O Centralismo e a
Utopia do Estado-Nação Centralista (b)
Na parte (a) deste artigo analisamos o problema do
centralismo em Cabo Verde do ponto de vista político.
É no campo socioeconómico que a ideologia do centralismo
tem efeitos mais nefastos. Ela desembocou num absurdo social e económico,
impensável há uma ou duas gerações: todos os cabo-verdianos têm, por força de
um ideário partidário, de colaborar na construção de uma “agenda da
transformação” revolucionária desfocada dos tempos modernos, na criação de um
novo paradigma determinado por uma estreita e perniciosa visão ideológica.
Nesta perspectiva, todos os recursos humanos económicos e financeiros tendem a
privilegiar a capital de Cabo Verde, Praia/Santiago: a ilha de todas as
oportunidades. Ao mesmo tempo, as ilhas hoje consideradas periféricas,
nomeadamente as do norte, são condenadas a uma expiação eterna por não se
encaixarem nesta visão utópica. Resultado um nivelamento por baixo no
arquipélago, a 2ª ilha desaparece do mapa político do país. Nesta óptica, o
ímpeto na construção deste ‘Estado-Nação’ centralista é assim impresso por
pessoas que ignoram ou desprezam a verdadeira história de Cabo Verde,
interpretando à sua maneira e conveniência política a sua origem quinhentista e
o percurso evolutivo. É esta visão de Cabo Verde que precisamente põe em risco
a verdadeira unidade nacional, que alegam defender, ao não acautelar valores
fundamentais que sempre caracterizaram o país durante séculos e que hoje fazem
parte de conquistas da humanidade civilizada: a diversidade, a
interdependência, a complementaridade e a subsidiariedade.
Para Alte Pinho (4), é o próprio centralismo que
põe em causa a integridade do país:” não é a regionalização que põe em causa a integridade nacional, antes,
sim, as assimetrias sociais e regionais que, por exemplo, no caso de São
Nicolau, colocam a ilha no primeiro lugar do ranking do desemprego em Cabo
Verde e fazendo dela uma das regiões mais isoladas do país. Ou seja, a política
centralista é que tem vindo a pôr em causa a unidade nacional, gerando
fenómenos de desenvolvimento a várias velocidades, colocando as chamadas ilhas
periféricas na cauda do progresso e do desenvolvimento social.”
Em relação a esta
questão os recentes editoriais do Expresso das Ilhas (5,6), o principal jornal
afecto ao partido da oposição, o MPD, vêm dar razão a algumas recriminações que
temos tecido ao actual regime cabo-verdiano. Como vemos denunciando há muito
tempo, o regime tenta através de operações mediáticas e muito politicamente
correctas, operar lavagens cerebrais, reinventando e reescrevendo diversas
versões da história de Cabo Verde, com uma visão por demais provinciana,
partidarizada, ideologizada e fracturante. Aspectos e eventos irrelevantes, por
serem muito locais e situados no tempo e no espaço, são generalizados para todo
o país, transformando-os em eventos de dimensão épica, para serem
posteriormente utilizados, como no tempo da Rússia Soviética, na construção de
uma nova narrativa histórica. O problema mais grave é o da ideologização e
instrumentalização política do ensino, como denuncia o jornal (5): ‘Em Cabo Verde
toma-se como normal recorrer ao sistema de ensino para se passar as mais
diferentes mensagens. Arregimentam-se crianças em marchas pelas ruas a favor de
causas as mais diversas. Matérias que dividem a sociedade como é caso da
adopção do Alupec e do ensino do crioulo são unilateralmente forçadas no ensino
pretendendo com isso acabar com todo o debate e impor uma decisão única para a
matéria. O sistema educativo é visto no essencial como um aparelho ideológico
do Estado através do qual preferências políticas, interpretações da história e
agendas partidárias são passadas para as camadas mais influenciáveis da
sociedade – os seus jovens e crianças. Resistências socias a isso não são
muitas. Persiste a tentação de se moldar as novas gerações no ideal do homem
novo. Não se apropriou ainda o princípio constitucional de que o Estado não
deve impor opções políticas, filosóficas ou estéticas aos cidadãos da república.’
Como todas as utopias se esbarram contra o real, elas têm
custos elevados quando simplesmente baseadas em pressupostos falsos ou
imaginários. Na realidade, há muito tempo que se observam os disfuncionamentos
diversos no sistema social económico e político de Cabo Verde, não obstante um
aparente crescimento. É um facto que a economia cabo-verdiana nunca
verdadeiramente se descolou, o país vive eternamente da assistência ou da
caridade de países amigos, a sua balança comercial é eternamente deficitária,
não exportando nem em quantidade nem em qualidade bens e serviços: os serviços
como o turismo são incipientes, mal concebidos ou geridos (o país não está preparado
para esta indústria (tão pouco para outras), como vêm denunciando sucessivos
observadores externos, consumidores e utilizadores). Ou seja, o país não se
financia minimamente a si próprio, apesar de 40 anos independente.
O problema de Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver
com os modelos de economia e de organização política montados e que já mostraram
os seus limites, não produzindo os frutos esperados. O dilema actual de Cabo
Verde é magistralmente resumido no editorial do Expresso da Ilhas (6) da
seguinte maneira: ‘Depois do tudo o que
foi feito nesta década e meia do século XXI o país funciona ainda no quadro de
reciclagem de ajuda externa. O modelo está esgotado mas não se sabe como
deixá-lo e partir para outro. O pior é que aparentemente a preocupação maior
não é procurar uma saída e mover o país para fora deste atoleiro que no ano
passado só lhe deixou crescer a uma taxa de 0,5%, mas sim ganhar mais cinco
anos de poder nas eleições de 2016. Naturalmente que as pessoas estão confusas.
Esperam uma resposta da classe política e em particular de quem governa. Sabem
que alternativas só virão com as eleições. Até lá quem tem os instrumentos e os
recursos para governar deve saber mobilizar a vontade colectiva e dirigi-la
para a concretização de objectivos que a todos sirvam directa ou
indirectamente. Pena que o eleitoralismo reinante impeça a troca de ideias e o
necessário debate para se identificar saídas para a situação actual.’ (continua)
Bibliografia
4-http://www.jsn.com.cv/index.php/sao-nicolau/1809-regionalizacao-em-debate-os-novos-caminhos-para-cabo-verde
5-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43043-editorial-deixar-de-instrumentalizar-a-educacao.
6-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43084-editorial-overnacao-ou-gestao-eleitoral?
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