terça-feira, 29 de janeiro de 2013


3ª Parte: Por uma Regionalização e Reformas com Acordos e um Pacto de Regime
(3ª Parte Referendo Não! Não nesta condições e conjuntura)

 

Como era talvez de esperar, noticia-se que Carlos Veiga e José Maria Neves estão em convergência no sentido de haver em Cabo Verde uma “regionalização administrativa”. “Na prática, falta um ou outro aspecto, o que torna a regionalização possível”, foi o que veio a lume com esta desarmante vacuidade. Pronto, já decidiram e tudo no segredo dos deuses! Ainda por cima, haverá referendo e governadores! Exit debates e estudos! Para quê tanta excitação?!

A ser verdade esta informação, ela confirma o facto de o MPD e o PAICV obedecerem invariavelmente à sua base maioritária, radicada em Santiago/Praia, sem terem em conta a realidade regional de Cabo Verde. Estão de acordo sobre os princípios, discordando só da forma. Assim se percebe o silêncio/blackout até hoje mantido pelos partidos do arco do poder, sobre a matéria. Constitui-se assim a Santa Aliança para a defesa do centralismo e evita-se o debate profundo sobre uma reforma da máquina do Estado que interfira com o centralismo, este autêntico abcesso que mina e entrava o país.

Um eventual acordo estratégico entre o MPD e o PAICV sobre o princípio de uma regionalização administrativa do país faz adensar as dúvidas relativas a uma identidade doutrinária centralista entre dois partidos. “Querem regionalização? Então tomem lá um Governador e um Referendo.” “Agora, por favor, não queremos ouvir falar da reforma do Estado centralista: descentralização, desconcentração, desburocratização do poder central, Não. Isto não, não tocamos nos privilégios e prerrogativas. O país está bem e recomenda-se, muito bem mesmo, não precisa de reformas!”

Este hipotético acordo esconde, portanto, uma aversão às reformas e à modernização do país. Desengane-se quem ainda tinha dúvidas.

Com uma regionalização puramente administrativa, os partidos do poder parecem em sintonia com a ideia de criar “cadeiras” para nelas colocarem uma espécie de fantoches sem poderes concretos, facilmente manipuláveis, à semelhança do que foi feito nos anos 90, o que contribuiria logo à partida para o descrédito de um cargo que se revestirá da maior importância no poder local das futuras regiões. A este propósito,  deve-se lembrar que foi o governo presidido por Carlos Veiga quem criou nos anos 90 o cargo de governador e foi o governo de José Maria Neves que o extinguiu, após a sua eleição. Assim, uma regionalização efectuada da maneira como pretendem alguns políticos e algumas elites só poderá saldar-se num rotundo falhanço, esvaziando-se de importância e frustrando as expectativas das populações.

Nenhum adepto da regionalização deve convencer-se de que o processo é automático, que basta um acordo de partidos, a nomeação de pessoas e um decreto. Seria enganar os cidadãos pretender isso. Não pode haver regionalização sem um debate profundo no país para um acordo sério e verdadeiro sobre as reformas a empreender. O princípio da regionalização política, contrariamente à administrativa, diz-nos que a fonte do poder das regiões emana da vontade popular, das populações locais, e não das escolhas do poder central ou das elites dominantes.

Terá, pois, de haver transferência de competências e de soberania do Estado central para as regiões criadas. Como o Estado não pode mais crescer, sobretudo em tempos de racionalização e austeridade, a regionalização deverá ter custo aproximadamente zero, pelo que só pode ser feita com base num reequacionamento e numa reorganização do Estado central, tendente à sua redução. Neste figurino, o Estado ficaria com os instrumentos essenciais de soberania, tais como a Defesa e Segurança, as Finanças e as Relações Exteriores, ao passo que outras competências, se não a maioria, seriam transferidas para as regiões, tal como acontece nas grandes nações regionalizadas. Estaremos neste figurino a falar de um modelo parecido com os modelos federais alemão ou americano.

Porque, a ir avante o referendo, acredita-se que a regionalização seria, logo no primeiro round, derrotada na secretaria dos partidos e do Estado, com toda a máquina propagandística, servida por uma comunicação domesticada e por dinheiros de fácil angariação, a funcionar em surdina mas em pleno regime dos seus pistons para desacreditar os méritos de  uma regionalização plena, virtuosa e esperançosa. Na realidade, o que o sistema não quer é debater a premência de uma real reforma do Estado que ponha em causa o conforto das elites centralizadoras. Sem esta reforma efectiva (1-Descentralização; 2- Desburocratização; 3-Regionalização), a regionalização, a ser meramente administrativa, será uma miragem do que poderia ser. Pois de nada serve a regionalização se aquilo que está na raiz dos problemas e da situação do país e de S. Vicente se mantiver intacto. É sobre esta evidência que aparentemente se calam os partidos, num mutismo que se torna ruidoso demais para não ser ouvido.

De resto, um rápido olhar analítico leva-nos a aduzir que o quadro decorrente da situação social e política em Cabo Verde é em tudo similar à dos países do ex-bloco soviético onde emergiram democracias formais despóticas, situação que gerou oligarquias parasitárias de tipo mafioso, e que gravitam em torno das economias nacionais, sendo o exemplo mais flagrante o caciquismo russo que emergiu da ruína política do fim do sistema soviético. Extremamente vulneráveis politicamente, esses países têm em comum a tremenda herança de terem vivido debaixo de ditaduras de partido único e de terem efectuado transições atabalhoadas para a democracia, e de possuírem classes médias e opinião pública pouco desenvolvidas. A democratização nesses países está confiscada pelas novas elites dominantes, oligarquias de novos-ricos, jogos de poder e interesses diversos, que digladiam pela conquista dos poderes, e são extremamente reaccionárias à qualquer reforma dos sistemas. Todos geraram sistemas centralizados decalcados do sistema soviético, a que estamparam uma fachada democrática, paradoxalmente sob os auspícios de políticas ultraneoliberais. Que não se retire daqui qualquer extrapolação senão pela similitude de algumas evidências.

Pelo que precede, concluo, assim, que envolver o povo num barulho referendário sem ter feito o trabalho de casa é tentar matar a ideia da regionalização. Não existem condições materiais e políticas para a realização de referendos em Cabo Verde. A regionalização e a reforma do Estado não podem nestas condições ser referendadas. A argumentação de Onésimo Silveira não podia ser mais justa ao condenar a ideia do referendo: “está implícita a falta de confiança por parte dos promotores do referendo; no fundo, querem transferir para o povo essa responsabilidade, quando os próprios políticos, com base num diálogo sereno e maduro, podem, perfeitamente, decidir qual a melhor regionalização que convém ao País”. As reformas terão que ser assumidas por toda a nação, incluindo a classe política e a sociedade civil, e corresponder a um compromisso para com Cabo Verde: elas só serão viáveis através de acordos e de um pacto de regime. Daí que o papel do Presidente da República na dinamização e supervisão deste processo seja crucial.

 Só após a regionalização e as reformas do Estado, que traduzirão a maior democratização alguma vez operada no país, é que se poderão criar condições para a organização de futuros referendos sobre qualquer matéria. Como disse aos nossos bravos do Mindelo, mantenham-se firmes, unidos e prontos para a refrega cívica, em prol da regionalização de Cabo Verde, pois muita água vai correr debaixo da ponte. Não se rendam nem se deixem convencer por manhas ou artimanhas. Aguardem serenamente a resposta do governo e dos partidos. Que saiam das vossas  trincheiras. Todas as cartas estão na mesa. (FIM)

 

José Fortes Lopes

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