sábado, 29 de abril de 2017

A EMIGRAÇÃO É TAMBÉM UMA REGIÃO DE CABO VERDE

Desde quando são crimes a dedicação e o regionalismo, bases do patriotismo?
Eugénio Tavares



Luiz Andrade Silva

                       
          No processo da Regionalização não se pode ignorar a Emigração, que tem sido um agente de transformação da vida social, económica, cultural e política de Cabo Verde. Para o enquadramento dos emigrantes nesse processo, em primeiro lugar, deve-se começar por explicar que a nossa emigração antes de ser uma questão nacional é do foro regional. Em segundo lugar, que a nossa emigração, a começar pela dos Estados Unidos e, nos últimos anos, pela da Europa, vivendo em países democráticos e regionalizados, quer ter voz e palavra no seu país de origem, tendo por isso aderido desde o princípio ao Grupo de Regionalização sediado em Mindelo. E, devido ao facto de sermos ilhas regionalizadas pela natureza, sempre se defendeu, durante o período colonial, a autonomia e, mais tarde, a Independência. E é normal que hoje, no Cabo Verde independente, se faça um novo combate contra o modelo centralista do Estado em Santiago, imposto a partir da Independência, que reduziu as liberdades fundamentais, marginalizou as outras ilhas e excluiu os emigrantes da gestão do seu Arquipélago. Tamanha ingratidão, pois como dizia Baltasar Lopes “se o Capristano de Abreu conhecesse o cabo-verdiano, nunca diria que o brasileiro é o povo mais ingrato do Mundo “.
          Ninguém obriga ninguém a emigrar. Mas a dignidade e o amor a Cabo Verde exigem essa aventura, seja clandestinamente seja legalmente, atravessando calmarias intermináveis, ou galgando montanhas, onde a fome e frio perseguem, em cada curva, os que se lançam na ousada determinação de lutar por uma vida mais digna. Na aventura da pesca da baleia, deixámos o nosso nome inscrito no panteão das histórias trágico-marítimas como grandes arpoeiros, como relata Hermann Menville no seu romance Moby Dick. No litoral Africano, construímos pontes e palácios onde a mão-de-obra cabo-verdiana era prestigiada. Em Dakar, saindo clandestinamente em pequenos palhabotes e faluchos, criámos uma comunidade com uma cultura própria e que deu um grande impulso à luta pela independência cultural e política de Cabo Verde. A ajuda dos cabo-verdianos do Senegal às famílias em Cabo Verde, nos anos cinquenta, merece ser assinalada. Três figuras dessas viagens clandestinas para o Senegal ainda vivem em Mindelo: os irmãos Alberto e Crisanto Lopes, que capitanearam o navio Novas de Alegria, ou o capitão Armando do navio Maria Sony. Estes homens salvaram Cabo Verde de uma outra fome nos anos cinquenta e sessenta. O capitão-de-fragata Cristiano José de Sena Barcellos, que foi Presidente da Câmara de São Vicente de 1896 a 1899, nos seus “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné” escreve: “Nas fomes de 1902, o Governador de Cabo Verde Paula Cid instituiu a concessão de passaportes a um preço elevado e a carta de chamada para Dacar para impedir a emigração livre para o Senegal, para assim poder recrutar candidatos forçados para as plantações de São Tomé onde possuía interesses”. A partir dos anos sessenta e com a abertura do caminho marítimo para a Holanda, muitos emigrantes foram a São Tomé e Príncipe resgatar os seus irmãos do cativeiro de São Tomé. Mas sem dúvida que foi a emigração para a Holanda como marítimos, organizada por um punhado de mindelenses e que depois se estendeu para os outros países da Europa, que libertou São Vicente e as outras ilhas do marasmo económico e social imposto pelo regime colonial e que relançou a luta pela afirmação da identidade cabo-verdiana que nos conduziu à Independência. Os cabo-verdianos da Holanda criaram uma comunidade muito sólida e respeitada. Em contacto com o povo holandês, culto e artístico, investiram também na cultura e marcaram a história de Cabo Verde ao nível da música, da política e do jornalismo, entre outras manifestações.
