autonomia administrativa, económica e financeira. O actual modelo misto em vigor
aplicado à ilha, entre o dirigismo
estatal e o laissez-faire, acaba por
produzir efeitos nefastos, não serve mais, e deixa a ilha à sua sorte, ou
melhor, entregue a uma autarquia sem poderes reais, o que alimenta o clima de
desresponsabilização e a descredibilização do poder local na ilha. De modo
similar, achamos que o modelo de autonomia administrativa que propomos
para S. Vicente pode ser implementado em todas as ilhas do arquipélago
cabo-verdiano, conforme a articulação regional que viremos a apresentar nas
secções seguintes.
(continua)
José
Fortes Lopes
(1) Jorge Carlos
Fonseca, entre uma Mudança na Continuidade e uma 3ª Via para Cabo-Verde. 1-Caracterização de um
modelo económico há muito esgotado. José F Lopes & Adriano M Lima, Notícias
do Norte, Forcv. Setembro de 2011
http://www.forcv.com/opinions/4162-jorge-carlos-fonseca-entre-uma-mudanca-na-continuidade-e-uma-3o-via-para-cv-parte-i
(2) (1) Jorge Carlos Fonseca,
entre uma Mudança na Continuidade e uma 3ª Via para Cabo-Verde. 1-. José F
Lopes & Adriano M Lima, Notícias do Norte, Forcv. Setembro de 2011.
http://www.forcv.com/opinions/4182-pela-refundacao-politica-social-e-economica-entre-a-2o-e-a-3o-via-para-cabo-verde
http://movimentoparaaregionalizaoeautonomias
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