sábado, 6 de julho de 2019


4- Cabo Verde 40 anos Depois Da Independência:
1ª Parte- Quando Cabo Verde renasce em S. Vicente (Janeiro de 2015)
Não agradará a alguns, mas é um facto ilha de S. Vicente, mais propriamente na cidade do Mindelo, graças a um histórico concurso de circunstâncias e a conjugação de factores externos e endógenos, jogou um papel fundamental na génese do Cabo Verde moderno, na passagem à modernidade, após o que foi considerado uma longa noite colonial, quando o arquipélago deixou de ter a importância estratégica no seio do império português e mergulhou no marasmo. É ainda nesta cidade que se criam as condições políticas em 1974 para a existência do Cabo Verde que se conhece hoje, ou seja um país independente, uma situação criada por um evento inesperado, extraordinário, que foi o 25 de Abril.
 Foi precisamente em S. Vicente, nos meados do século XIX que se dava a luz o novo Cabo Verde e nascia um autêntico homem novo cabo-verdiano, que rompia com a vida rural, semi-feudal do fim da escravatura, para abraçar nesta ilha uma vida urbana livre, sob impulso do capitalismo mercantilista britânico, que estabeleceu os seus arraiais em torno da Baia do Porto Grande, com o intuito de controlar a importante rota do Atlântico Médio para seu império, rota que já tina sido exclusiva do império portrugues.
S. Vicente encarnava para o cabo-verdiano fechado no horizonte montanhoso da sua ilha natal, um El Dorado, a liberdade, o trabalho, o mundo e sobretudo a perspectiva da emigração. A conjugação da massa crítica social, a existência do porto  associado a atractividade que exercia a presença britânica no mesmo,  e as condições socio-económicas liberais que isto tudo proporcionou, forjaram nesta ilha um espírito de abertura ao mundo e uma identidade peculiar. Esta identidade nascida do urbanismo, da industrialização seria o molde, o substacto para a identidade cabo-verdiana moderna, que iria, como estudiosos defendem, potenciar as aspirações para a formação da nação Cabo Verdiana do século XX e o estado independente.
Sobre este ponto a relação entre a identidade cabo-verdiana moderna e a cidade do Mindelo Ondina Ferreira (1)  escreve: Aproveitaria esta oportunidade para transcrever excertos de um texto que retirei do “blogue” «Arrozcatum» de Zito Azevedo “ (…) na segunda metade do séc. XIX, Mindelo torna-se um pólo de atracção para camponeses sem terra, que fogem da fome e da miséria, para famílias de importantes proprietários agrícolas ou comerciantes que aqui encontram melhores oportunidades de negócio e também para aqueles que, por serem mais escolarizados, podem encontrar bons empregos na Administração e Serviços. Vêm principalmente das ilhas de Santo Antão e São Nicolau, mas ao longo dos tempos é todo o arquipélago que aqui se cruza. No dizer de Onésimo Silveira, S. Vicente é a única ilha povoada por cabo-verdianos.”In: «Arrozcatum» blogspot.com Zito Azevedo, “A Formação da Sociedade Mindelense“. Esta asserção a negritos da tese de Onésimo Silveira – e é aí que a transcrição tem sentido para este escrito – relativamente ao povoamento inicial da ilha de S. Vicente, com algumas tentativas conhecidas a partir do século XVIII, vem ao encontro da tese da identidade já completamente formada, cujos sujeitos povoadores, vindos de outras ilhas, maioritariamente, de Santo Antão e de S. Nicolau aportaram a S. Vicente – a última a ser povoada – O que só exalta o papel do mestiço, isto é, do filho das ilhas que pôde inclusivamente, povoar uma das ilhas do arquipélago cabo-verdiano. Adriano Lima acrescenta interrogações pertinentes sobre esta temática: para quê tanta preocupação com a nossa questão identitária?. O povoamento da ilha de S. Vicente gerou um cabo-verdiano liberto de complexos étnicos e culturais e é por isso que a mentalidade e as inclinações idiossincráticas do homem do Mindelo são as mesmas, sem distinção de cor de pele ou estrato social ou cultural. Não é que eu queira fazer a apologia do perfil humano do mindelense, até porque a sua mentalidade tem aspectos passíveis de censura, mas se há processo de mestiçagem a merecer curiosidade histórica é o que ocorreu em S. Vicente. E note-se que o processo não se circunscreveu à ilha do Porto Grande, propagou-se e influenciou o cabo-verdiano de outras ilhas, momente no Grupo Barlavento, e é isso que os “ascentralistas” não aceitam por denegar os pressupostos da sua  abordagem política do tema". 
Com a independência nasce um novo paradigma baseado na ideologia reinante dos anos 60/70. A visão de desenvolvimento que imperava então, era a revolucionária e justicialista, pintada com um certo maniqueístas, que consistia na ruptura com o passado, uma tentativa de mudar o mundo e libertar os Homens corrompidos espiritualmente pelo colonialismo. Na realidade segundo os ideólogos os países recém-nascidos da descolonização, devia-se fazer uma ruptura com o passado colonial, mudar 180º o rumo, marginalizar aquilo que os colonialistas privilegiaram e priorizar aquilo que foi marginalizado e oprimido, numa tentativa de vingar as injustiças, e de extirpar as sequelas do colonialismo. Uma tal política segundo eles libertaria definitivamente o país, ao romper com o passado. O drama destas teses, bem intencionadas, em que se tenta aplicar a justiça linearmente e mecanicamente, é que os seus resultados podem ter efeitos contra-productivos ou nefastos. Acontece que segundo alguns ideólogos fundamentalistas S. Vicente pela forte presença ocidental e colonial era, precisamente, a ilha filha bastarda do colonialismo, a aliada do colonialismo. Opções tomadas numa óptica demasiadamente ideológica não poderiam, pois, eleger, logo à partida, a ilha como motor do desenvolvimento de Cabo Verde, redundariam a longo prazo no nivelamento por baixo do arquipélago, e na queda vertiginosa da ilha. Onde o ‘bas blesse’ é que na ausência de projecto credível para Cabo Verde, o investimento no interior do país não saldou no desenvolvimento da agricultura que pudesse gerar uma auto-suficiência alimentar e uma nova economia do país. Sem agricultura, industria e turismo, não havia motores de desenvolvimento, as perpectivas para o país tornaram-se sombrias, sem fonte de receitas, transformava-se num eterno assistido da comunidade internacional.

