Nesta primeira parte incidiremos sobre as
razões da Regionalização o papel da sociedade civil e dos intelectuais
P- Que
balanço faz da Mesa Redonda que ocorreu em Mindelo no mês de Novembro de 2012?
R- Positivo, e até ultrapassou as
expectativas. Cumpriu-se a meta que correspondeu em colocar o debate sobre a
Regionalização e a Reforma do Estado na sociedade civil. Agora está-se no
arranque de uma fase importante, a de mobilização da sociedade civil mindelense,
porque, como sempre, é ela a puxar a pesada carroça que é Cabo Verde. Participaram
activamente no debate pessoas de todos os quadrantes políticos e sociais, nomeadamente
das forças vivas da ilha. Teve o mérito de aproximar as posições de membros dos
diferentes partidos do xadrez mindelense. Se a Reforma só dependesse deles, a
Regionalizado já teria começado. Todavia, não se pode descurar um facto
importante: o poder dos centralistas nos principais partidos políticos é hoje
dominante, os interesses das elites da capital, incluindo o dos mindelesense aí
instalados, é muito forte. Não é com a boa vontade dos nossos bravos que as
coisas avançarão e que chegaremos lá, mas sim com muito esforço e suor. As
coisas não cairão do céu, espero que os que estão agora a militar nesta causa
fiquem convencidos. A Regionalização do país vai exigir empenho, dedicação e
paciência. O país mudou muito, já não é o mesmo dos anos 70, 80 ou 90, onde S.
Vicente contava muito, dava cartas políticas, como nos lembram com toda a razão
alguns cínicos. Com efeito, o centro da gravidade de Cabo Verde está hoje entre
a Praia e a Assomada. Mas para quem ainda tenha dúvidas, que se desengane de
vez, a Regionalização é um projecto que une uma larga franja da sociedade
mindelense, extravasa as clivagens políticas, ideológicas e sociais da ilha.
Para quem tinha algumas dúvidas sobre a
nossa motivação, elas vêm sendo progressivamente esclarecidas. Portanto é um
assunto a ser tomado com muita seriedade pelos partidos na Praia e pelo governo.
Quando Mindelo se põe em marcha as coisas ficam sérias.
P-
Qual é o papel do movimento da sociedade civil em torno deste tema, que já
extravasa o âmbito dos partidos pelo menos em S. Vicente?
Importantíssimo. A sociedade civil de S.
Vicente sempre jogou um papel importante nas transformações no arquipélago. Julgo
que ela vai ser determinante no processo de Regionalização. Constatei que estão
a soprar em S. Vicente novos ventos de cidadania, com a criação de núcleos de
reflexão sobre a problemática específica da Regionalização, outros sobre a
Cultura, a Democracia, o Desenvolvimento etc. A Ilha inteira está a
movimentar-se em torno desses debates, com vários movimentos de cidadania. Ela
está prenhe para um potente desabrochar da sociedade civil em torno de
projectos dinamizadores. A Regionalização está sendo encarada com muita
motivação e parece que estamos naqueles momentos em que os mindelenses ficam
entusiasmados e confiantes e começam a juntar-se todos, acreditando no futuro. Acredito
também que é nesta ilha, S. Vicente, que o futuro de um Cabo Verde renovado,
moderno e democrático vai ser mais uma vez decidido.
P- Qual
é o papel que o intelectual e político Onésimo Silveira tem jogado e jogará
neste movimento. Os outros intelectuais, a elite mindelense? Temos ouvido falar
de um movimento de cidadania activo no
Mindelo e as restantes ilhas?
R- Onésimo é na minha opinião um cidadão
incontornável tanto em S. Vicente como em Cabo Verde. Tem desempenhado um papel
galvanizador neste debate sobre a Regionalização, de que tem sido desde os anos
90 um grande protagonista e defensor. Acredito que ele consiga ainda mobilizar
uma larga franja da população mindelense. Tem escrito textos denunciando o
estado de abandono de S. Vicente. Os temas que trata têm sensibilizado e mobilizado
muita gente. Ele é um grande intelectual e pensador cabo-verdiano, e, como
todos os mindelenses que se prezam, defende acerrimamente a ilha. Esperemos que
se dedique mais à investigação da sociedade mindelense e cabo-verdiana, que publique
o seu pensamento, para deixar um legado à ilha e ao país. Achamos que o
trabalho que vem fazendo é extremamente importante e esperemos que estimule
outros a fazer o mesmo.
