segunda-feira, 17 de junho de 2019

-Ponderações sobre o modelo de região administrativa mais adequado para Cabo Verde. O modelo Ilha-Região versus Agrupamentos de Ilhas (Adriano Miranda Lima) In Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA
Poder Local/Poder regional na Encruzilhada da Regionalização
        A decisão sobre a escolha de um modelo de regionalização para Cabo Verde não pode fugir à dialéctica sobre a ocupação do espaço, a qual opõe a visão mais estática e conservadora de autores como Vidal de La Blache à visão mais moderna que é partilhada por outros como Paul Claval e Jean Labasse.
        A alternativa que se nos coloca é entre o modelo “região-ilha”, solução minimalista, e o modelo “região-ilhas”, visão mais alargada e comprometida com uma ideia mais expansiva do território e com a exploração de variáveis que exponenciem a dimensão da unidade regional. Esta última solução representa um pensamento mais evoluído e tem o seu respaldo numa maior interacção dos factores geográficos, demográficos, sociais, económicos e culturais.
        O modelo região-ilha, sendo o mais conservador do ponto de vista conceptual, é por isso mesmo o mais pacífico e fácil de consenso do ponto de vista político. Desde logo, se cada população fica politicamente acantonada à sua ilha, a possibilidade de conflito suscitado pelo processo de liderança interna será menor do que no outro modelo. Mas há um constrangimento que não é negligenciável com o modelo região-ilha. Resulta, no caso cabo-verdiano, da diversidade geográfica entre as ilhas, com diferenças assinaláveis na sua dimensão territorial, demográfica, social e económica. Se há ilhas que podem reunir condições mínimas, sublinho, mínimas, para uma governação regional, outras mostram-se desprovidas dos requisitos recomendáveis para poderem ser actores credíveis de um projecto de regionalização capaz de revalorizar e relançar a administração do país, como é intenção. Quando os adversários da regionalização alegam que Cabo Verde não tem dimensão física e demográfica que justifique o processo de regionalização, estarão a olhar especialmente para o modelo região-ilha, mas ignorando propositadamente outras soluções.
          A outra solução passa pelo agrupamento de ilhas próximas entre si e com afinidades do ponto de vista histórico, social e cultural, e também com complementaridades a nível das potencialidades económicas ou actividades produtivas. A sua principal vantagem é expandir e potenciar as características da unidade regional, ao passo que os seus inconvenientes se prendem simplesmente, não com a natureza do modelo em si, mas com uma eventual dificuldade de firmar consensos entre as ilhas a agregar.
          Resulta claro que não é pela circunstância de uma ilha passar a ter um estatuto regional que a sua realidade intrínseca vai mudar. Uma ilha pode passar a ter maior autonomia administrativa, mas se não possuir massa crítica, potencialidades económicas e meios financeiros suficientes para alavancar os seus projectos, o que é que muda significativamente no seu panorama social? De resto, há ilhas (como Maio, Brava e mesmo outras), em que a regionalização não tem qualquer base de sustentação possível, seja territorial, demográfica ou económica, ou as três situações conjugadas, para justificar um governo regional. Assim sendo, mesmo que aprovado e posto em prática o modelo região-ilha no conjunto do território, algumas realidades insulares teriam de se juntar a outras para que o projecto de regionalização não enfermasse de debilidades congénitas ou disfuncionalidades no seu conjunto. Mas essa diferença de soluções ocasionaria uma situação heterogénea no espaço do ordenamento territorial nacional, com ilhas dotadas de governo regional próprio e outras a terem de se agrupar para atingirem o mesmo desiderato.
          Repare-se que, mesmo fazendo um esforço para acrescentar a algumas ilhas um pouco mais de meios e recursos para credibilizar os seus órgãos regionais, provavelmente pouco ou nada se operaria na transformação da sua fisionomia, porque há inércias negativas que não são fáceis de contrariar. Qualquer entorse no sistema poderia vir a dar azo a que se concluísse que o estatuto de região-ilha, incapaz de romper com as rotinas antigas instaladas, rotinas de pobreza endémica e de limitações naturais e estruturais, não foi motor com potência capaz de tirar as ilhas sair do ciclo de fatalidade e imobilismo, condicionante do seu desenvolvimento. E perante o insucesso do modelo, os adversários e críticos da regionalização iriam proclamar, triunfantemente, que afinal tinham razão, enquanto o centralismo do Estado se sentiria revigorado no seu propósito de manter as coisas como estavam antes.
          Na verdade, creio que o poder regional reduzido a uma escala menor – a da região-ilha − não reúne peso político e base sociológica para a valorização institucional do novo quadro de organização administrativa. Mais grave ainda se cada ilha começar a reivindicar meios e prioridades de forma irrealista, completamente autista, alheia à realidade nacional, olhando só para o seu umbigo, não levando em conta que o país é pobre e está a braços com uma dívida pública proibitiva. Se cada ilha fizer do seu ego a sua bandeira, incapaz de olhar para a problemática regional numa perspectiva de cooperação inter-ilhas, de partilha e rentabilização de infra-estruturas comuns, de exploração de sinergias e de cultura de vizinhança, o processo geral pode vir a naufragar ainda antes de atingir o alto mar. Seria confrangedor vir mais tarde a reconhecer que o governo ficou com legitimidade política para reverter o processo, uma vez comprovado que o poder regional a uma escala mínima redundou em mero desperdício de recursos e perda de tempo, mantendo-se inalteráveis as assimetrias e os desequilíbrios regionais.
Posto isto, a solução que me parece mais racional e, sobretudo, menos onerosa para o erário público é a constituição de apenas quatro unidades regionais, assim estruturadas: Região Noroeste (S. Antão, S. Vicente, Santa Luzia e S. Nicolau); Região Leste (Sal, Boavista e Maio); Região Sul (Santiago;) Região Sudoeste (Fogo e Brava). Não entendo a ideia de dividir Santiago em duas regiões, senão para render-se a uma ideia liliputiana de região que não faz sentido quando observamos a dimensão mínima das unidades regionais por esse mundo fora, mesmo em realidades insulares. Veja-se que ilhas como Guadalupe, Martinica e Reunião são incomparavelmente superiores a Santiago em território e população e, no entanto, constituem apenas uma unidade regional. É inegável que o modelo região-ilha tem riscos que não podem ser negligenciados. Como ficou patente, decorrem da exiguidade de grande parte dos nossos territórios insulares mas também de uma provável dificuldade em suster a afirmação de certos egotismos e caciquismos, e mais grave ainda quando estes se entrelaçam com cumplicidades político-partidárias.
        Assim, importa que antes da decisão definitiva sobre o modelo de região, sejam devidamente ponderados os prós e contras de cada alternativa possível e, sobretudo, que não se descure que a criação de pontos de convergência e conciliação entre as ilhas mais próximas deve, desde já, ser incentivada, por poder vir a ser determinante do sucesso do novo ordenamento político-administrativo, se não mesmo uma medida prospectiva para a escolha preferencial do modelo região-ilhas. Enfim, que haja ponderação e prevaleça o bom senso!
Praia, 17 de Janeiro de 2018
José Fortes Lopes (Em repesentação de Adriano Mirand

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