Quando o
PAIGC Achou/Redescobriu S. Vicente:
2ª Parte-A decadência de S. Vicente: o
triunfo da ruralidade, o retorno ao passado, a crise de valores e o lento
apagamento do farol civilizacional do arquipélago (Janeiro de 2015)
Quando nos
inícios dos anos 60 Portugal começou a tropeçar em África, estava em gestação o
prenúncio de uma ‘revolução’ em Cabo Verde e teria como palco pela 2ª vez a
ilha de S. Vicente com a adesão total aos ideais do 25 de Abril, ao PAIGC e aos
ideais da Independência: ao Redescobrir o
S. Vicente revolucionário o PAIGC achou Cabo Verde.
Esta
revolução terá todavia feito a longo prazo (40 anos) uma vítima colateral, o
derrube completo da ilha, de todos os valores que a caracterizavam:
liberalismo, cosmopolitismo, abertura de espírito etc. O regime instalado em
Cabo Verde embora de cariz justicialista e mesmo messiânico, era incompatível
com uma sociedade de valores livres e liberais, incarnada em S. Vicente, por
razões que desenvolvidas mais a frente.
Na realidade
é o advento do Estado Novo conservador em 1922 e a sua longevidade de 50 anos
aliada ao lento decair da influência e da presença inglesa que marcam uma
segunda revolução da ilha e no arquipélago, representando agora um rude golpe
na economia e na trajectória que parecia imparável. O conservadorismo do regime
salazarista e a ausência de perspectivas económicas, constituíram o primeiro
desencontro da ilha com a história. Punha-se fim a uma experiência de cerca de
um século e o ‘Cabá Carvon’ engendrou ‘Cabá Vapor’, entrava-se num novo ciclo, numa
nova era caracterizada pela emigração em larga escala (para os que mesmo assim podiam
emigrar), ao passo que para a população residente as perspectivas ficavam cada
vez mais sombrias, sem trabalho empobrecia-se irreversivelmente. O imobilismo
do Estado Novo contrastou com o dinamismo francês na vizinha Dakar e o espanhol
nas Canárias, que atempadamente souberam e atrair para si o trafego marítimo
internacional. S. Vicente e Cabo Verde ficariam à espera por novos ventos que
não tardariam de soprar.
O 25 de
Abril e o 5 de Julho constituíram momentos revolucionários nunca dantes vividos
na ilha, em que os mindelense liderados pela juventude estudantil e a pequena
burguesia local, participaram efusivamente numa ampla movimentação social só
comparada com as manifestações religiosas que no passado ocorriam. Estes
momentos marcaram início de uma nova era no arquipélago, uma ruptura com o passado sufocante associado ao Estado
Novo conservador e colonial. Desta vez o povo mindelense participara numa
revolução pacífica, foi o principal actor dando o seu corpo inteiro à uma justa
causa. O povo da ilha desafiou a sociedade de então, dançou, cantou
ruidosamente com todas as suas energias, manifestou, amou livremente, enfim fez
tudo o que era proibido, tornara-se proibido proibir. Nada seria como dantes na
ilha. Teoricamente entrava-se na era liberdade total de expressão de pensamento
e de criação, de liberdade nacional, de progresso material e espiritual, pão e
trabalho para todos, brevemente ver-se-iam águas a correr pelas levadas como
prometiam as canções revolucionárias. Mas como todos sabemos nada disto se
passou, e a festa foi de pouca dura, ou melhor uma ‘festa’ continua ao ritmos
dos festivais de um dia que animam uma população em desnorte de valores, sem
trabalho, nem futuro, em que o que resta de esperança na ilha rima com o passado e com a palavra mítica e
intraduzível palavra ‘sabe’ : ‘Passá Sabe’, ‘Sabura’, ‘Depôs de Sabe Morrê Ca
Nada’ ou ‘Soncente Eh Sabe…’.
Com o 25 de
Abril o PAIGC entra logo em cena, partido antes desconhecida
pela esmagadora maioria da população cabo-verdiana, é levado aos píncaros pelos
mindelenses, ao mesmo tempo que se marginalizaram forças autóctones entretanto
nascidas do 25 de Abril assim com as figuras consideradas proeminentes no
arquipélago, por serem na época consideradas ilegítimas (o PAIGC ganhou toda a
legitimidade histórica por ter combatido Portugal na Guiné em nome de Cabo
Verde) negociando assim unilateralmente com Portugal a transferência de poderes,
sem que as população e as forças politicas autóctones fossem tidas ou achadas no
processo negocial e no desenho do país independente. O PAIGC tornou-se num
ápice força dirigente de Cabo Verde, a luz e o guia do povo de modo que o
governo. Estavam lançados os dados em Cabo Verde e o seu futuro ia depender desta
trajectória inicial.
