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Solução 3D para Cabo Verde no âmbito da Regionalização: Descentralizar,
Desburocratizar e Democratizar Cabo Verde. In Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA
Poder
Local/Poder regional na Encruzilhada da Regionalização
Na sua comunicação do dia 17 de Janeiro
de 2018 integrada no ciclo de Conferências intitulado Poder Local/Poder Regional: Que
perspectivas, promovido pela Presidência da República de Cabo Verde, o
Presidente da Câmara Municipal do Porto Dr. Rui Moreira foi bastante eloquente
e elucidativo sobre os benefícios da Regionalização para um país como Cabo
Verde. Se houvesse dúvidas, ele conseguiu desmontar uma certa narrativa que só
apresenta as desvantagens da Regionalização, omitindo as suas vantagens. Um dos
pontos fortes da sua intervenção é que a Regionalização não vem sobrepor-se ao
Estado, nem às Autarquias, mas sim complementá-los, através da delegação de
funções que, não sendo de soberania ou da alçada municipal, são fundamentais e importantes para o
desenvolvimento das comunidades locais. Para além disso, num mundo em que o neoliberalismo
tende a despir o Estado das suas políticas sociais, as Regiões poderão dar uma
resposta mais eficaz e mais pronta em áreas sensíveis que escapam ao olhar do
governo central. Como disse, e bem, o conferencista português, a regionalização
nunca será consensual quer na sua conceptualização quer sobretudo no seu modelo
territorial, pelo que não se pode esperar um acordo em tudo para se avançar com
a sua implementação; e não deixou de apontar os inconvenientes de um referendo
nesta matéria, citando o exemplo de Portugal, em que o processo foi
inviabilizado por mal-entendidos e insuficiente esclarecimento das populações. Para
ele, não há uma doutrina unânime e uniforme que se possa aplicar a todos os
países: cada país encontrará a sua via e o seu modelo. A Regionalização deverá,
pois, avançar sem mais delongas, mas naturalmente depois de assegurar-se que a
sociedade civil está minimamente esclarecida e se firmou um consenso político
naquilo que é fundamental.
Cabo Verde precisa, pois, de romper
urgentemente com o centralismo e inaugurar um conjunto de reformas no sentido
de Descentralizar, Desburocratizar e Democratizar o país, para dinamizar a
sociedade civil, relançar a economia nas diferentes ilhas e construir uma
democracia liberal avançada, que ao mesmo tempo se preocupe com os equilíbrios
sociais e regionais e com o combate à pobreza e às assimetrias, como ontem
proclamaram os autarcas da ilha de Santiago.
Não é este o espaço
mais adequado para detalhar o nosso pensamento sobre a Solução 3D para Cabo
Verde: Descentralizar, Desburocratizar e Democratizar. Mas tentarei deixar aqui
algumas pistas/dicas sobre o que pensamos ser fundamental para Reformar Cabo
Verde. É urgente a modernização do país em todas as vertentes: económica,
social, educacional, política e administrativa, para que o país se insira no
Mundo Global competitivo e exigente. É mais do que evidente que a administração
pública cabo-verdiana precisa de uma urgente transformação para servir as
populações e o país, em vez de se servir a si mesma. Cabo Verde vive
sob o peso de arcaísmos, há muito tempo ultrapassados na maior parte dos países
considerados modernos, nos grupo dos quais inclusivamente pretende inserir-se:
uns herdados do sistema colonial anacrónico que vigorou em Cabo Verde, outros,
e muitos, criados a partir da independência em 1975. A máquina do Estado, traiu
as aspirações democráticas das populações nascidas com a Independência, e o
país cedo soçobrou à acção do rolo compressor de partido Único. As poucas
ideias reformistas do PAIGC, que pretendeu libertar Cabo Verde do jugo da
administração colonial, cedo cederam o passo à ideologia e
ao instinto de preservação política; a supressão do ‘papel-selado’, símbolo da
administração colonial, não deu lugar a mais nada, senão a rotina da
burocracia colonial retrógrada herdada. Entretanto, Portugal modernizava-se a
todo vapor deixando para trás a sua velha colónia que se estagnou no tempo,
embora a Independência prometera nivelar-se ao desenvolvimento da
sua ex-Metrópole. Os resultados de 40 anos de imobilismo estão à vista de
todos.
