Texto da minha intervenção na Mesa Redonda sobre a
Regionalização que ocorreu em 28 de Novembro de 2012 em Mindelo, organizada
pelo Grupo de Dinamização do Debate sobre a Regionalização.
Caros amigos mindelenses, minhas senhoras e meus
senhores,
Começo
por saudar todos os presentes nesta sala, amigos e conhecidos, e agradecer os
organizadores deste evento, pelo convite, que muito me honra, em participar no
debate, mesa redonda ou palestra sobre a Regionalização, não esquecendo de felicitar
pessoalmente as pessoas de Camilo Abu-Raia, Júlio César Alves e João Lima,
assim como de muitos tantos outros que não enumerei aqui, pelos esforços
envidados para a sua realização. Dirijo também particulares saudações a todos
aqueles que vêm desenvolvendo um intenso e valioso trabalho de esclarecimento
junto da população mindelense, quer através de textos de opinião quer através
de programas radiofónicos, em prol da Regionalização, a bem da nossa ilha e de
todo Cabo Verde. Louvo, portanto, o empenho deste grupo em levar este debate
junto às pessoas e informar,
o melhor possível, o público sobre a Regionalização, as suas vantagens, pois na
prática é o que mais lhes interessa. Com efeito, preguntarão de certeza, em que
é que a Regionalização lhes vai mudar a vida? Esta é precisamente a informação
que a classe política cabo-verdiana tem omitido durante muitos anos, deliberadamente
ou por desconhecimento.
Praticamente, comemoramos este mês o 1º aniversário do
lançamento desta grande iniciativa, que é o debate sobre a Regionalização em
Cabo Verde. A ideia partiu da Diáspora, mas foi essencialmente motivada pelos muitos
residentes mindelenses, preocupados com a situação difícil que vem atravessando
a nossa ilha e pelos bloqueios sociopolíticos com que ela se vem debatendo há décadas,
sem se vislumbrar alternativas. Foi precisamente por não aceitar este estado de coisas que anunciamos, em
Dezembro de 2011, a constituição do “Movimento para a Regionalização de Cabo
Verde” e a publicação do seu Manifesto amplamente divulgado. Apontámos
claramente que a solução para o grave problema do centralismo que afecta principalmente
e duramente S. Vicente, mas também todo Cabo Verde, é uma reforma contemplando
a Regionalização e a Descentralização Administrativa do país.
Assim, gostaria de louvar mais uma vez a dedicação dos
elementos deste grupo Dinamizador para levar à frente o debate, em S. Vicente e
em Cabo Verde. Com efeito, sem boa vontade não seria possível a realização
deste evento, nem de outros tantos que já foram organizados. Sou portador de
uma mensagem de apoio e incentivo de muitos conterrâneos da Diáspora que se
revêm na nobreza dos ideais de solidariedade e na busca incessante do
aperfeiçoamento da nossa democracia e da nossa organização administrativa.
Refiro-me em particular ao núcleo duro do Movimento na Diáspora.
Pois havia uma inquietação crescente relativamente
à letargia que se vivia nesta ilha e ao alheamento da sua elite em relação aos
problemas reais que ela enfrenta. Em boa hora aparecem grupos de reflexão e se
organizam debates sobre diversos problemas da ilha.
Amigos,
reafirmo o título da minha intervenção: A
Regionalização é uma nova oportunidade para S. Vicente e Cabo Verde. Pois é minha convicção que os
problemas socioeconómicos actuais que enfrentam S. Vicente e Cabo Verde, decorrem
de políticas concentracionárias e centralizadoras que, para além de gerarem uma
má repartição das riquezas nacionais, bloqueiam iniciativas cidadãs e as liberdades
individuais e colectivas. Na minha opinião o actual sistema é já um entrave ao
progresso do país, às justas aspirações das populações, sendo já potencialmente
indutor de contenciosos. A Regionalização é portanto um grande desafio para Cabo Verde.
Pode ser o novo paradigma para o país, ao possibilitar a redinamização das
economias regionais e locais muito dependentes do poder central. É um dos
grandes motes de todos nós que aqui estamos hoje, para olhar o presente, a
situação socioeconómica e política de S. Vicente e perspectivar o futuro com esperança. Queremos todos contribuir para
pensar o melhor modelo de organização do país, mais democrático, mais aberto, mais
tolerante, mais participativo, pondo de lado todas as ideias pré-concebidas que
nos poderão transmitir uma visão redutora de como ultrapassar as crises na
nossa ilha e no país.
