domingo, 6 de janeiro de 2013


1ª Parte- A Regionalização, um movimento da sociedade civil.

 

Nesta primeira parte incidiremos sobre as razões da Regionalização o papel da sociedade civil e dos intelectuais

 

P- Que balanço faz da Mesa Redonda que ocorreu em Mindelo no mês de Novembro de 2012?

R- Positivo, e até ultrapassou as expectativas. Cumpriu-se a meta que correspondeu em colocar o debate sobre a Regionalização e a Reforma do Estado na sociedade civil. Agora está-se no arranque de uma fase importante, a de mobilização da sociedade civil mindelense, porque, como sempre, é ela a puxar a pesada carroça que é Cabo Verde. Participaram activamente no debate pessoas de todos os quadrantes políticos e sociais, nomeadamente das forças vivas da ilha. Teve o mérito de aproximar as posições de membros dos diferentes partidos do xadrez mindelense. Se a Reforma só dependesse deles, a Regionalizado já teria começado. Todavia, não se pode descurar um facto importante: o poder dos centralistas nos principais partidos políticos é hoje dominante, os interesses das elites da capital, incluindo o dos mindelesense aí instalados, é muito forte. Não é com a boa vontade dos nossos bravos que as coisas avançarão e que chegaremos lá, mas sim com muito esforço e suor. As coisas não cairão do céu, espero que os que estão agora a militar nesta causa fiquem convencidos. A Regionalização do país vai exigir empenho, dedicação e paciência. O país mudou muito, já não é o mesmo dos anos 70, 80 ou 90, onde S. Vicente contava muito, dava cartas políticas, como nos lembram com toda a razão alguns cínicos. Com efeito, o centro da gravidade de Cabo Verde está hoje entre a Praia e a Assomada. Mas para quem ainda tenha dúvidas, que se desengane de vez, a Regionalização é um projecto que une uma larga franja da sociedade mindelense, extravasa as clivagens políticas, ideológicas e sociais da ilha.

Para quem tinha algumas dúvidas sobre a nossa motivação, elas vêm sendo progressivamente esclarecidas. Portanto é um assunto a ser tomado com muita seriedade pelos partidos na Praia e pelo governo. Quando Mindelo se põe em marcha as coisas ficam sérias.

 

P- Qual é o papel do movimento da sociedade civil em torno deste tema, que já extravasa o âmbito dos partidos pelo menos em S. Vicente?

Importantíssimo. A sociedade civil de S. Vicente sempre jogou um papel importante nas transformações no arquipélago. Julgo que ela vai ser determinante no processo de Regionalização. Constatei que estão a soprar em S. Vicente novos ventos de cidadania, com a criação de núcleos de reflexão sobre a problemática específica da Regionalização, outros sobre a Cultura, a Democracia, o Desenvolvimento etc. A Ilha inteira está a movimentar-se em torno desses debates, com vários movimentos de cidadania. Ela está prenhe para um potente desabrochar da sociedade civil em torno de projectos dinamizadores. A Regionalização está sendo encarada com muita motivação e parece que estamos naqueles momentos em que os mindelenses ficam entusiasmados e confiantes e começam a juntar-se todos, acreditando no futuro. Acredito também que é nesta ilha, S. Vicente, que o futuro de um Cabo Verde renovado, moderno e democrático vai ser mais uma vez decidido.

 

P- Qual é o papel que o intelectual e político Onésimo Silveira tem jogado e jogará neste movimento. Os outros intelectuais, a elite mindelense? Temos ouvido falar de um movimento de cidadania activo  no Mindelo e as restantes ilhas?

R- Onésimo é na minha opinião um cidadão incontornável tanto em S. Vicente como em Cabo Verde. Tem desempenhado um papel galvanizador neste debate sobre a Regionalização, de que tem sido desde os anos 90 um grande protagonista e defensor. Acredito que ele consiga ainda mobilizar uma larga franja da população mindelense. Tem escrito textos denunciando o estado de abandono de S. Vicente. Os temas que trata têm sensibilizado e mobilizado muita gente. Ele é um grande intelectual e pensador cabo-verdiano, e, como todos os mindelenses que se prezam, defende acerrimamente a ilha. Esperemos que se dedique mais à investigação da sociedade mindelense e cabo-verdiana, que publique o seu pensamento, para deixar um legado à ilha e ao país. Achamos que o trabalho que vem fazendo é extremamente importante e esperemos que estimule outros a fazer o mesmo.