          A modernidade em Cabo Verde chega pelo Porto Grande e sua cidade de Mindelo, elevada à categoria de cidade em 1879, quando contava somente 3.300 habitantes. Um ano antes, a escravatura teria sido abolida no espaço português e os novos homens livres procuraram a Ilha de São Vicente, onde podiam viver libertos das sequelas da escravatura. Graças ao estabelecimento das companhias inglesas, São Vicente podia acolher pessoas de todas as ilhas. É justo dizer que São Vicente é a ilha das ilhas. Encontramos sãonicolenses na zona norte, santantonenses no sul da ilha, santiaguenses da Ribeira da Barca à volta da Praça Estrela, e também europeus (italianos, ingleses) que dão um colorido especial à ilha. Com as companhias inglesas nasceu um pequeno proletariado consciente da sua importância na sociedade, em que a cultura e o desporto como o golfe, o ténis, o cricket e o futebol, são praticados, assim como a literatura, e mesmo uma filosofia social, o Racionalismo Cristão, que é praticado pela maioria da população. Dos Estados Unidos não vieram somente dólares, mas também o protestantismo e uma consciência social importante para as lutas cívicas em Mindelo. O Liceu é frequentado por essa classe operária e filhos de emigrantes que, mais tarde, terão um papel importante na vida política e cultural do país. Assim, forjou-se uma sociedade mestiça apostada na cultura e no saber. É o próprio Amílcar Cabral, herói da Independência de Cabo Verde e também aluno do Liceu Gil Eanes, que aos 24 anos escreveu à sua namorada Helena: Há tantos miúdos pretos, mulatos, morenos, brancos (de todas as cores). É uma imagem fiel do que é Cabo Verde. Lá não se sabe o que é ser desta ou daquela cor. Lá o que interessa é o homem em si. Na fila dos professores verás outra afirmação desta verdade (Carta de Amílcar Cabral a Maria Helena). Referindo-se aos professores, na maioria filhos de emigrantes que tinham passado pelo Seminário Liceu de São Nicolau, Amílcar Cabral faz referência a essa elite intelectual da cidade do Mindelo, oriunda de várias ilhas e que teve um papel importante no ensino, na economia e na defesa dos interesses da população. É bom citar o caso dos primeiros presidentes do Município de São Vicente, os bravenses Augusto Ferro e Sena Barcellos, bem como dos intelectuais Luiz Loff Vasconcelos e Eugénio Tavares, que introduziram o gosto e a cultura da morna. O escritor inglês Archibald Lyall, que apelidou o povo Mindelense de “povo político” pela sua adesão à luta por causas nobres, escreveu: “Em São Vicente a curiosidade intelectual é particularmente intensa; os livros são lidos com avidez e passados de mão em mão entre os que não podem dar-se ao luxo de os comprar. Sem dúvida, a existência do liceu não seria estranha a esse culto que a juventude presta à inteligência e à cultura, mas velhos e novos em quaisquer das outras ilhas se associam a essa homenagem ao saber”.
          Os emigrantes apostaram na Independência de Cabo Verde. Ao contrário do que se esperava, mais desenvolvimento económico, mais liberdade, mais cultura, fomos surpreendidos por um regime centralizador que destruiu a classe comercial e obrigou muitos quadros a expatriarem-se para a capital ou para o estrangeiro. Os emigrantes, desencorajados, também deixaram de investir, preferindo guardar as suas economias nos países de emigração. A ilha, que nos anos cinquenta acolhia gentes de todas as outras ilhas, tem hoje uma população de oitenta mil habitantes e possui o maior índice de desemprego. O movimento associativo morreu. O partido único somente favoreceu o nepotismo, o medo do medo, o individualismo e o desinteresse pela vida política. A “ilha política”, como disse o escritor Archibalt Lewis, foi excluída da cena política nacional.
          Há necessidade de repensar Cabo Verde, quarenta e dois anos após a Independência e, desta vez, a emigração espera ter voz e palavra no Município, na Região, no Senado e no Parlamento, na sua justa dimensão. Temos de lutar contra as assimetrias entre as ilhas, entre as ilhas e as diásporas, restituir o orgulho de ser cabo-verdiano a todos, sem distinção de credos ou religiões. Temos uma rica cultura mestiça, admirada em todo o mundo onde vivem cabo-verdianos, verdadeiros embaixadores da Nação, que precisam de ser melhor aproveitados. O combate dos cabo-verdianos por Cabo Verde não se limitou à luta nas matas da Guiné Bissau. Os seus protagonistas não serão também os únicos heróis da Pátria. O combate teve lugar em todas as latitudes oceânicas, lutando contra tempestades e ciclones no mar alto e nas fábricas de todo o Mundo.
A questão da emigração não é tão simples. Ainda há quem pense que é só vir buscar dinheiro e nada mais. Houve até quem falasse de emigrantes económicos como se a questão se limitasse a ganhar uma lotaria. Eugénio Tavares (1868-1930), que por duas vezes esteve a trabalhar nos Estados Unidos, onde teve uma grande actividade jornalística e cultural, em contacto com o mundo das fábricas onde experimentou as greves, escrevia em 1918, no jornal A Voz de Cabo Verde: “Esta questão, meu caro amigo, não é apenas alimentar e indumentária, senão que fundamentalmente moral e social. Cabo Verde é um povo. E os povos têm aspirações que não se limitam à panela. Principalmente os povos que aprenderam a viver com mestres que dão lições ao mundo; que se habituaram aos cómodos da civilização; criaram necessidades; e que já respiraram a atmosfera do trabalhador livre e compensador” (Eugénio Tavares – Voz de Cabo Verde,1918).