Estou
convencido de que Mindelo poderá transformar-se de novo no palco das principais
transformações que acontecerão e que irão configurar Cabo Verde nas próximas
décadas. Pois foi nesta ilha cosmopolita que no passado ocorreram as famosas
revoltas da fome encabeçadas pelos Capitães Ambrósios, que se desenvolveram os
primeiros sindicatos cabo-verdianos, incentivados por empresas britânicas
sediadas na ilha, que deu à luz o principal movimento intelectual do século XX,
liderado pelos Claridosos, movimento que levou à consciencialização da
identidade cabo-verdiana. Não obstante aquilo que os seus detractores enunciam,
S. Vicente foi sempre uma ilha irreverente que desafiou, à sua maneira e tendo
em conta os condicionalismos da época e do meio, o fascismo e o regime
salazarista. A ilha não se prostituiu ao fascismo e nunca o fará com nenhuma
forma de regime. Haverá sempre nela grupos de pessoas que se levantarão, sempre
que circunstâncias excepcionais ou bloqueios ocorram, para indicar novos rumos
ao país. Esta é a particularidade de S. Vicente, muitas vezes incompreendida. Pois,
nunca se poderá apagar o facto que foi nela que se desenrolaram os principais
acontecimentos que levariam Cabo Verde a conquistar a sua independência, de que
todos os cabo-verdianos se vangloriam hoje. Foi nela que surgiram as primeiras
contestações ao regime de partido único e que condicionaram em 91 a transição à
democracia, de que todos os cabo-verdianos também se vangloriam hoje. A abertura política veio renovar as
expectativas, surgindo uma nova oportunidade para a realização do sonho
mindelense, uma era promissora de mais liberdade económica e política que catapultaria
a ilha ao nível do grande pólo económico, social, político e intelectual de
Cabo Verde, acalentou os sonhos da resolução definitiva dos problemas básicos e
estruturais crónicos da ilha e do país. A abertura correspondeu todavia a mais
uma expectativa gorada, o fim provisório do sonho mindelense. Todavia, podemos ainda nos orgulharmos pelo facto de S. Vicente
continuar a protagonizar acontecimentos marcantes para o seu futuro e o de Cabo
Verde, como me parece estar a acontecer, estando sempre na vanguarda do país. A
Regionalização será uma transformação inspirada por Mindelenses e proposta a
todo o país. S. Vicente continuará, assim, a estar, mau grado os ventos
adversos que sopram em seu desfavor, no centro de Cabo Verde. Bravo S. Vicente,
bravo mindelenses.
Porque
estamos aqui a debater esta questão da Regionalização em S. Vicente? Cabo Verde, e a nossa ilha em
particular, como todos sabemos, tem sido vítima de um centralismo crescente,
uma situação tanto mais
insuportável por se tratar de um país-arquipélago. Hoje é iniludível que Cabo
Verde pode vir a ser um exemplo trágico de políticas de centralização
excessiva, pois a pobreza está à vista, e nenhum artifício de estatística pode
ocultar o risco de um sério agravamento da situação, que no futuro só tenderá a
agudizar-se se não se aceitar mudar de rumo. As assimetrias no país no-lo
demonstram com cruel evidência. Numa ilha como S. Vicente em que um terço da
população está sem emprego ou subempregada, cresce a inquietação entre os
mindelenses face ao futuro da ilha. Na realidade, com um S. Vicente inerte,
despojado do seu dinamismo, da sua natureza e identidade, Cabo Verde fica
amputado da sua alma e todos perdem. Mas todos os que amam esta ilha rejeitam a
sua marginalização, a sua redução ao simples estatuto de ilha-cidade museu, ou
de uma Cidade Velha dos tempos modernos, ficando destinada a algumas representações
oficiais, ao acolhimento de actividades socioculturais irrelevantes. Acreditamos
no futuro desta grande ilha, desta mais bela cidade de Cabo Verde, pelo que nunca
aceitaremos que ela seja votada ao abandono, ou ao estatuto de um mero burgo,
muito atrás da Assomada como muitos já vaticinam. Pois S. Vicente tem
potencialidades para voltar a ser o motor político económico e social de Cabo
Verde, desde que haja vontades. Aqui reside a grande esperança, o ideal que sempre
moveu e almejou a ilha. Mas para isso é preciso dar-lhe meios e definir um conceito
e uma nova vocação compatíveis com este projecto. A Regionalização poderá ser
talvez a alavanca para atingir
esse objectivo. Por
isso acredito que o aparecimento de grupos de reflexão por toda a ilha, poderá
ser o prenúncio de uma primavera de mudanças na postura da nossa elite. Pois é
preciso debater profundamente a problemática da Regionalização, visto que
assistimos a uma tentativa simplista de reduzi-la à sua vertente exclusivamente
administrativa, quando ela é essencialmente política, económica e cultural. Alguns
detractores da Regionalização plena acenam com frequência, logo que se
perspectiva o mínimo debate sobre esta matéria, com o chavão da Unidade
Nacional, pelo que propõe uma solução minimalista, uma Regionalização Administrativa. Mas uma proposta desta natureza não é
mais do que a repartição do território nacional num conjunto de áreas onde o
Estado nomearia directamente os seus representantes, atribuindo-lhes mais ou
menos poderes, mais ou menos autonomia, dependendo da boa vontade do governo:
voltaríamos ao estádio da 1ª República, com a nomeação de Delegados do Governo.