Afinal onde param os intelectuais, a elite,
os pensadores do resto de Cabo Verde?. O estado actual da sociedade
cabo-verdiana é caracterizado por um mutismo ensurdecedor: é preciso regressar
da Pasárgada, e sair do círculo vicioso da choraminguice passadista e nostálgica,
ou da auto-bajulação por conquistas ilusórias do presente, para começar a
pensar a sociedade e a ser mais crítico, criativo e produtivo, no sentido da
melhoria do país. Acho que para a saúde da sociedade, é preciso que a inteligentzia
(a intelectualidade) cabo-verdiana se descole, se autonomize e se distancie dos
partidos, se aproxime mais da sociedade, e se produza reflexão com conteúdo e
valor acrescentado. Julgo que é esta a missão dos intelectuais. Se a
Regionalização tem incomodado uma certa elite, que vive do statu quo de
interesses e privilégios instalados e do conforto da capital, no que concerne ao
movimento, tudo o que se espera dos intelectuais é que se envolvam no debate da
Regionalização e da Reforma do Estado, este desafio para renovação do país.
P- Tem-se
falado nestes últimos meses da Regionalização, que é uma Reforma Política e Administrativa
para o país. Razões desta Reforma e em que é que consiste? Porquê agora?
R- Vou começar respondendo à segunda parte
da sua questão. A história do Centralismo coincide com a do nascimento deste
país e resulta de uma concepção ideológica ou de uma leitura errada da
sociedade cabo-verdiana. Porquê agora? É
agora que o Centralismo se manifesta com a maior acuidade e gravidade, pelo que
é urgentíssimo a correcção das distorções e dos males de que sofre o actual
sistema cabo-verdiano, excessivamente centralizado e burocratizado. S. Vicente
está a decair e à míngua por causa do Centralismo. É preciso lembrar que antes
da independência, Cabo Verde contava com dois grandes pólos urbanos autónomos, a
Praia, por possuir o governo central da colónia, e S. Vicente, por ter uma
classe comercial e empresarial dinâmica, que vivia em torno do Porto Grande e
que atraía a maior parte dos intelectuais do país. S. Vicente, com o seu peso
económico e a sua intelectualidade, contava tanto para o governo da Praia como
para o de Lisboa. A partir de 1975, optou-se por não utilizar a estrutura já
montada do tempo colonial em S. Vicente, deixando a cidade decair, criando tudo
de novo (o famoso Novo), de raiz, na capital colonial, transferindo e concentrando
tudo na Praia, uma tendência que foi em crescendo até aos nossos dias. Esta
concentração humana na Praia poderá ter sido o maior erro na construção do
jovem Estado, pelo qual S. Vicente e o próprio Cabo Verde pagam caro hoje. E hoje
em dia há já muitos mindelenses a questionarem abertamente “quais foram,
afinal, os benefícios da Independência para S. Vicente”, uma vez que, embora a
ilha tenha tido algum crescimento económico, o seu estatuto regrediu em vários
aspectos. Esta ilha de onde o Estado “fugiu a sete pés” já não é pujante, não
respira dinamismo, modernidade e cultura, e sobretudo está
falida como projecto económico. Esta verdade dói, sobretudo para quem apostou e
acreditou muito na independência como uma alavanca para a ilha e para o país. É
claro que há muitos mindelenses a ocupar lugares cimeiros e chaves no Estado
Central na Praia. Mas uma coisa é evidente, a capital do país, Praia, e a Ilha
de Santiago são beneficiários nítidos de uma independência centralizadora. Portanto,
as coisas poderiam ter seguido um rumo bem diferente após a independência. Como
diria Dumond, analisando as independências africanas nos anos 70-80, “L’Afrique
est mal partie”. Temos que dar respostas a estas inquietações mindelenses e cabo-verdianas,
de modo a devolver a esperança às populações e a acreditar no futuro do país.
Este caminho não é fácil mas tem que ser trilhado.
Por outro lado, já estamos a ver os problemas
criados: a Praia é a própria vítima do Centralismo. Esta política já está a trazer
à capital do país problemas graves que agora estão a extravasar para a
periferia e o resto do país: crescimento da insegurança, urbanismo caótico e
desordenado, problemas básicos de infra-estrutura, carências crónicas de
energia e água, custos galopantes dos bens e serviços, desestruturação do modo
de vida tradicional do interior da ilha de Santigo, fuga do campo para a cidade,
migração económica das outras ilhas para a capital. A situação actual da Praia
é, portanto, inconfortável e complexa,
começando a pôr em perigo a própria segurança e o bem-estar das populações na
capital e no país. Estamos, por isso, também preocupados com a Praia e a ilha
de Santiago, pois queremos também uma Praia melhor, um Santiago melhor, que se
viva bem nelas e sejam um orgulho para Cabo Verde. Libertar os centros urbanos
das tensões criadas pelo crescimento e a concentração é um dos objectivos do
debate, que extravasará de certeza o âmbito do debate da Regionalização e da
Reforma do Estado. A Regionalização será também uma oportunidade para a Praia,
caso o entenda, atacar os problemas atrás focados. Não se pode fazer finca-pé
de vantagens e privilégios fortuitos ou ocasionais, quase sempre transitórios, sobretudo
quando resultantes de situações injustas. Encontrar-se-ão sempre novos
equilíbrios resultantes das mudanças ditadas pelo tempo e pela história (Continua).
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