          Temos uma grande literatura de escritores ligados à emigração ou de emigrantes sobre a emigração. O mais célebre é o romance iniciático Chiquinho de Baltasar Lopes (1907-1989), cujo pai ter-se-ia deslocado duas vezes à América. Baltasar Lopes viveu a sua infância como escriba das famílias de emigrantes em São Nicolau. Conhecia os problemas socias e económicos, os nomes das ruas, os projectos económicos, sem falar da saudade da terra que era constante. Um dos heróis do romance de Baltasar Lopes é o José de Lima, que imigra com um projecto de trabalhar de dia e estudar de noite, com o objectivo de regressar e transformar as relações sociais e económicas da sua ilha. Um outro romancista, filho do capitão Sousa, que aliás viveu a sua infância na América, é Henrique Teixeira de Sousa que no seu primeiro romance Ilhéu de Contenda demonstra o papel dos emigrantes na luta contra o sistema social na ilha do Fogo, através de investimento na economia e na cultura. No seu último romance Oh Mar das Túrbidas Vagas (2005), ele põe o dedo nos sucessos e também nos insucessos de muitos emigrantes que terão que regressar para morrer na Terra-Mãe. E tantos quadros de valor que Cabo Verde vai perdendo por falta de uma política de integração dos seus filhos. Mesmo aqueles que regressam por iniciativa própria, como foi o caso do médico, cientista e poeta João Manuel Varela, que acabou por morrer no anonimato em Mindelo, sua terra natal, onde nem o seu nome foi dado a uma praça ou a uma rua.
          Com o advento da democracia em 1991 e com a criação dos Municípios, nasceu a esperança de um diálogo profícuo entre os emigrantes e a região de origem. Onésimo Silveira enquanto presidente da Câmara Municipal de Mindelo criou um posto de vereador da emigração que foi ocupado por Manuel da Luz Gomes, funcionário da ENAPOR e conhecedor dos problemas da nossa emigração, que por duas vezes se deslocou à Diáspora para contactos e debates de ideias. Sei que produziu dois relatórios que podiam ser publicados mas que não tiveram seguimento. Com a demissão de Onésimo Silveira da Câmara Municipal, não houve mais encontros e debates com os emigrantes e nem torneios desportivos que podiam fazer regressar anualmente muitos jovens. No período de férias dos emigrantes (Julho e Agosto), O Município de São Vicente está mais preocupado com o Festival da Baía do que servir a causa da emigração. Acontece ainda que num país de emigrantes e turistas, o Governo autoriza o horário de Verão quando se devia fazer o contrário, ou seja prolongar o horário de trabalho no Verão, com a devida compensação num outro período. A Regionalização tem de vir mudar esta situação, pois é no período de Verão que os emigrantes e os turistas podem fazer investimentos no país.
          Com a abertura politica em 1991, foram realizados vários Congressos de Quadros mas as recomendações têm surtido pouco efeito. Os emigrantes passaram a ter seis deputados para a emigração. Mas continuam excluídos das eleições municipais onde se encontram os seus interesses mais importantes. Ora, para muitos emigrantes, o direito de voto nas eleições municipais é mais importante do que o direito de eleger os seis deputados na Assembleia, que nunca têm a palavra, a não ser com a autorização dos partidos políticos. O direito de voto nas eleições municipais poderia mesmo ser aplicado simplesmente aos emigrantes que pagam os seus impostos ao Município. Seria um estímulo ao investimento na Terra-Mãe. Impedir os emigrantes de votarem nas eleições municipais fez reduzir os seus investimentos, pois quem investe quer ter voz e palavra para defender os seus interesses.
          Mas votar nas eleições municipais e regionais seria uma oportunidade para se criarem novas relações sociais e culturais com as regiões de origem. No plano financeiro seria uma forma de levar as suas economias às regiões e no plano sociocultural levaria a sua experiência e o seu saber acumulado, participando em geminações, no intercâmbio cultural e na formação profissional.
          Um livro da autoria de Benvindo M. Oliveira Leitão, recentemente editado nos Estados Unidos, faz um inventário das personalidades bravenses, dispersas pelo Mundo e também em Cabo Verde. A Brava é uma ilha-região com uma população três vezes maior na diáspora e que mantém laços de solidariedade profundos com a sua ilha. Seria o exemplo de uma ilha-região em que todos os emigrantes bravenses pudessem votar na sua gestão sem a exclusão de ninguém. Mas seria fundamental para a reintegração no seu solo de Casas de Emigrantes que pudessem promover informação e cultura, desenvolver o intercâmbio cultural e atrair os investimentos emigrantes. E a Regionalização, conferindo direitos e deveres aos emigrantes, poderia mudar substancialmente a vida das pessoas naquela ilha. O livro cita grandes figuras da história de Cabo Verde vivendo em Cabo Verde e na diáspora que se distinguiram na política, na cultura, nas lutas contra as tempestades, etc. Sabe-se assim que Almirante Reis, bravense, foi o autor do golpe de Estado republicano em Portugal e cujo nome se deu à Praça Estrela em Mindelo. Mas sem dúvida o maior herói bravense foi Eugénio Tavares, que já no ano de 1900, em Providence, nos Estados Unidos, escrevia no seu jornal Alvorada o seguinte: “África aos Africanos. A África terá o seu Monroe”. Eugénio é o maior criador da morna, o grande defensor do crioulo, o grande combatente contra o estatuto do indigenato e defensor da emigração livre para os Estados Unidos, enquanto que ao mesmo tempo condenava a emigração para São Tomé e Príncipe “que era um insulto à dignidade humana e o regresso à escravatura deguizada sob o pano da liberdade” (carta a Daniel Alexandre Almeida, in Voz de Cabo Verde, 1918). Um livro de carácter regional que somente visa a história da Brava e dos bravenses dispersos pelo Mundo, mas que pode servir a cada ilha ou região para fazer um inventário da sua história e fazer novas propostas no sentido de associar todos os cabo-verdianos ao desenvolvimento da sua ilha ou região.