Mas se fosse para isso, não estaríamos aqui, bastava que o governo legislasse
sobre esta matéria (e já poderia tê-lo feito há muito tempo) e o assunto
estaria resolvido. Uma tal Regionalização seria reversível, volátil, pois bastaria
um governo mais centralizador para fazer reverter todos os potenciais ganhos
conquistados no processo. Neste cenário teríamos uma regionalização fantoche,
esvaziada do seu conteúdo reformista, para manter intacto o poder nocivo da centralização.
O maior sonho dos centralizadores realizar-se-ia, atrasariam a Regionalização, empurrá-la-iam
com a barriga para as calendas gregas, para no fim esvaziarem o conceito e
desacreditar a Regionalização. Amigos, estamos aqui para algo muito mais
importante e duradoiro, a Regionalização Plena (Política, Administrativa,
Económica e Financeira). Devemos rejeitar, portanto, qualquer proposta de Regionalização
que seja uma farsa ou um faz de conta. Queremos a transferência de poderes e
competências reais do Poder Central para as ilhas/Regiões, e um estatuto claro e
bem definido de autonomia administrativa e económica para as mesmas. É preciso
ficar bem claro que esta reforma não equivale ao enfraquecimento do Poder
Central, pois áreas críticas da soberania nacional continuariam debaixo da sua
alçada. Para além disso, julgo que a Regionalização irá contribuir para a
democratização do sistema político, actualmente por demais partidarizado,
aquilo que se chama hoje Partidocracia, sistema que incentiva o centralismo, a
animosidade política e querelas político-ideológicas de conteúdo nulo. Pretendemos pois um país organizado em
moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais
flexível, moderno e descentralizado. Acredito
que a Regionalização e a Descentralização são o futuro para Cabo Verde e uma
oportunidade para S. Vicente.Todavia, convém estar-se consciente de que ela não
é a panaceia para os males de que sofre Cabo Verde, cujas raízes são profundas.
É um caminho para uma solução ou talvez uma válvula de escape à actual
compressão social e política provocada pela centralização. Assim, estamos numa
encruzilhada de reflexão global sobre os caminhos futuros de Cabo Verde, aquilo
a que chamaria um ‘brainstorming’ “Repensar Cabo Verde”. Que Regionalização
para Cabo Verde? Como romper
com o actual modelo centralizador? Esta é a razão do nosso debate actual.
Diversos modelos de Regionalização vêm funcionando na maior naturalidade,
desde há muitas décadas, em vários países do mundo. De resto, a maior parte das
democracias ocidentais modernas, cedo foi confrontada com a problemática das
questões nacionais, por elas possuírem no seu seio situações diversas de
descontinuidades geográficas, territórias, culturais, etc. Estas contradições tinham
sido exacerbadas pela tendência natural do “centralismo” da parte dos Estados
Centrais, que em geral nunca abdicam, de ânimo leve, das suas prerrogativas
centralizadoras. Todavia depois de inúmeros debates e estudos sociopolíticos, implementaram-se
no mundo ocidental, após a II Guerra Mundial, diversos modelos de
Regionalização. Esta constituiu, na prática, um mecanismo de contrapoderes,
como existem vários nessas democracias. A Regionalização
foi precisamente concebida nesses estados para funcionar como contrapeso, um
antídoto aos excessos da burocracia centralizadora do Estado
Central. É o mesmo propósito que nos anima para Cabo Verde. Não estamos
portanto a inventar a roda.
