(2ª parteReferendo Não! Não nesta condições e conjuntura)
É sabido que o
referendo em democracia pode, em certas situações, funcionar como um
instrumento de real utilidade para a expressão da soberania popular. A Suíça é
um exemplo acabado do uso e abuso do referendo. Qualquer problema é resolvido,
a bem ou mal, através deste mecanismo. E repare-se que a Suíça é um dos países
mais avançados do mundo, ocupando lugar cimeiro na lista dos mais destacados em
termos de desenvolvimento humano. Portanto, não é por acaso que é aqui citado.
Alguns
comentadores perguntam: Por que raio esta gente é contra o referendo sobre a
regionalização e respondem “Não, não nestas condições e
conjuntura”? É o que proponho explicar nesta segunda parte do artigo que versa
o tema do referendo.
Perante o que parece ser um esboço de
intenção que peca pelo “timing” e pelo oportunismo, nós que defendemos uma regionalização
séria, estudada, criteriosa, na verdade só podemos responder Referendo Não. Os mesmos argumentos invocados
em 1974 são válidos hoje, com ainda mais força e veemência. A pergunta que
desde logo se impõe é como referendar um assunto ainda não devidamente debatido
entre as forças políticas e no seio da sociedade civil, e, portanto, sem uma
proposta que se apresente minimamente consensual e esclarecida na sua
substância e nos seus envolvimentos? De facto, como perguntar às populações se
aceitam ou não aquilo que só vagamente conhecem? Por outro lado, um escrutínio
democrático sobre regionalização conduzido num Estado que está centralizado na
ilha mais populosa pode produzir o efeito de uma autêntica batota, se a
propaganda adversa perverter a lisura do processo de esclarecimento cívico.
Fácil é, pois, admitir que a opção da população da ilha capital, a mais
populosa, pode ser condicionada pela própria ilusão de privilégio adveniente da
sua condição de acolhedora do Estado centralizado. Mais ainda se os anti-regionalistas
tudo fizerem para explorar esse sentimento, condicionando a livre expressão das
populações e amedrontando-as com perigos e riscos imaginários. Se alguém discorda
desta probabilidade está a esquecer-se de que o inconveniente do sistema
centralizado, a que nos opomos, é a instalação progressiva de vícios,
artimanhas e comprometimentos de todo contrários às regras do jogo democrático.
Não temos memória curta, sabemos como, em escrutínios eleitorais anteriores,
foram comprados votos e manipuladas consciências, num atropelo inaceitável às
mais elementares regras da democracia.
Assim, a mesma lógica que presidiu à
decisão do PAIGC de 1974 tem de voltar a impor-se com igual pertinência ao
PAICV de 2013: não se pode referendar uma situação de centralismo opressor; não
se pode questionar pessoas inconscientemente cativas da centralização,
porventura confusas sobre os seus direitos, se querem viver debaixo de mais ou
menos centralização. A maioria das pessoas não está esclarecida sobre o
conceito de regionalização e sobre o fenómeno do centralismo e dos seus efeitos
nocivos sobre as suas vidas e o país. Um referendo sobre a regionalização,
realizado numa conjuntura induzida pelo Estado centralizado, moldada às suas
próprias conveniências, seria um plebiscito favorável aos centralistas da Praia
e de Cabo Verde. Não somos “naives” ou ingénuos para aceitar esta proposta
indecente. Como poderiam os cidadãos pronunciar-se sobre regionalização através
de uma simples cruzinha no Sim ou Não, quando o famoso livro branco prometido
pelo Primeiro-Ministro para nele se inscrever um conjunto de ideias sobre o
processo de reforma do país ainda está fechado e nem sequer se vislumbra um debate
sobre a matéria, apenas insinuando-se promessas de debates vadios por parte
líderes que nunca se pronunciaram seriamente sobre a matéria? Acresce a isto o
facto de as pessoas ainda nem sequer saberem o que é a regionalização, muitos
desconhecendo os seus direitos fundamentais como cidadãos. Como é que pessoas
sem informação sobre a matéria ou totalmente desinformadas poderão votar? Como
é que se organiza o escrutínio sem prévias condições objectivas asseguradas à
linearidade do seu processo? Várias outras questões podem ser colocadas. Fazer
um referendo num vazio de garantias democráticas denuncia a intenção de não
querer mudar coisa alguma, de manter inércias negativas que não se coadunam com
os desafios do presente e muito menos do futuro. Caminhar com os sapatos
cambados de marchas defeituosas é ver o passo tolhido no próximo atalho.
Portanto, não compraremos gato por lebre. A
proposta de referendo nestas condições e conjuntura só pode merecer um rotundo Não, pois já
conhecemos o jogo que se pratica em Cabo Verde. Quem tenha dúvidas pergunte ao
PAIGC/CV por que não aceitou o referendo em 1974 ou outros em anos
subsequentes. Existem provas mais do que suficientes de que em Cabo Verde não
existem ainda condições democráticas e de liberdade suficientes para a
realização de um escrutínio tão importante como sensível. (Continua na 3ª Parte: Por uma Regionalização e Reformas com Acordos e um Pacto de
Regime )
Sem comentários:
Enviar um comentário