O programa do PAIGC em 1975 não se anunciava de todo
amigável para ilha, nem para Cabo Verde, deixando muita apreensão no ar:
nacionalizações (?), restrições, racionamentos, economia centralizada e
estatizada, colectivismo,
reforma agrária (?), partido único e delito de opinião a quem tivesse ideias contrárias
ao poder. Pior o regime que se pretendeu ter nascido nas matas da Guiné,
forjado na luta de libertação, que envolveu essencialmente camponeses, pretendia
constituir a sua principal base de apoio nos campos (?) de Cabo Verde, ou seja
na ilha mais populosa do arquipélago, Santiago. Esta opção representaria o triunfo da ruralidade, o retorno ao
passado, muito marcado pelas teses revolucionárias em voga no 3º Mundo. Em segundo
lugar pretendia-se uma ruptura total com o passado colonial, extirpando aquilo
que denominavam de sequelas do colonialismo português em Cabo Verde e por fim
construir um homem novo limpo das mesmas sequelas. Nesta corrida S. Vicente
estava mal posicionada pois de ilha revolucionária que adoptou
incondicionalmente o programa do Paigc, estaria corrompida espiritualmente, sendo
mesma vista por alguns como filha bastarda do colonialismo. Lançou-se deliberadamente
o estigma de a ilha ter sido aliada do colonialismo português. Inicia-se assim
a longa marcha rumo ao Centralismo em Cabo Verde na Praia, uma opção declaradamente assumida pelos poderes. É
nesta perspectiva que uma ilha como S. Vicente não foi comtemplada com uma
única representação do Estado, Praia de Bote ficou mais uma vez a ver navios
passar: ao mesmo tempo que perdia massa crítica, o dinheiro deixava de circular
na ilha. De ilha nobre, culta, intelectual e com elevados padrões de valores
morais e civilizacionais, participativa confiante no futuro radiante prometido,
transformou-se em ilha abandona, deserta, descrente, sem trabalho, onde nada
acontece para além de alguns festivais e o carnaval inicialmente improvisados,
depois institucionalizados. O ‘Passá Sabe’ tornou o leitmotiv do povo e a infindável
farra que se iniciou no 25 de Abril tornou parte da decoração. Enquanto isso
assiste-se impávido e sereno à descaracterização rampante da nossa linda cidade
e alguns mindelenses embriagados declararam ‘Tud Pa Tchom’ ao nosso lindo património arquitectónico, enquanto grupo militam para a requalificação do património e monumentos históricos,
outros modernizadores e demagogos prometem atirar ‘o Velho’ de Cabo Verde para
o Lixo da História, usam palavreado
neo-revolucionário, apelidando de Pardieiros
Imundos, Refúgios de Drogados ou Lixeira Degradantes da Cidade do
Mindelo, a antiga Casa Adriana o Eden
Park e talvez Liceu Gil Eanes, o Fortim e tantos outros edifícos deixados
intencionalmente cair em ruina.
Segundo uma absurda tese económica em voga no Cabo
Verde, S. Vicente não se devia desenvolver mais, tinha que parar no tempo (imaginem)
para que as outras partes do país chegassem ao seu nível de ‘desenvolvimento’. O
objectivo desta política justicialista seria, segundo os mentores, contrariar a
tendência colonial que alegam ter consistido em apostar em S. Vicente, pelo que
esta ilha devia ser punida durante décadas. Para fazer justiça re-investiu-se
tudo numa ilha e criou-seuma nova burguesia nacional na mesma ilha. Este efeito
nunca mais parou, e a tendência de transferia de recursos para a nova capital
foi continuamente prosseguida, o que descapitalizou humanamente e
economicamente o resto do país, explicando grande parte a situação de
decadência que encontramos na ilha e no resto de Cabo Verde. No preciso momento
em que existe um discurso de recuperação da ilha, fruto de inúmeras pressões da
sociedade civil para que se desenvolva políticas para travar o declínio de S.