Esta receita foi bem conseguida na maioria dos países da Europa
ocidental ou do hemisfério norte, nomeadamente a Alemanha, a Suíça, a França, a
Itália, a Espanha, os EUA, etc, e mesmo em Portugal com a Madeira e os Açores
(Em relação a Portugal, uma nota para aqueles que só aceitam e concebam modelos
elaborado e testados neste país, que o próprio Portugal por razões de política
europeia, nomeadamente dos fundos europeus regionais, foi forçado a se
organizar, sem o oficializar, em diferentes Regiões). A Regionalização não é,
portanto, um papão, o fim do Estado central, como alguns afirmam, mas sim uma nova
oportunidade para renovar a democracia cabo-verdiana, levando, por um lado, à
consolidação de uma democracia plena que aproxima os cidadãos do poder local,
e, por outro lado, à melhoria e ao aligeiramentodo funcionamento do Estado.
Existem pois vários modelos de Regionalização implementados no mundo,
que Cabo Verde poderá se inspirar. Todos estão constituídos em governos com
parlamento regionais fortes: Governos Autónomos (Espanha), Conselhos Regionais
(França), Landers (Alemanha), Estados
(EUA) etc, dotados de poderes muito alargados e até níveis importantes de
soberania (as Regiões podem celebrar acordos e parcerias internacionais,
desenvolver actividades diplomáticas de âmbito económico e cultural), sendo
responsáveis pela elaboração de planos de desenvolvimento regionais e a gestão de
várias áreas da economia e da política regional: orçamentos regionais e fundos
europeus, finanças, planeamento e desenvolvimento regional; ordenamento e administração
territorial regional; sistema de saúde e hospitais públicos regionais, segurança
social; ensino básico e secundário, formação profissional; segurança e ordem territorial,
equipamentos públicos, Parques Científicos e Tecnológicos, Parques Industriais,
Saúde e Hospitais Públicos, questões ambientais e ecológicas de âmbito
territorial, Reservas Naturais e Ecológicas, etc. A Regionalização nos países
em que ela foi implementada é uma alavanca para uma economia local e regional
fortes e uma receita para a redinamização do tecido socioeconómico de regiões
depauperadas. Nesta perspectiva uma Regionalização adequadamente estudada e
implementada, não deverá custar, nem mais nem menos, um tostão aos cofres do Estado,
pelo que as Regiões poderão ser contribuidores líquidos, podendo arrecadar novos
e mais impostos decorrente de novas actividades geradas pela economia regional.
Daquilo que precede, deduz-se que a Regionalização é uma reforma deverá ser
obrigatoriamente acompanhada de um exercício de racionalização, subentendendo
uma reforma do próprio Estado caboverdiano.
Um possível modelo de Regionalização de Cabo Verde seria o da Ilha
Região.Todavia uma vez que é inconcebível imaginar S. Vicente independente de
Sº Antão e S. Nicolau ou vice-versa, imaginei um 2º nível de Regionalização (a
ser implementado depois da Ilha Região) que denominei ASSOCIAÇÔES REGIONAIS, que
seriam espaços de associação voluntária entre vária Ilhas-Regiões, cujo
propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços
caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais, evitando,
assim, redundâncias nocivas e custosas para o país. As ASSOCIAÇÕES REGIONAIS incentivariam
a Solidariedade e Integração Regional, evitariam a autonomização excessiva das
Regiões, através do incentivo à cooperação solidária e sinergética voluntária
inter-regional. A sua instauração corresponderia à implementação do segundo nível
de Regionalização, a sua segunda etapa.
Neste modelo defini um conjunto de 4 ASSOCIAÇÕES REGIONAIS, partindo do
princípio de associações voluntárias e por critérios de proximidade geográfica
e cultural, assim como complementaridade económica:
- Supra-Região Barlavento 1 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 1: S.º Antão S.
Vicente e S. Nicolau;
- Supra-Região Barlavento 2 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 2: Sal e Boavista e
Maio?;
- Supra-Região Sotavento 3 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 3: Santiago e Maio?;
- Supra-Região Sotavento 4 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 4 : Fogo e Brava.
Acredito pois que é possível e necessário um país organizado
em moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais
flexível, um modelo de governação baseado na Descentralização e na Regionalização
plena que subentenda uma plena autonomia política, administrativa e económica
para as ilhas. Com esta reforma a Regionalização será uma nova
oportunidade para S. Vicente e Cabo Verde. Vamos portanto todos, quer em Cabo
Verde quer na Diáspora, socializar a ideia da Regionalização.
Muito obrigado pela vossa atenção,
Mindelo, aos de 28 de Novembro de 2012
José Fortes Lopes
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