O Centralismo e a
Utopia do Estado-Nação Centralista (c)
Na parte (b) deste artigo concluímos que o problema de
Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver com os modelos de economia e de
organização política montados e que já mostraram os seus limites, não
produzindo os frutos esperados. Para além disso, hoje há sinais perturbadores
de decadência (corrupção, insegurança, criminalidade) a todos os níveis
sociais, para além das novas e crescentes ameaças que se perfilam no mundo. A
situação concentracionária na capital e na sua periferia levada ao paroxismo,
tem criado, perante a indiferença de todos os actores políticos, problemas
sociais, económicos, ambientais e de segurança sem precedentes, tendo tendência
a alastrar-se para todo o país, o que põe em risco a sua própria segurança e
estabilidade. Por outro lado, a situação que se vive hoje a ilha de S. Vicente,
a 2ª ilha do país pela sua importância, onde se instalara no século passado
toda a elite cabo-verdiana, assim como cidadãos de todo o mundo, é a evidência
trágica de uma despudorada falácia, do falhanço que é hoje o modelo de
desenvolvimento do Cabo Verde. Nesta ilha, foram feitas há 40 anos promessas
nunca cumpridas: Monte Cara viu os barcos todos passarem ao largo. O estado em
que se encontra a ilha, revela a falência do ideal que ela interiorizou no
período de abertura 25 de Abril de 1974 e o 5 de Julho de 1975, mas é também o
colapso das utopias e energias que mobilizaram vários estratos sociais da ilha
e do país neste período. É este povo de S. Vicente que em 1975 ouviu proclamar
alto e bom som que viriam melhores dias para a ilha, que continua a não
descolar da extrema pobreza e não vê qualquer perspectiva para o seu futuro. É
a ilha Fantasma hoje no seu todo, um
autêntico atoleiro de projectos e energias que não se revelaram viáveis ou
sustentáveis, um cemitério de elefantes brancos. Não circulando dinheiro nela,
não há condições para a atracção das elites dos negócios, nem para se
instalarem institutos e as empresas onde se reciclam os dinheiros da ajuda
internacional destinados a Cabo Verde. Isto porque os fenómenos económicos se
interligam fatalmente com os sociais na sua natureza sistémica. Talvez seja por
isso que a elite que reside em S. Vicente se tornou subserviente e resignada, à
espera das iniciativas vindas da Praia ou de algures, contentando-se com as
migalhas que sobram dos banquetes da elite da capital, cabendo-lhe apenas
produzir Festivais. O centralismo político foi o ‘coup de grace’ para S.
Vicente, o presente envenenado do PAIGC, e utilizado em doses cavalares e
tóxicas pelo novo PAICV (ver Nota em (7)). S. Vicente tem, assim, pago com
lágrimas, suor e sangue, a construção deste país que é Cabo Verde, que
paradoxalmente e inexoravelmente afasta-se dele cada dia mais.
Mesmo assim deve-se reconhecer que Cabo Verde, mudou pelo
bem e pelo mal, comparado com a situação antes da independência. Todavia, o
país apesar de ter tido neste período um crescimento económico, de que se
vangloriam os vários governos, nada mais fez do que acompanhar o ritmo do
crescimento mundial, graças à injecção da ajuda estrangeira. É evidente que
crescimento não é desenvolvimento, e sem este, as classes mais desfavorecidas
terão menos acesso ao trabalho e não poderão ver realizados os seus sonhos.
Na realidade, enquanto choverem os apoios da comunidade
internacional e continuar a fluir dinheiro fresco para capital para sustentar a
elite oligárquica ali instalada, assobiando sempre para o lado e separada da
população do resto do país, vai-se dizendo: « Après moi le déluge », como dizia Louis XV, (depois
de morrer que venha o dilúvio). Com este estado de coisas, as soluções para o
país continuarão a ser adiadas ou proteladas.
Sobre este assunto é
interessante revisitar Amilcar Cabral. Carlos Cardoso (8) resume a visão
romântica de Cabral do desenvolvimento expresso da seguinte maneira e que pode
servir de mensagem ao actual poder pela sua actualidade:
“Nós estamos a lutar para o progresso da nossa terra, temos que fazer
todos os sacrifícios para conseguirmos o progresso da nossa terra, na Guiné e
em Cabo Verde. Temos que acabar com todas as injustiças, todas as misérias,
todos os sofrimentos. Temos que garantir às crianças que nascem na nossa terra,
hoje e amanhã, a certeza de que nenhum muro, nenhuma parede será posta diante
delas. Elas têm que ir para a frente, conforme a sua capacidade, para darem o
máximo, para fazerem o nosso povo e a nossa terra cada vez melhores, servindo
não só os nossos interesses mas também os interesses da África, os interesses
da humanidade inteira» Este postulado pode parecer abstracto, mas reflecte um
pensamento profundo”. Este desejo de Amilcar Cabral, ontem como hoje, é
subversivo, pois mexe com interesses instalados. Aliás, o paradoxo entra pelos
olhos e devia questionar algumas consciências pois o país parece hoje
constituir um sumidouro de esperanças e energias para os jovens deserdados.
Este artigo continua:
“Cabo Verde o fim das Utopias: Os
Caminhos para uma 3ª Via”.
Referências:
7-Entre o Centralismo, a Regionalização e as Reformas: o
dilema do Regime e das Elites. http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/1986-jose-fortes-lopes-entre-o-centralismo-a-regionalizacao-e-as-reformas-o-dilema-do-regime-e-das-elites-ii
8- Revisitando o conceito de desenvolvimento no pensamento de Amílcar Cabral,
Carlos Cardoso, http://www.codesria.org/IMG/pdf/Carlos_Cardoso-2.pdf
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