O Centralismo, a
Burocracia são hoje evidências de um modelo inadequado, fruto de uma herança do
sistema colonial que foi sendo progressivamente adaptada à realidade do novo
país independente. É este modelo que queremos ver reformado. A modernização de
Cabo Verde, que o próprio actual governo, timidamente reformista, defende, só
fará sentido se efectivamente forem derrogados o Centralismo e a Burocracia e se
se empenhar em melhorias significativas no
modelo democrático.
O modelo
político-administrativo centralizado e burocratizado emperra o desenvolvimento
das ilhas distantes do poder central, ditas periféricas, e mesmo no
interior da própria ilha em que se acolhe a capital.
Por fim, o reforço do
pilar da Democracia em Cabo Verde é indispensável para se romper
definitivamente com métodos e atitudes
retrógrada e arcaicas que se ainda manifestam no dia-a-dia da administração
pública, e que são entraves ao desenvolvimento.
A máquina do Estado
Central uma vez modernizada com estas reformas deverá pois servir a nação e não
dela servir-ser, devendo ser o fermento da coerência e da unidade do todo, que
é a nação em construção.
A par disso, as liberdades individuais, de pensamento, de
opinião e de imprensa devem ser garantidas e aprofundadas. O Estado deve
afastar-se definitivamente do controlo da informação e da opinião.
Para o efeito, é
necessário empreender uma reforma política (Regionalização associada à Solução
3D) que mexa com os actuais alicerces do Estado, para permitir a edificação de
uma nova estrutura, descartada de artefactos institucionais e organismos
inúteis (as tais gorduras), e mais operativa na sua acção de explorar as
potencialidades naturais de todas as ilhas. Por conseguinte, qualquer
reforma ou modernização de Cabo Verde sem comtemplar um autêntica
Descentralização, Desburocratização e Democratização estarão votadas ao
fracasso.
De facto, entendemos que
o processo de regionalização terá de ser precedido de uma ampla e profunda
reforma focalizada nas seguintes medidas essenciais e imprescindíveis:
diminuição considerável do peso do Estado central, mediante uma
descentralização, desconcentração e deslocalização territorial de organismos e
serviços; reestruturação do dispositivo autárquico, extinguindo-se municípios
onde não se justificam nomeadamente nas ilhas plurimunicipais de fraca dimensão
demográfica; modernização da máquina do Estado.
Renovado e com um novo figurino,
teríamos o Estado assim estruturado nos seus órgãos de soberania: um sistema
presidencialista ou semipresidencialista, em que o chefe do executivo é
simultaneamente o chefe do Estado eleito por sufrágio universal; um poder legislativo
bicameral, constituído por uma Câmara Baixa com um número reduzido de deputados
e uma Câmara Alta com uma representação igualitária de todas as ilhas. Este
sistema estabelece maior equilíbrio na representação da vontade popular,
corrigindo a democracia pura e dura dos números. O Estado Central ficaria reduzido
a uma menor expressão, reservado às áreas sensíveis da soberania, com grande
parte das competências governamentais transferidas para os governos regionais.
Porquê um novo sistema no quadro da Regionalização/Descentralização? A resposta
é simples: o chefe do Estado terá que ser o chefe de orquestra para reger esta
nova sinfonia e/ou será quem comporá o mosaico de regiões criadas. Pois, a
existência de vários chefes de governos regionais exige um só chefe supremo,
que é ao mesmo tempo o chefe de Estado, o presidente eleito de todos e para
todos e que governe definindo os principais eixos de governação! Neste novo
figurino, o chefe Estado zelará também pelo bom funcionamento dos principais órgãos
de soberania que sobrarão daqueles que forem transferidos para as Regiões. Já
vimos este modelo funcionar noutros países e funciona mesmo!
