segunda-feira, 17 de junho de 2019


Poder Local/Poder Regional na Encruzilhada da Regionalização In Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA

      Introdução
Antes de mais,  tenho a dizer que tem sido um grande prazer participar neste ciclo de Conferências intitulado Poder Local/Poder Regional: Que perspectivas, impulsionado pela Presidência da República de Cabo Verde. Quero felicitar a mesma por esta iniciativa de trazer de volta à sociedade civil um tema de extrema importância para Cabo Verde, que a classe política deveria partilhar com a sociedade civil. Honra-me fazer parte do Painel de Reflexão desta quarta-feira. É também um grande prazer estar entre vós e encontrar-me com amigos e conhecidos de longa data, assim como trocar impressões diversas sobre o tema que aqui nos traz, assim como tantos outros que esta oportunidade nos tem proporcionado. Começo por saudar todos os presentes nesta sala e agradecer à Presidência da República de Cabo Verde pelo convite que me foi dirigido (como elemento da Diáspora que aqui represento) para participar nestas jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA, e, em particular, para proferir uma palestra que será uma reflexão sobre um tema de extrema importância para Cabo Verde, a questão do PODER LOCAL/PODER REGIONAL. Por isso, intitulei-a Poder Local/Poder regional na Encruzilhada da Regionalização, este novo poema que está de novo a mexer com o imaginário cabo-verdiano, no sentido em que permite questionar se as coisas podem ser feitas de modo diferente e quais as alternativas para a mudança que importa empreender.
Esta comunicação está dividida em 3 partes, uma 1ª parte intitulada Considerações gerais sobre a problemática da Regionalização, uma 2ª parte intitulada Diagnóstico da situação actual do país: A problemática do Centralismo versus a Regionalização, e uma 3ª parte intitulada A Solução 3D para Cabo Verde: Descentralizar, Desburocratizar e Democratizar Cabo Verde.
Trouxe comigo uma 4ª Comunicação ( Ponderações sobre o modelo de região administrativa mais adequado para Cabo Verde. O modelo Ilha-Região versus Agrupamentos de Ilhas), da autoria do companheiro Adriano Miranda Lima, que infelizmente, por razões pessoais e familiares, não pode estar fisicamente aqui, mas está connosco em espírito. São excertos de uma opinião defendida por ele em diversos artigos de opinião, sobre o que ele julga ser o melhor modelo de região mais conveniente para o país, que se traduz numa dialéctica entre a região-ilha e a região-ilhas. São 2 páginas, mas são ideias relevantes e bastante importantes para o debate Poder Local/Poder: Que perspectivas? Tanto mais que a intervenção de segunda-feira do Dr. Rui Moreira veio dar-lhe razão, pois trouxe novas ideias, tais como a de se poder construir a Regionalização em várias etapas e à geometria variável, começando por exemplo, com experiências piloto, uma tese defendida inicialmente por alguns regionalistas em S. Vicente. Também sugeriu que podemos adoptar vários modelos, dependente da dimensão de cada ilha. Tanto o modelo supramunicipal ‘tout court’, ilha-região ou o agrupamento de ilhas, ou até mesmo o modelo Barlavento/Sotavento podem ser experiências válidas. Por isso, acho que esta comunicação foi muito importante, veio trazer mais e variadas luzes. Seguem as quatro comunicações inseridas nas  Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA

1- Considerações gerais sobre a problemática da Regionalização. In Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA

        O tema da regionalização surgiu nos anos 90 do século passado com o advento da democracia e o seu porta-estandarte foi um ex-diasporizado, o Dr. Onésimo Silveira. Mas há quem diga que este debate data dos anos 60, como o Presidente da República lembrou-nos na sua intervenção na segunda-feira passada. Por isso, ninguém pode ter a pretensão de reclamar o monopólio do debate, pelo que é altura de outros a ele se associarem, nomeadamente os naturais da ilha se Santiago, que acredito vão beneficiar grandemente com a Regionalização. Talvez possam assim aperceber-se com mais nitidez dos problemas e dos custos sociais que o Centralismo acarretou para a própria ilha. Mas se o debate tem hoje o seu substrato anímico radicado em Cabo Verde, como aliás era fatal que acontecesse, é preciso não esquecer o papel fundamental e contributivo de um pequeno núcleo duro da Diáspora, a que tenho a honra de pertencer, que acabou por se intitulou “Grupo de Reflexão da Diáspora”, integrado num vasto e transversal “Movimento para a Regionalização de Cabo Verde” que em Mindelo se apelida de “Grupo de Reflexão da Regionalização de Cabo Verde”. O manifesto fundador deste processo nasceu no seio desse Grupo da Diáspora em 2010, e em finais do mesmo ano surgia o tal movimento cívico em Mindelo. O núcleo duro da Diáspora já vinha, no entanto, intervindo em diversas questões da vida colectiva, como as problemáticas do património, da língua e da preservação dos nossos valores identitários e globais, entre outras. A necessidade de aquele grupo se transformar num movimento regionalista surgiu de modo natural, pois estava inscrito na dinâmica da sua acção pelos temas que abordava, alguns de cariz essencialmente regional. Nesta conformidade, justo é reconhecer que esse grupo deu uma contribuição determinante para o debate sobre a descentralização de Cabo Verde, produzindo no espaço de uma década várias dezenas de artigos, grande parte deles compilados nos livros da nossa co-autoria “Os Caminhos da Regionalização”, de 2013, e “Na Encruzilhada da Regionalização Rumo à Descentralização”, este lançado em Cabo Verde em Julho de 2017. O objectivo foi diagnosticar e analisar a problemática do centralismo em Cabo Verde e propor soluções possíveis para um processo de descentralização do poder conducente a uma regionalização do país. Por isso, manifesto o meu repúdio total em relação àqueles (uma certa elite) que hoje em Cabo Verde tentam oportunisticamente denegrir, menosprezar e minimizar o papel da Diáspora na redinamização deste debate, que afinal não é nosso, mas de todo o país.
        Antes de entrar no cerne do debate, e para o enquadrar, regozijemo-nos com o reconhecer que as iniciativas da cidadania sobre a temática da regionalização produziram eco na opinião pública e na esfera política, tanto que o MpD apresentou há meses ao país uma proposta de projecto de lei sobre a regionalização, com vista à sua “socialização”, antes de ser submetida à discussão no Parlamento brevemente (Março de 2018). O PAICV apresentou igualmente uma sua proposta nas mesmas circunstâncias.
O que é importante desde já assinalar é que ambos os partidos parecem unânimes em preferir o modelo região-ilha como o mais adequado ao país, embora se considere que muita pedra ainda vai ser partida até à decisão definitiva sobre a matéria, como vimos nos debates em curso, pelo que o modelo definitivo pode ainda não estar fechado.
        É, pois, com muita satisfação que participo nestas jornadas e neste debate. Tudo acontece num contexto particular (talvez charneira e de transição) em que o processo de regionalização/descentralização de Cabo Verde parece ter ganhado um novo fôlego e outra dinâmica, com o aparecimento ou o ressurgimento de uma cidadania mais activa, embora ainda localizada no Mindelo, e que renasce das cinzas ou de um coma artificial. De facto, Cabo Verde, com especial incidência na ilha de S. Vicente, é de novo palco de movimentos cívicos, abrangendo várias temáticas, que vão da regionalização a questões transversais à sociedade e ao mundo. A existência no chão de S. Vicente de dois Movimentos, o “Grupo de Reflexão da Regionalização de Cabo Verde” e o Movimento Sokol2017, é uma prova cabal dessa realidade.
        Tudo leva a crer que estamos perante uma nova encruzilhada, face a um processo irreversível que porá fim ao centralismo, rumo à regionalização e à descentralização do poder em Cabo Verde, abrindo uma nova era para uma democracia mais participativa. Alguns já afirmam mesmo que estamos perante o advento da Terceira República, tendo em vista o alcance e a amplitude de um conjunto de reformas que são exigíveis e incontornáveis para a sustentabilidade económica de Cabo Verde e que deverão certamente mexer com o sistema. Estamos, pois, perante um desafio que nos impõe uma reflexão global sobre os caminhos do futuro, aquilo a que eu chamaria um “brainstorming” sobre o “Repensar Cabo Verde” e em que se perfilam estas duas questões basilares: Como romper com o actual modelo Centralista? Que Regionalização para Cabo Verde? Quais são os ‘timings’ e as modalidades? Há urgência ou temos de parar para pensar juntos, como temos feito durante estes dias? (Continua com 2ª Parte-Diagnóstico da situação actual do país: A problemática do Centralismo versus a Regionalização)

Praia, 17 de Janeiro de 2018
José Fortes Lopes

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