terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Centralismo e a Utopia do Estado-Nação Centralista (b) 
Na parte (a) deste artigo analisamos o problema do centralismo em Cabo Verde do ponto de vista político.
É no campo socioeconómico que a ideologia do centralismo tem efeitos mais nefastos. Ela desembocou num absurdo social e económico, impensável há uma ou duas gerações: todos os cabo-verdianos têm, por força de um ideário partidário, de colaborar na construção de uma “agenda da transformação” revolucionária desfocada dos tempos modernos, na criação de um novo paradigma determinado por uma estreita e perniciosa visão ideológica. Nesta perspectiva, todos os recursos humanos económicos e financeiros tendem a privilegiar a capital de Cabo Verde, Praia/Santiago: a ilha de todas as oportunidades. Ao mesmo tempo, as ilhas hoje consideradas periféricas, nomeadamente as do norte, são condenadas a uma expiação eterna por não se encaixarem nesta visão utópica. Resultado um nivelamento por baixo no arquipélago, a 2ª ilha desaparece do mapa político do país. Nesta óptica, o ímpeto na construção deste ‘Estado-Nação’ centralista é assim impresso por pessoas que ignoram ou desprezam a verdadeira história de Cabo Verde, interpretando à sua maneira e conveniência política a sua origem quinhentista e o percurso evolutivo. É esta visão de Cabo Verde que precisamente põe em risco a verdadeira unidade nacional, que alegam defender, ao não acautelar valores fundamentais que sempre caracterizaram o país durante séculos e que hoje fazem parte de conquistas da humanidade civilizada: a diversidade, a interdependência, a complementaridade e a subsidiariedade.
Para Alte Pinho (4), é o próprio centralismo que põe em causa a integridade do país:” não é a regionalização que põe em causa a integridade nacional, antes, sim, as assimetrias sociais e regionais que, por exemplo, no caso de São Nicolau, colocam a ilha no primeiro lugar do ranking do desemprego em Cabo Verde e fazendo dela uma das regiões mais isoladas do país. Ou seja, a política centralista é que tem vindo a pôr em causa a unidade nacional, gerando fenómenos de desenvolvimento a várias velocidades, colocando as chamadas ilhas periféricas na cauda do progresso e do desenvolvimento social.”
 Em relação a esta questão os recentes editoriais do Expresso das Ilhas (5,6), o principal jornal afecto ao partido da oposição, o MPD, vêm dar razão a algumas recriminações que temos tecido ao actual regime cabo-verdiano. Como vemos denunciando há muito tempo, o regime tenta através de operações mediáticas e muito politicamente correctas, operar lavagens cerebrais, reinventando e reescrevendo diversas versões da história de Cabo Verde, com uma visão por demais provinciana, partidarizada, ideologizada e fracturante. Aspectos e eventos irrelevantes, por serem muito locais e situados no tempo e no espaço, são generalizados para todo o país, transformando-os em eventos de dimensão épica, para serem posteriormente utilizados, como no tempo da Rússia Soviética, na construção de uma nova narrativa histórica. O problema mais grave é o da ideologização e instrumentalização política do ensino, como denuncia o jornal (5): ‘Em Cabo Verde toma-se como normal recorrer ao sistema de ensino para se passar as mais diferentes mensagens. Arregimentam-se crianças em marchas pelas ruas a favor de causas as mais diversas. Matérias que dividem a sociedade como é caso da adopção do Alupec e do ensino do crioulo são unilateralmente forçadas no ensino pretendendo com isso acabar com todo o debate e impor uma decisão única para a matéria. O sistema educativo é visto no essencial como um aparelho ideológico do Estado através do qual preferências políticas, interpretações da história e agendas partidárias são passadas para as camadas mais influenciáveis da sociedade – os seus jovens e crianças. Resistências socias a isso não são muitas. Persiste a tentação de se moldar as novas gerações no ideal do homem novo. Não se apropriou ainda o princípio constitucional de que o Estado não deve impor opções políticas, filosóficas ou estéticas aos cidadãos da república.’ 
Como todas as utopias se esbarram contra o real, elas têm custos elevados quando simplesmente baseadas em pressupostos falsos ou imaginários. Na realidade, há muito tempo que se observam os disfuncionamentos diversos no sistema social económico e político de Cabo Verde, não obstante um aparente crescimento. É um facto que a economia cabo-verdiana nunca verdadeiramente se descolou, o país vive eternamente da assistência ou da caridade de países amigos, a sua balança comercial é eternamente deficitária, não exportando nem em quantidade nem em qualidade bens e serviços: os serviços como o turismo são incipientes, mal concebidos ou geridos (o país não está preparado para esta indústria (tão pouco para outras), como vêm denunciando sucessivos observadores externos, consumidores e utilizadores). Ou seja, o país não se financia minimamente a si próprio, apesar de 40 anos independente.
O problema de Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver com os modelos de economia e de organização política montados e que já mostraram os seus limites, não produzindo os frutos esperados. O dilema actual de Cabo Verde é magistralmente resumido no editorial do Expresso da Ilhas (6) da seguinte maneira: ‘Depois do tudo o que foi feito nesta década e meia do século XXI o país funciona ainda no quadro de reciclagem de ajuda externa. O modelo está esgotado mas não se sabe como deixá-lo e partir para outro. O pior é que aparentemente a preocupação maior não é procurar uma saída e mover o país para fora deste atoleiro que no ano passado só lhe deixou crescer a uma taxa de 0,5%, mas sim ganhar mais cinco anos de poder nas eleições de 2016. Naturalmente que as pessoas estão confusas. Esperam uma resposta da classe política e em particular de quem governa. Sabem que alternativas só virão com as eleições. Até lá quem tem os instrumentos e os recursos para governar deve saber mobilizar a vontade colectiva e dirigi-la para a concretização de objectivos que a todos sirvam directa ou indirectamente. Pena que o eleitoralismo reinante impeça a troca de ideias e o necessário debate para se identificar saídas para a situação actual.’ (continua)

Bibliografia

4-http://www.jsn.com.cv/index.php/sao-nicolau/1809-regionalizacao-em-debate-os-novos-caminhos-para-cabo-verde

5-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43043-editorial-deixar-de-instrumentalizar-a-educacao.
6-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43084-editorial-overnacao-ou-gestao-eleitoral?

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