É neste quadro geral de reformas alargadas
que entendemos deve inserir-se o poder regional. Nesta perspectiva, uma
regionalização bem estudada e implementada não deverá agravar os custos do
funcionamento do Estado no seu todo; pelo contrário, com o emagrecimento da
própria máquina do Estado até será provável que, impulsionando as economias das
ilhas, as regiões possam, com novos e mais impostos arrecadados, contribuir
para uma maior sustentabilidade das despesas públicas no seu todo. O que quero
dizer com isto tudo que a Regionalização é muito mais complexa do que parece e
não pode ser feita de ânimo-leve. Exige também uma grande humildade, espírito
de missão e de sacrifício da parte do sistema político e dos seus agentes.
Posto isto, conclui-se que o processo
de regionalização é de difícil equacionamento sem as reformas atrás enunciadas,
sob pena de provocar, de facto, um aumento das despesas estatais, como alguns
receiam. O mesmo é dizer que a regionalização deve ser consequência natural de
uma descentralização e desconcentração bem realizadas, a par de um emagrecimento
bem calculado de todo o Estado, e não algo novo que é pura e simplesmente
acrescentado à realidade nacional. Infelizmente, não se pode deduzir que aquela
condição esteja a ser prevenida quando se olha para a proposta de projecto de
lei apresentada pelo partido do actual governo. O PAICV, no preâmbulo da sua
proposta, chama a atenção para essa condição, mas resta saber que consequência
isso terá em sede de discussão parlamentar.
Um reparo importante. Não obstante a
ideia da regionalização ter nascido em S. Vicente e de cidadãos da Diáspora que
lhe são afectos, não a entendemos como uma solução exclusiva para essa ilha ou
outra em particular, mas como um imperativo inadiável para a reconfiguração da
administração pública à escala nacional. A expectativa é que o processo resulte
na criação de um verdadeiro poder regional, com suficientes competências e
atribuições transferidas do poder central. Do grau da descentralização operada
e da natureza das competências atribuídas, dependerá o sucesso desta reforma,
tendo em vista o relançamento do país.
O certo é que a regionalização, onde
ela foi implementada, correspondeu sempre às expectativas criadas e alavancou a
economia e redinamizou o tecido socioeconómico de regiões depauperadas. No
entanto, fique claro que não embarcamos em ilusões só porque os modelos
estrangeiros tiveram sucesso. Não os tencionamos copiar à letra, conscientes de
que a nossa realidade concreta é que ditará as leituras mais correctas para a
arquitectura das soluções convenientes. O que não quer dizer que os nossos
estudos não se baseiem nas teorias dos mais consagrados autores em matéria de
geografia humana e das ciências da administração pública, das quais colhemos os
conceitos e as directrizes essenciais.
Hoje, é cada vez mais evidente a
irreversibilidade do processo de regionalização, ou não mereceria a atenção que
a Presidência da República entendeu conferir-lhe nestas jornadas cívicas. Ou não
tivesse já merecido dos dois partidos do arco do governação propostas de projecto
de lei que a seu tempo irão a debate parlamentar.
Para finalizar, convinha lembrar que a
Diáspora não está comtemplada neste processo de Regionalização e nenhuma
proposta actual faz menção da sua existência. Ela não pode estar alheia a este
processo. Alguns dizem que a Diáspora é a décima ilha habitada. Eu diria que é
o prolongamento de cada ilha. Por isso, apelo a uma maior reflexão sobre a
problemática da Diáspora cabo-verdiana e da sua re-inclusão neste novo Cabo
Verde que se desenha.
(Continua com 4ª Parte- Ponderações sobre o
modelo de região administrativa mais adequado para Cabo Verde. O modelo
Ilha-Região versus Agrupamentos de Ilhas)
Praia, 17 de Janeiro de
2018
José Fortes Lopes
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