          Organizar a emigração por regiões e com representatividade própria corresponde às exigências dos movimentos associativos. Temos associações de Foguenses, de Bravenses, de Sãonicolenses, de Santantonenses, de Maienses, que poderiam ser chamados a participar no desenvolvimento da sua região. E isso não impediria que no plano nacional os emigrantes continuassem a ter os seus deputados na Assembleia e no Senado (se houver).
          O silêncio imposto pelo regime colonial com a subida de Salazar ao poder após o golpe militar de 1926, impondo uma ditadura (1926), pôs termo às veleidades de autonomia do período monárquico e republicano. Em vez de investimentos na modernização do Porto Grande, a solução encontrada pelo regime colonial foi de novo a emigração forçada para as plantações de São Tomé e Príncipe. Em 1934, houve um levantamento da população de São Vicente chefiada pelo carpinteiro Ambrósio, poetizado como Capitão Ambrósio pelo poeta e ensaísta Gabriel Mariano. Em 1936, surge timidamente a revista Claridade que trouxe um pouco de oxigénio à vida cultural do Mindelo. Mas a emigração não pode somente ser vista no aspecto económico. É certo que o primeiro romance cabo-verdiano Chiquinho, de Baltasar Lopes, levanta o problema desta emigração provocada pela às secas e a miséria, mas o vocabulário continua hesitante perante a densidade dos problemas. É preciso esperar pelos anos cinquenta para que a consciência cabo-verdiana se levante, em todas as latitudes, perante o drama imposto aos homens e mulheres nas plantações de São Tomé e Príncipe, que temiam mesmo o regresso para não virem a morrer de fome na sua terra. Mas será de novo Osvaldo Alcântara, heterónimo de Baltasar Lopes, o primeiro a abordar o problema com uma dimensão política. No Romanceiro de São Tomé, o poeta, romancista, folclorista, afirma a sua cabo-verdianidade e toma posição contra o drama imposto a milhares de cabo-verdianos, duplamente vítimas do colonialismo português, perante o dilema de, como famintos, serem condenados a trabalhar nas plantações de São Tomé e temerem abandoná-las para não morrerem de fome. Os nossos músicos e compositores participaram também nesta denúncia do caminho de São Tomé, com lindas mornas e das quais se destacam as mornas de Abílio Duarte Camim de São Tomé e Céu de São Tomé na voz do Nhô Balta e ainda a balada Sodade de José Zeferino Soares, interpretada por Bonga e mais tarde por Cesária Évora e outros cantores cabo-verdianos e estrangeiros. Com a Independência, esperava-se a libertação e o regresso prometido a Cabo Verde dos trabalhadores contratados nas roças de São Tomé. Nada disso aconteceu: foram abandonados pelos portugueses perante a passividade do Governo de Cabo Verde e do PAIGC e por lá morreram deixando filhos e netos. Dizia o poeta Ovídio Martins que Cabo Verde nunca seria livre enquanto houvesse um cabo-verdiano nas roças de São Tomé. Morreu magoado e frustrado por não ver o seu sonho realizado.
          No quadro da Regionalização, as relações entre a aldeia, a cidade, a ilha e a emigração devem conhecer um outro desenvolvimento económico e cultural. Cada ilha tem a sua tradição: umas gostam do seu batuque, outras da morna, outras da mazurca, outras do Colá Sam Jom, etc. E neste mundo da Internet e do video os emigrantes estariam ligados à vida social e cultural do seu bairro de nascimento sem terem necessidade de regressar à sua ilha ou região. Um bravense sem a sua morna está amputado da sua identidade. Diz o bravense Benvindo Leitão: “a morna não é apenas o grito de um povo maltratado, como muitos possam pensar; ela é a expressão de sentimentos nobres e profundos de um povo que, consciente das realidades da vida nas ilhas, não desanima mas, confiante no futuro, luta para que este seja uma realidade promissora…” Concluindo, a morna, produto do povo cabo-verdiano nas diversas circunstâncias da vida, é uma necessidade, especialmente para o bravense. É como um estimulante que se toma para continuar a viver com entusiasmo. E seja para onde for que um bravense se desloque, a morna há-de acompanhá-lo. Ajuda-o a superar os muitos obstáculos da vida, a matar as saudades e a adquirir vigor e confiança na vida. O bravense sem a morna é como um navio sem velas no alto mar, num dia de calmaria. E foram pessoas como Augusto Ferro, Luiz Loff Vasconcelos e o próprio Eugénio Tavares, amigos e defensores da cidade do Mindelo, que ali foram entregar nas mãos de B. Leza o destino da morna de Cabo Verde, que hoje nas vozes de Bana, Cesária, da Voz de Cabo Verde, representa o país em todo o Mundo.