Afinal onde param os intelectuais, a elite, os pensadores do resto de Cabo Verde?. O estado actual da sociedade cabo-verdiana é caracterizado por um mutismo ensurdecedor: é preciso regressar da Pasárgada, e sair do círculo vicioso da choraminguice passadista e nostálgica, ou da auto-bajulação por conquistas ilusórias do presente, para começar a pensar a sociedade e a ser mais crítico, criativo e produtivo, no sentido da melhoria do país. Acho que para a saúde da sociedade, é preciso que a inteligentzia (a intelectualidade) cabo-verdiana se descole, se autonomize e se distancie dos partidos, se aproxime mais da sociedade, e se produza reflexão com conteúdo e valor acrescentado. Julgo que é esta a missão dos intelectuais. Se a Regionalização tem incomodado uma certa elite, que vive do statu quo de interesses e privilégios instalados e do conforto da capital, no que concerne ao movimento, tudo o que se espera dos intelectuais é que se envolvam no debate da Regionalização e da Reforma do Estado, este desafio para renovação do país.

 

P- Tem-se falado nestes últimos meses da Regionalização, que é uma Reforma Política e Administrativa para o país. Razões desta Reforma e em que é que consiste? Porquê agora?

R- Vou começar respondendo à segunda parte da sua questão. A história do Centralismo coincide com a do nascimento deste país e resulta de uma concepção ideológica ou de uma leitura errada da sociedade cabo-verdiana. Porquê agora? É agora que o Centralismo se manifesta com a maior acuidade e gravidade, pelo que é urgentíssimo a correcção das distorções e dos males de que sofre o actual sistema cabo-verdiano, excessivamente centralizado e burocratizado. S. Vicente está a decair e à míngua por causa do Centralismo. É preciso lembrar que antes da independência, Cabo Verde contava com dois grandes pólos urbanos autónomos, a Praia, por possuir o governo central da colónia, e S. Vicente, por ter uma classe comercial e empresarial dinâmica, que vivia em torno do Porto Grande e que atraía a maior parte dos intelectuais do país. S. Vicente, com o seu peso económico e a sua intelectualidade, contava tanto para o governo da Praia como para o de Lisboa. A partir de 1975, optou-se por não utilizar a estrutura já montada do tempo colonial em S. Vicente, deixando a cidade decair, criando tudo de novo (o famoso Novo), de raiz, na capital colonial, transferindo e concentrando tudo na Praia, uma tendência que foi em crescendo até aos nossos dias. Esta concentração humana na Praia poderá ter sido o maior erro na construção do jovem Estado, pelo qual S. Vicente e o próprio Cabo Verde pagam caro hoje. E hoje em dia há já muitos mindelenses a questionarem abertamente “quais foram, afinal, os benefícios da Independência para S. Vicente”, uma vez que, embora a ilha tenha tido algum crescimento económico, o seu estatuto regrediu em vários aspectos. Esta ilha de onde o Estado “fugiu a sete pés” já não é pujante, não respira dinamismo, modernidade e cultura, e sobretudo está falida como projecto económico. Esta verdade dói, sobretudo para quem apostou e acreditou muito na independência como uma alavanca para a ilha e para o país. É claro que há muitos mindelenses a ocupar lugares cimeiros e chaves no Estado Central na Praia. Mas uma coisa é evidente, a capital do país, Praia, e a Ilha de Santiago são beneficiários nítidos de uma independência centralizadora. Portanto, as coisas poderiam ter seguido um rumo bem diferente após a independência. Como diria Dumond, analisando as independências africanas nos anos 70-80, “L’Afrique est mal partie”. Temos que dar respostas a estas inquietações mindelenses e cabo-verdianas, de modo a devolver a esperança às populações e a acreditar no futuro do país. Este caminho não é fácil mas tem que ser trilhado.

Por outro lado, já estamos a ver os problemas criados: a Praia é a própria vítima do Centralismo. Esta política já está a trazer à capital do país problemas graves que agora estão a extravasar para a periferia e o resto do país: crescimento da insegurança, urbanismo caótico e desordenado, problemas básicos de infra-estrutura, carências crónicas de energia e água, custos galopantes dos bens e serviços, desestruturação do modo de vida tradicional do interior da ilha de Santigo, fuga do campo para a cidade, migração económica das outras ilhas para a capital. A situação actual da Praia é, portanto, inconfortável e complexa, começando a pôr em perigo a própria segurança e o bem-estar das populações na capital e no país. Estamos, por isso, também preocupados com a Praia e a ilha de Santiago, pois queremos também uma Praia melhor, um Santiago melhor, que se viva bem nelas e sejam um orgulho para Cabo Verde. Libertar os centros urbanos das tensões criadas pelo crescimento e a concentração é um dos objectivos do debate, que extravasará de certeza o âmbito do debate da Regionalização e da Reforma do Estado. A Regionalização será também uma oportunidade para a Praia, caso o entenda, atacar os problemas atrás focados. Não se pode fazer finca-pé de vantagens e privilégios fortuitos ou ocasionais, quase sempre transitórios, sobretudo quando resultantes de situações injustas. Encontrar-se-ão sempre novos equilíbrios resultantes das mudanças ditadas pelo tempo e pela história (Continua).

 

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