2ª Parte- Da  Independência à 1ª Via
É comum afirmar-se que Cabo Verde é um país que nasceu de um sonho utópico. Na realidade reza a história que o sonho de uma nação independente parece ter sido acalentado desde o século XIX por uma elite cabo-verdiana proto-nacionalistas, influenciada pela independência do Brasil, embora esbarrando no modus operante para a sua conquita, os meios para a sua concretização e viabilidade, para um arquipélago desprovido de qualquer recurso. Inegavelmente foi Amilcar Cabral e o partido que fundou em terras da Guiné, que permitiram concretizar o sonho da independência de Cabo Verde. Mesmo assim a génese deste movimento não é alheio às reivindicações nacionalistas,/independentistas dos anos 60 nascidas nos países africanos, locais onde radicava uma importante comunidade emigrante, como é o caso do Senegal, uma colónia francesa bastante desenvolvida em contraste com Cabo Verde. É claro que embora a Guiné e Cabo Verde atingiram a independência em 1974 e 1975, concretizando o sonho de Amilcar Cabral, e hoje são dois estados soberanos, o cerne do projecto inicial inspirado por ele, consistia numa unidade orgânica das duas nações (a Unidade Guiné Cabo Verde).
Não se pode esquecer que esta ideia inspirava-se do pan-africanismo uma ideia muito forte nos meios nacionalistas africanos dos anos 60 e que se inseria numa antevisão do projecto de integração africana, um pouco como vinha acontecendo um pouco por todo o Mundo (Europa, América) com a criação de várias estruturas de integração supranacionais. Todavia a Unidade Guiné Cabo Verde não deixava de ser uma das principais fraquezas, o calcanhar de Aquiles do projecto político do PAIGC: a razão da própria existência deste partido supranacional, acabava por ser o germe da destruição do mesmo. As dificuldades conceptuais e práticas na implementação do projecto da Unidade Guiné Cabo Verde, durante a luta de libertação na Guiné, não deixou de ser admiravelmente explorado e combatido pelas autoridades coloniais portuguesas, com argumentos, hoje incontestáveis, o da sua inviabilidade concreta e prática. O facto de Portugal não pretender abrir a mão do arquipélago de Cabo Verde, dado a sua importante posição geoestratégica, fortalecia-o na sua argumentação contra este projecto, contribuindo talvez para o seu fracasso futuro. Os mesmos argumentos seriam retomados pelos detractores do PAIGC, no pós-25 de Abril, acabando por constituir o principal pomo de discórdia entre os protagonistas no terreno em Cabo Verde, no período de 1974/1975, que levou tanta a gente para a prisão,expropriada, torturada e exilada de Cabo Verde. Este mesmo projecto seria a razão do Golpe de Estado de 1981 na Guiné Bissau que pôs termo definitivamente a qualquer pretensão nesta matéria. Paradoxalmente o estado de Cabo Verde que é hoje um Estado de Direito e respeitante das diversas convenções internacionais, vê-se hoje obrigado a uma Lei da Reconciliação Nacional Estado e a pagar “avultadas indemnizações” a expropriados da independência (3). Uma competente bofetada a todos os ‘revolucionários’, que engolem mais um sapo, o da ‘realpolitik’ .
A partir da Independência em 5 de Julho de 1975 os dois países divergiram-se inexoravelmente e irreversivelmente da linha traçada por Amilcar Cabral. era aceitável do ponto de vista teórico, pois na altura os dois estados separados pareciam inviáveis, era demais utópico, inviável, contranatura, tendo em conta aquilo que sabemos hoje sobre a natureza dos dois povos e países.