          As gravações de discos começaram nos fins dos anos cinquenta e tiveram um grande impacto na emigração. É bom aqui realçar o papel de Fernando Quejas, Amândio Cabral, Titina e Mário Melo na promoção e divulgação da música de Cabo Verde em Portugal, mas foi na Holanda em 1966, com o primeiro disco de Bana e a Voz de Cabo Verde, que os cabo-verdianos entraram numa maior dinâmica cultural, divulgando e promovendo a música nacional no Mundo.
          Foi a cultura que nos deu a força para afirmar a nossa identidade e exigir a Independência para Cabo Verde. Mostrámos a diferença, ser um outro povo com um percurso de combates culturais e políticos. As armas da cultura venceram as armas de guerra que trazia o regime de Salazar. E a emigração tem a honra de ter dado a sua contribuição, nada exigindo para ela mas sim para o povo de Cabo Verde.
          O movimento associativo cabo-verdiano é uma força em todas as comunidades. Melhor aproveitado, pode desempenhar um papel importante junto dos Municípios e do Governo. Iniciado nos princípios do século XX nos Estados Unidos, estendeu-se a todas as comunidades cabo-verdianas dispersas pelo mundo, comprometidas com a Luta pela Independência. Na Holanda, graças a Constantino de Nho Matijim, tivemos hotéis e restaurantes para acolher os novos emigrantes e dar alguma formação aos recém-chegados. Tivemos casas editoras de discos e até de livros, um jornal, o Nôs Vida da Associação Cabo-verdiana de Roterdão. E uma comunidade solidária sem a qual a nossa emigração e Cabo Verde não teriam triunfado com o seu projecto de emigrar para transformar Cabo Verde.
          Com a Independência e o partido único tudo se desmoronou. Aquele que não recebia cegamente as ordens do partido era marginalizado e até corria o perigo de ser preso em Cabo Verde, chegando muitos a perder os seus investimentos ou deixar de investir na sua terra, quebrando assim o projecto original de regresso.
          Nunca é demais no quadro da Regionalização repensar sobre a importância da cultura porque ela une todos os cabo-verdianos. O Município e a Região têm de se virar para a emigração, como fazem todos os países de emigração no mundo. Dou o exemplo de um país regionalizado como a Itália em que são os Municípios e as Regiões que organizam os seus emigrantes no exterior a ponto de quase todos regressarem de férias e com a suas famílias. Vou repetir o que escrevi num artigo publicado no Mindelact sob o titulo Os emigrantes têm direito também ao teatro: “durante três meses, ou seja nos meses de Julho, Agosto e Setembro, tudo é programado para receber os emigrantes e os turistas: os bancos, as igrejas, o cinema, o teatro, os restaurantes, as empresas de construção civil, quase tudo funciona 24/24 horas para responder às necessidades da sua economia. Em três meses ganha-se para viver o resto do ano com toda a tranquilidade. É a própria Câmara Municipal que organiza os voos charters para os seus emigrantes, rodeando-se dos melhores técnicos para o efeito. Os bancos e as empresas de construção visitam directamente os emigrantes para lhes fornecerem créditos, a taxas de juro baixíssimos, para a edificação das suas casas ou criação de empresas. A Câmara e as associações locais organizam festivais semanais de cinema, de teatro e de música clássica e tradicional, fazendo convergir para essas cidades milhares e milhares de turistas de outras localidades”.
          Precisamos de um banco para apoiar os emigrantes, de embaixadas que sejam uma vitrina cultural e social de Cabo Verde e que assumam um papel social e cultural na emigração e não simplesmente de uma fonte para recuperar as economias dos emigrantes.
          Precisamos de organizar um intercâmbio escolar para as crianças e encontros desportivos entre as equipas da diáspora, conferências anuais e debates dentro e fora de Cabo Verde, de uma participação maior dos nossos artistas em festivais e concertos sem amiguismos, simplesmente apostados em servir Cabo Verde.
          Necessitamos de serviços sociais e culturais nas embaixadas, que apoiem as nossas associações e os emigrantes com dificuldades económicas e sociais; de Casas de Cidadãos em todas as comunidades, para apoio na obtenção de documentos.