Vicente, prossegue a hemorragia humana da ilha e o centralismo inexorável do
país: todo o centro político e económico está situado ou tem tendência a
centrar-se na capital, todos os quadros mais competentes ou recém-formados,
todas as profissões, todos os projectos, só tem um destino, a capital, transformando
Santiago a única ilha onde os investimentos são mais viáveis, onde circula capital
e dinheiro, onde há poder de compra, onde se criam empregos, onde há perspectiva
de ascensão na carreira etc. Poucos países no mundo apresentam tais
características. Se isto não resulta de um plano conspirativo, então pode-se
afirmar que os regimes e as elites que governaram o país não têm noção e
sensibilidade para administrar país, pelo que nunca farão nada para contrariar os
efeitos perversos desta política injusta e absurda.
Tirando
estas considerações, pode-se mesmo assim argumentar que se o modelo de
desenvolvimento, centralizado, estatizado pudesse ser sustentável numa
legislatura com o intuito equilibrar as contas do país recém-independente, a
sua persistência a sua duração no tempo, para além do prazo, foi um
contrassenso económico, um erro grave que está pagando caro o resto do país.
Mas esta
política não foi implantada sem resistências. Os primeiros sinais preocupantes que
a economia da ilha de S. Vicente (que era o centro económico do arquipélago)
entrava em declínio foram emitidos em 1977 por uma sindicância de comerciantes
mindelense e enviados ao regime (que acolheu mal essa manifestação). As
políticas de austeridade, racionamento, colectivismo e centralismo na Praia,
começavam a asfixiar a ilha e por ricochete o resto de Cabo Verde. Todo o
potencial da ilha estava morrendo de inanição a olhos vistos, sem alternativas
possíveis no quadro dos fundamentos em que se assentavam o regime. Exigia-se um
NEP tal como Lenine na Rússia nos anos 20 do século passado. Mesmo a própria
Diáspora que podia ser o maior parceiro do desenvolvimento do país foi alienada
em 1975 posta de costa virada ao país. Iniciou-se a crispação, a revolta na
ilha e o início do sentimento de oposição: nascia em S. Vicente a contestação
ao regime que se alastrou à Diáspora. A resposta não se fez esperar, numa onda
de repressão sem precedentes abateu sobre a ilha. Não fosse a esperança na Perestroika
de Gorbatchev o fim do Muro de Berlim e a alternância nascida 1992, o
arquipélago estaria ainda mergulhado sistema de partido único sem perspectivas
de saídas possíveis.
Com os
sinais de abertura no Mundo e em Cabo Verde, S. Vicente podia de novo acreditar
no futuro na medida em que a democracia seria a panaceia, o remédio para os
seus males. Nada mais falso! Hélas, por detrás da Democracia emergia um novo
fenómeno em Cabo Verde, que progredia silenciosamente por dentro dos partidos,
o Fundamentalismo Santiaguense, que eclodiu no início do milénio.
Chegou a
hora de Santiago subjugada esquecida, oprimida, a hora da interioridade de Cabo
Verde, do outro Cabo Verde. Tenta-se voltar aos Fundamentos de Cabo Verde e
consagra-se a Cidade Velha século XV. Triunfava a da maioria dos números que curiosamente
em cabo Verde não é da maioria sociológica, o confronto duas realidades bem
diferentes no arquipélago. No espaço de uma geração os Fundamentalistas estavam
convencidos de terem realizado uma revolução sociológica em Cabo Verde, de ter
nascido enfim um homem novo com raiz fincada em Santiago. À ‘Exuberância Irracional de Santiago’
condenava o resto de Cabo Verde a transformar-se em paisagem. Estava-se assim
decidido construir a todo o custo um utópico Estado Nação à imagem da maior ilha
do arquipélago. Os problemas recomeçavam para S. Vicente!
José Fortes Lopes
Bibliografia
JOSÉ FORTES LOPES Quando um filho de S. Nicolau, Baltazar Lopes da Silva, poderia ter
jogado um papel político proeminente no Cabo Verde do pós-25 de Abril e do pós-Independência.
http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/84-jose-fortes-lopes-quando-um-filho-de-sao-nicolau-baltazar-lopes-da-silva-poderia-ter-jogado-um-papel-politico-proeminente-no-cabo-verde-do-pos-25-de-abril-e-do-pos-independencia. Jornal de São
Nicolau, 14 Outubro de 2013
JOSÉ FORTES LOPES:
Pensando Cabo Verde de outra maneira - Quando as Reformas Democráticas e o
Conceito Plural de Cabo Verde deram razão a Baltazar Lopes da Silvahttp://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/93-jose-fortes-lopes-pensando-cabo-verde-de-outra-maneira-quando-as-reformas-democraticas-e-o-conceito-plural-de-cabo-verde-deram-razao-a-baltazar-lopes-da-silva. Jornal de São Nicolau, 15Outubro de 2013.
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