O que mais restará do núcleo duro da ideologia de Cabral em Cabo Verde? O que restará da ideia da sociedade justa, sem classes e livre da exploração do homem pelo homem, inspirada nos ideais socialismo do século XX? Nada! Mas, felizmente para Cabral, não foi somente na Guiné e em Cabo Verde que este ideal não foi concretizado. Um pouco por todo o Mundo o ideal tornou-se uma miragem. Ou não foram os próprios comunistas renovadores e os socialistas uma vez no poder (ao longo do século XX) que optaram pela gestão social do capitalismo, demostrando a impossibilidade de cumprir este ideal num mundo dominado pelas relações capitalistas, em que procura de vantagens competitivas entre as nações e jogos do mercado e do capital livres é prioritário face a qualquer questão ideológica. Os interesses de Estado e a competição internacional são, pois, uma camisa-de-forças que se sobrepõe às ideologias. Pois se na ex-URSS, a crueza do capitalismo de estado, ou o socialismo real, escondia a realidade da Utopia, foi Deng Xiao Ping na China, ao querer introduzir magicamente doses de Capitalismo no Comunismo, que num estalar de dedos provocou a queda da ideologia que suportava os estados ditos socialistas no Mundo, provocando por efeito dominó a queda do bloco ‘socialista’ europeu. Paradoxalmente, Deng Xiao Ping acreditava na possibilidade da coexistência do socialismo num mundo dominado pela economia de mercado.
No caso de Cabo Verde, paradoxalmente, não obstante, o facto que do partido que se pretende de esquerda e seguidor de Amilcar Cabral e de estar no poder, e governar quase continuamente Cabo Verde durante mais tempo do que qualquer outra força política, a sociedade cabo-verdiana, não sendo excepção do que se passa por todo o Mundo, tornou-se cada vez mais desigual e caminha para situações irreversíveis, onde o fosso entre os ricos e os pobres aumenta inexoravelmente. A situação é paradoxal pois trata-se de uma economia de mercado, mas devido à história do país e os próprios condicionalismos ideológicos, criou-se o pior dos capitalismos, o controlado pelo Estado, mas onde impera amigos e camaradas, com regras liberais, aplicadas quando lhes convém, à discrição, e muitas vezes em detrimento do cidadão. Para além disso, o PAICV partido herdeiro do PAIGC, para se perpetuar no poder e adaptar aos novos ventos mudou, rejuvenesceu, vestiu a camisola ideológica do MPD, liberalizou-se, surfando na vaga dos novos tempos da democracia e da mundialização, tirando assim muito dos argumentos à oposição, que ficou sem bussolada e aparentemente sem programa credível depois de perder o poder em 2000.
                                                          
José Fortes Lopes

 

1-Ondina Ferreira: Identidade cabo-verdiana? Uma falsa questão no século XXI? ... Ou manobra de diversão resultado da nossa pouca "destreza" cultural?

http://www.coral-vermelho.blogspot.pt/2014/10/identidade-cabo-verdiana-uma-falsa.html
2-Quando o PAIGC Achou/Redescobriu S. Vicente. 2.ª Parte - A decadência de S. Vicente: o triunfo da ruralidade, o retorno ao passado e a crise de valores, http://mindelosempre.blogspot.pt/2014/01/0696-quando-o-paigc-achouredescobriu-s.html
3- http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article106666&ak=1

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