          A crise económica continua a bater às portas da Europa. Temos uma experiência ocorrida em 1974 em que muitos cabo-verdianos das colónias portuguesas regressaram de mãos vazias a Cabo Verde. Um caso idêntico já tinha acontecido em 1822 com a Independência do Brasil, em que milhares de portugueses perseguidos tiveram que regressar de mãos vazias a Portugal.
          Cabo Verde deve, pois, ter uma política de emigração para proteger os seus filhos em qualquer circunstância. Porque não criar seguros para emigrantes e que depois de X anos de cotizações poderiam beneficiar de uma pensão de reforma em Cabo Verde?
          Não vale a pena remoer o passado. Mas deve-se aprender com ele. Ainda temos conterrâneos nas roças de São Tomé e agradeço a recente intervenção do Presidente da República, Doutor José Carlos Almeida Fonseca junto do Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, no sentido de se resolver a situação dos cabo-verdianos que foram forçados a partir para escaparem da fome e aceitar as condições de um contrato humilhante nas roças de S. Tomé, para onde emigraram como portugueses, com direito ao regresso e a uma indemnização, fruto dos descontos mensais que faziam no quadro do contrato.
          Os emigrantes esperam pela materialização do Conselho das Comunidades previsto na Constituição; por uma Federação Mundial das Associações; por uma representação no Conselho Económico e Social e, ainda, pelo direito de voto nas eleições municipais e regionais, bem com por uma representação no Senado (se houver).
          Cabo Verde é um país novo com sucessos e insucessos e que precisa da contribuição de todos os seus filhos. E para isso é necessário ser repensado por todos os cabo-verdianos, acima dos interesses partidários e unidos por uma causa comum: Cabo Verde.
          Sendo a emigração um sacrifício por Cabo Verde, o emigrante deve merecer mais, a começar por direitos iguais aos compatriotas que vivem nas ilhas, para melhor servir a Nação. Pois, é preciso não esquecer que ele dispõe do monopólio da saudade, como dizia Baltasar Lopes.

Caboverdianamente,
Luiz Andrade Silva
Paris, 15/4/2017


sábado, 8 de abril de 2017



    O PECADO ORIGINAL E O PEDREGOSO CAMINHO DA REMISSÃO


      Luiz Silva, num seu artigo publicado há tempos no jornal “Notícias do Norte”, com o título “Autonomia e Regionalização”, afirmou: “Parece mesmo que se pretende a autonomia de Santiago, antes de todas as ilhas, com a concentração de todos os investimentos em Santiago em detrimento das outras ilhas, como o investimento no porto da Praia, a construção de estaleiros navais na Praia, universidades, centros culturais, etc., quando em São Vicente pouco ou nada se faz.”
     Estas palavras só poderão ter surpreendido quem abdicou das suas faculdades cognitivas ou vive completamente alienado, não se esforçando por deitar um olhar crítico ao que se passa à sua volta. E os que vivem onde os benefícios das opções políticas se concentraram, certamente que só terão motivo para abjurar as palavras daquele autor, não porque não lhes reconheçam justeza, mas porque a isenção é um predicado pouco conveniente quando se é parte interessada no diferendo.
     Este fenómeno que o Luiz Silva e os “regionalistas” vêm denunciando, teve a sua génese em 1975, a partir do momento em que o regime de partido único não só concentrou a totalidade do Estado num único lugar do país, como promoveu que isso viesse a tornar-se, em termos práticos, num objectivo primário e num propósito que o Estado perseguiu com aparente escrúpulo, com isso subvertendo a expectativa de igualdade generalizada que o ideário da independência criara em 1974 nos espíritos dos cabo-verdianos. Mesmo que alguma preocupação atinente a um justo equilíbrio no país estivesse ressalvado no coração do poder instituído, e não haverá razão para presumir o contrário, estava criado o paradigma que haveria de condicionar o modelo de desenvolvimento integral do país independente. O que o coração do poder político não pôde evitar, conseguiu-o a inadvertência de quem ainda não possuía estaleca de verdadeiro estadista ou não tinha a visão aguçada para a previsão e o acautelamento do futuro. Construíram os alicerces e, tijolo a tijolo, foi ganhando forma e consistência a arquitectura da “República de Santiago”, como lhe chamou, com propriedade, há anos, Onésimo Silveira.
     Fiquemo-nos por estas suposições, porque se entrarmos nos domínios da psicanálise política lembrar-nos-emos de que um responsável político afirmou alto e bom som, em 1975, que S. Vicente tinha de se preparar para sofrer sacrifícios depois de privilegiada, durante décadas, pelo colonialismo. Inacreditável! Mas outro factor adjuvante poderá ter pesado também na decisão tomada pelo poder político no acto da construção do novo Estado. Hoje, é mais uma vez a ilha de S. Vicente que está no centro da efervescência cívica a chamar a atenção do poder para a necessidade de uma mudança de paradigma, tal como agira em 1975 quando se movimentou para franquear a entrada do PAIGC no território. Por estranho que pareça, terá sido a identidade cultural bem vincada e demarcada da ilha de S. Vicente, que poderia ter sido fonte de inspiração e catalisadora de energia, a causa determinante da sua alienação a seguir à independência. Pois, como já aflorámos em outras intervenções, S. Vicente foi vítima de uma identidade própria, não ostensivamente exibida mas naturalmente assumida, por ela ser tendencialmente destoante do modelo de cultura social preferido pela política do nóvel Estado independente.
