terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Centralismo e a Utopia do Estado-Nação Centralista (c) 
Na parte (b) deste artigo concluímos que o problema de Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver com os modelos de economia e de organização política montados e que já mostraram os seus limites, não produzindo os frutos esperados. Para além disso, hoje há sinais perturbadores de decadência (corrupção, insegurança, criminalidade) a todos os níveis sociais, para além das novas e crescentes ameaças que se perfilam no mundo. A situação concentracionária na capital e na sua periferia levada ao paroxismo, tem criado, perante a indiferença de todos os actores políticos, problemas sociais, económicos, ambientais e de segurança sem precedentes, tendo tendência a alastrar-se para todo o país, o que põe em risco a sua própria segurança e estabilidade. Por outro lado, a situação que se vive hoje a ilha de S. Vicente, a 2ª ilha do país pela sua importância, onde se instalara no século passado toda a elite cabo-verdiana, assim como cidadãos de todo o mundo, é a evidência trágica de uma despudorada falácia, do falhanço que é hoje o modelo de desenvolvimento do Cabo Verde. Nesta ilha, foram feitas há 40 anos promessas nunca cumpridas: Monte Cara viu os barcos todos passarem ao largo. O estado em que se encontra a ilha, revela a falência do ideal que ela interiorizou no período de abertura 25 de Abril de 1974 e o 5 de Julho de 1975, mas é também o colapso das utopias e energias que mobilizaram vários estratos sociais da ilha e do país neste período. É este povo de S. Vicente que em 1975 ouviu proclamar alto e bom som que viriam melhores dias para a ilha, que continua a não descolar da extrema pobreza e não vê qualquer perspectiva para o seu futuro. É a ilha Fantasma hoje no seu todo, um autêntico atoleiro de projectos e energias que não se revelaram viáveis ou sustentáveis, um cemitério de elefantes brancos. Não circulando dinheiro nela, não há condições para a atracção das elites dos negócios, nem para se instalarem institutos e as empresas onde se reciclam os dinheiros da ajuda internacional destinados a Cabo Verde. Isto porque os fenómenos económicos se interligam fatalmente com os sociais na sua natureza sistémica. Talvez seja por isso que a elite que reside em S. Vicente se tornou subserviente e resignada, à espera das iniciativas vindas da Praia ou de algures, contentando-se com as migalhas que sobram dos banquetes da elite da capital, cabendo-lhe apenas produzir Festivais. O centralismo político foi o ‘coup de grace’ para S. Vicente, o presente envenenado do PAIGC, e utilizado em doses cavalares e tóxicas pelo novo PAICV (ver Nota em (7)). S. Vicente tem, assim, pago com lágrimas, suor e sangue, a construção deste país que é Cabo Verde, que paradoxalmente e inexoravelmente afasta-se dele cada dia mais.
Mesmo assim deve-se reconhecer que Cabo Verde, mudou pelo bem e pelo mal, comparado com a situação antes da independência. Todavia, o país apesar de ter tido neste período um crescimento económico, de que se vangloriam os vários governos, nada mais fez do que acompanhar o ritmo do crescimento mundial, graças à injecção da ajuda estrangeira. É evidente que crescimento não é desenvolvimento, e sem este, as classes mais desfavorecidas terão menos acesso ao trabalho e não poderão ver realizados os seus sonhos.
Na realidade, enquanto choverem os apoios da comunidade internacional e continuar a fluir dinheiro fresco para capital para sustentar a elite oligárquica ali instalada, assobiando sempre para o lado e separada da população do resto do país, vai-se dizendo: « Après moi le déluge », como dizia Louis XV, (depois de morrer que venha o dilúvio). Com este estado de coisas, as soluções para o país continuarão a ser adiadas ou proteladas.
Sobre este assunto é interessante revisitar Amilcar Cabral. Carlos Cardoso (8) resume a visão romântica de Cabral do desenvolvimento expresso da seguinte maneira e que pode servir de mensagem ao actual poder pela sua actualidade:
Nós estamos a lutar para o progresso da nossa terra, temos que fazer todos os sacrifícios para conseguirmos o progresso da nossa terra, na Guiné e em Cabo Verde. Temos que acabar com todas as injustiças, todas as misérias, todos os sofrimentos. Temos que garantir às crianças que nascem na nossa terra, hoje e amanhã, a certeza de que nenhum muro, nenhuma parede será posta diante delas. Elas têm que ir para a frente, conforme a sua capacidade, para darem o máximo, para fazerem o nosso povo e a nossa terra cada vez melhores, servindo não só os nossos interesses mas também os interesses da África, os interesses da humanidade inteira» Este postulado pode parecer abstracto, mas reflecte um pensamento profundo”. Este desejo de Amilcar Cabral, ontem como hoje, é subversivo, pois mexe com interesses instalados. Aliás, o paradoxo entra pelos olhos e devia questionar algumas consciências pois o país parece hoje constituir um sumidouro de esperanças e energias para os jovens deserdados.
Este artigo continua: “Cabo Verde o fim das Utopias: Os Caminhos para uma 3ª Via”.

Referências:

8- Revisitando o conceito de desenvolvimento no pensamento de Amílcar Cabral, Carlos Cardoso, http://www.codesria.org/IMG/pdf/Carlos_Cardoso-2.pdf



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