    Com feito, o facto de ser ilha de uma população com laivos próprios na sua idiossincrasia, terá constituído a razão por que não foi tida como credora da maior confiança do regime político que assumiu a condução dos destinos do país. Sim, sabia-se que o histórico movimento de consciencialização nacional cabo-verdiano nascido em S. Vicente – Movimento Claridoso − era prova bastante de que a história contemporânea do país teria naquela ilha a sua fonte natural de reconstituição anímica e ideológica, mas porventura com uma postura nunca acomodada. Provavelmente, os detentores da rédea política de então intuíram que uma sociedade vocacionada para a efervescência intelectual seria menos recomendável para o suporte dos alicerces do novo Estado do que uma população mais homogénea no seu perfil psicológico e porventura mais cordata com os desígnios do poder, principalmente se este a privilegia com o imediatismo da sua presença tutelar.
     É a esta última conclusão que temos forçosamente de chegar quando vemos que a estratégia política interna determinou a instalação e o entrincheiramento de todo o Estado num único lugar do território. Poderemos admitir que razões de ordem económica de algum modo tenham também intervindo na decisão, mas é sempre possível imaginar que pesou sobremaneira a necessidade de salvaguardar o reduto do poder político de eventuais ameaças ou perturbações sociais internas. Prosseguindo o raciocínio, dir-se-á que houve preocupação de preservar o poder dos inconvenientes da exposição mais promíscua a que ele ficaria sujeito com uma dispersão dos órgãos de soberania e das superestruturas de administração pública. Tudo concentrado e densificado transmite uma sensação de segurança que advém da homogeneidade, da simplificação modelada numa única linguagem política, da aparente solidariedade assente num monolitismo ideológico. No fundo, é a revelação da síndrome de intranquilidade de consciência que é comum aos regimes de feição autoritária ou que aí buscam a linha matricial da sua política. Mesmo que mitigado nos processos, como foi seguramente o nosso caso.
    Desta maneira, temos de convir que a concepção do Estado em Cabo Verde criou o ónus de um pungente Pecado Original, de tal forma ele tende a ser de difícil remissão, de tal modo tende a condicionar o futuro colectivo, anquilosando-o num único ponto de florescência, em lugar de lhe permitir nódulos de germinação natural e espontânea, com a fertilização bem-vinda do húmus da democracia. Esse pecado, por analogia bíblica, produz um efeito hereditário, ou atavismo, e faz com que a Ilha capital continue a ser alvo privilegiado dos maiores investimentos, em larga e manifesta desproporção com o resto do país. O grande problema que hoje se nos apresenta é saber como confessar esse pecado à puridade para assim se livrar dos seus efeitos maléficos, susceptíveis de perpetuarem de geração em geração. A desconcentração dos órgãos de soberania e de outras instituições superiores do Estado poderia ser o primeiro passo para a remissão desse pecado. Infelizmente, os sinais que fomos colhendo sempre apontaram para o sentido contrário, e, reconhecidamente, o pecado deixou de ser culpa exclusiva do partido fundador da independência, já que o que se lhe seguiu na cadeira do poder não deu mostras de querer professar um credo diferente. A ideologia e a justiça deixaram de ser os referenciais básicos da orientação política, porque passou a pesar inapelavelmente a carga do compromisso com a clientela que se instalou e cresceu desmesuradamente na Praia à custa dos erros e vícios em que a política incorreu. Seja a clientela pública ou privada.
    Demonstrado que a política agiu ao arbítrio da História e das aspirações naturais das diversas populações das ilhas, é por esta óptica irrecusável que temos de olhar para o abandono acentuado sofrido pela ilha de S. Vicente e outras, mas sobretudo, e ostensivamente, a ilha do Porto Grande, já que ela tinha e tem potencialidades exploráveis que recomendavam lhe fosse dispensado um tratamento mais consentâneo com o seu passado e a sua importância na economia e na cultura do arquipélago. A pobre desta ilha, nas mãos do poder político, foi como um balão picado com um subtil alfinete para que se fosse esvaziando lenta e silenciosamente, com o cuidado apenas de lhe disfarçar o estertor final com alguns paliativos, para que quem assistisse não se espantasse com o estrondo do rebentamento.
     Infelizmente, nem mesmo a partir de 1991, com a abertura democrática, e contrariamente ao que seria de esperar, houve coragem, arte ou bom senso políticos para alterar o paradigma e evitar, talvez ainda a tempo, que a capital evoluísse continuamente para uma realidade hiperbólica e que Santiago continuasse a deter com chocante desmesura os privilégios dos investimentos, a ponto de o concelho de Santa Catarina, o segundo dessa ilha, se superiorizar à ilha de S. Vicente, a segunda ilha do arquipélago, e antigamente a primeira, na fruição do bolo orçamental, como ainda neste ano se verificou. 
     Na verdade, é irrefutável o erro clamoroso de conceber o figurino político-administrativo do Estado mercê de uma visão tão radicalmente concentracionária, tão exclusivista e castradora das mais legítimas aspirações de um povo que se define precisamente pela diversidade da sua natureza intrínseca. Diversidade que é fatalmente geográfica, mas fundamentalmente sociológica, psicológica e cultural.
     E o resultado era inevitável. Como é dos livros, depois de um Estado assentar todo o seu arraial numa só cidade/ilha, tudo o que sobrevém passa a ser causa e consequência do próprio Estado aglutinado e absorvente, que, com a sua inércia, vai estimulando indirectamente a atracção da periferia, que aos poucos se vai esboroando e desertificando para se acolitar à sombra proteccional do conglomerado de recursos possíveis. Por esta dinâmica é que se criaram assimetrias no território e, reflexivamente, na mente das populações, assimetrias indesejáveis que um Estado atento e curial tinha o dever de prevenir e eliminar, em vez de continuar a criar condições propiciadoras da sua perpetuação, como foi acontecendo, e não obstante repetidos alertas emitidos pela sociedade civil, nomeadamente na ilha de S. Vicente.
     Não fora essa visão arbitrária do conjunto nacional, não haveria hoje lugar aos sinais de descontentamento que foram surgindo nas ilhas marginalizadas, com cidadãos de S. Vicente, residentes e em comunidades exteriores, a liderar um movimento cívico em ordem à mudança do actual modelo de Estado e à adopção de um projecto de descentralização e regionalização.
     Nesta altura, a nossa expectativa vira-se para a promessa do actual governo do MpD no sentido de conceber, propor e submeter ao Parlamento um projecto de descentralização da administração pública e criação de regiões administrativas no país, ao encontro das reivindicações promovidas pelos defensores do processo.
     Por enquanto, não haveria razão para supor que as nossas expectativas estão a ser frustradas, porque nada de concreto veio ainda a lume. Contudo, os sinais que vêm sendo emitidos pelo Governo parecem em contraciclo com os propósitos anunciados sobre o reequilíbrio político-administrativo do território nacional. Na abertura do Parlamento, para apresentação do programa do actual governo, a primeira medida foi a aprovação do Estatuto Especial para a cidade da Praia, como se tal matéria significasse o cume das prioridades nacionais, como se tal medida não pudesse ser enquadrada racionalmente na reforma do Estado prometida na campanha eleitoral e com a qual o MpD capitalizou o voto maioritário do povo da ilha de S. Vicente. Mas outros mais sinais vêm desmentindo a intenção propalada pelo governo do MpD, parecendo mesmo afrontar a intencionalidade do que fora prometido. Um sinal absolutamente incompreensível, e intolerável, foi ter colocado a ilha de S. Vicente em quinto lugar na ordem da distribuição do bolo orçamental para este ano, ficando muito abaixo do concelho de Santa Catarina da ilha de Santiago. Além disso, tem havido sucessivas notícias sobre avultados investimentos estrangeiros direccionados sempre para o mesmo destinatário – a ilha de Santiago − dando a ideia de que existe uma mancomunação na estratégia negocial com o estrangeiro a vincular prioritariamente a ilha capital, como se Cabo Verde não fosse uma realidade nacional de nove ilhas habitadas.
     Este surto de sinais negativos, contrariando flagrantemente o prometido pelo actual governo às ilhas marginalizadas pela política centralista e pela estratégia concentracionária promovidas ao longo de décadas, não pode deixar de inquietar os mindelenses. Porque não é possível descortinar uma conexão lógica entre a intenção anunciada e alguma factualidade recente, a menos que o surrealismo tenha passado a ser a marca de água do comportamento político em Cabo Verde.    
     Como disse José Fortes Lopes num seu artigo − “As Novas Encruzilhadas de Cabo Verde”−, não podemos permanecer emudecidos, impávidos ou indiferentes, à espera que seja só poder político a alinhavar o nosso destino. De facto, a democracia só vale a pena e só realiza os seus desígnios se houver uma permanente interacção entre a sociedade, os governos e as forças políticas.
     Por isso, é imperioso que o tema da regionalização seja “socializado” em todos os fóruns de discussão possíveis, oficiais ou privados. O projecto de lei que, como se espera, a seu tempo será divulgado, não pode deixar nenhum cidadão indiferente, sobretudo nas ilhas da periferia do poder. Cada um de nós tem de tomar posição porque é o futuro que está em causa. O Pecado Original cometido há mais de quarenta anos tem de ser remido por todos, ainda que se preveja pedregoso e semeado de escolhos o caminho da remissão.


Tomar, Março de 2017

Adriano Miranda Lima