-Ponderações
sobre o modelo de região administrativa mais adequado para Cabo Verde. O modelo
Ilha-Região versus Agrupamentos de Ilhas (Adriano Miranda Lima) In Jornadas da
SEMANA DA REPÚBLICA
Poder
Local/Poder regional na Encruzilhada da Regionalização
A decisão sobre a escolha de um modelo
de regionalização para Cabo Verde não pode fugir à dialéctica sobre a ocupação
do espaço, a qual opõe a visão mais estática e conservadora de autores como
Vidal de La Blache à visão mais moderna que é partilhada por outros como Paul
Claval e Jean Labasse.
A alternativa que se nos coloca é entre
o modelo “região-ilha”, solução minimalista, e o modelo “região-ilhas”, visão
mais alargada e comprometida com uma ideia mais expansiva do território e com a
exploração de variáveis que exponenciem a dimensão da unidade regional. Esta última
solução representa um pensamento mais evoluído e tem o seu respaldo numa maior
interacção dos factores geográficos, demográficos, sociais, económicos e
culturais.
O modelo região-ilha, sendo o mais
conservador do ponto de vista conceptual, é por isso mesmo o mais pacífico e
fácil de consenso do ponto de vista político. Desde logo, se cada população fica
politicamente acantonada à sua ilha, a possibilidade de conflito suscitado pelo
processo de liderança interna será menor do que no outro modelo. Mas há um
constrangimento que não é negligenciável com o modelo região-ilha. Resulta, no
caso cabo-verdiano, da diversidade geográfica entre as ilhas, com diferenças
assinaláveis na sua dimensão territorial, demográfica, social e económica. Se
há ilhas que podem reunir condições mínimas, sublinho, mínimas, para uma
governação regional, outras mostram-se desprovidas dos requisitos recomendáveis
para poderem ser actores credíveis de um projecto de regionalização capaz de
revalorizar e relançar a administração do país, como é intenção. Quando os
adversários da regionalização alegam que Cabo Verde não tem dimensão física e demográfica
que justifique o processo de regionalização, estarão a olhar especialmente para
o modelo região-ilha, mas ignorando propositadamente outras soluções.
A outra solução passa pelo
agrupamento de ilhas próximas entre si e com afinidades do ponto de vista
histórico, social e cultural, e também com complementaridades a nível das
potencialidades económicas ou actividades produtivas. A sua principal vantagem
é expandir e potenciar as características da unidade regional, ao passo que os
seus inconvenientes se prendem simplesmente, não com a natureza do modelo em
si, mas com uma eventual dificuldade de firmar consensos entre as ilhas a
agregar.
Resulta claro que não é pela
circunstância de uma ilha passar a ter um estatuto regional que a sua realidade
intrínseca vai mudar. Uma ilha pode passar a ter maior autonomia
administrativa, mas se não possuir massa crítica, potencialidades económicas e
meios financeiros suficientes para alavancar os seus projectos, o que é que
muda significativamente no seu panorama social? De resto, há ilhas (como Maio,
Brava e mesmo outras), em que a regionalização não tem qualquer base de
sustentação possível, seja territorial, demográfica ou económica, ou as três
situações conjugadas, para justificar um governo regional. Assim sendo, mesmo
que aprovado e posto em prática o modelo região-ilha no conjunto do território,
algumas realidades insulares teriam de se juntar a outras para que o projecto
de regionalização não enfermasse de debilidades congénitas ou disfuncionalidades
no seu conjunto. Mas essa diferença de soluções ocasionaria uma situação
heterogénea no espaço do ordenamento territorial nacional, com ilhas dotadas de
governo regional próprio e outras a terem de se agrupar para atingirem o mesmo
desiderato.
Repare-se que, mesmo fazendo um
esforço para acrescentar a algumas ilhas um pouco mais de meios e recursos para
credibilizar os seus órgãos regionais, provavelmente pouco ou nada se operaria
na transformação da sua fisionomia, porque há inércias negativas que não são
fáceis de contrariar. Qualquer entorse no sistema poderia vir a dar azo a que
se concluísse que o estatuto de região-ilha, incapaz de romper com as rotinas
antigas instaladas, rotinas de pobreza endémica e de limitações naturais e estruturais,
não foi motor com potência capaz de tirar as ilhas sair do ciclo de fatalidade e
imobilismo, condicionante do seu desenvolvimento. E perante o insucesso do
modelo, os adversários e críticos da regionalização iriam proclamar,
triunfantemente, que afinal tinham razão, enquanto o centralismo do Estado se
sentiria revigorado no seu propósito de manter as coisas como estavam antes.
Na verdade, creio que o poder
regional reduzido a uma escala menor – a da região-ilha − não reúne peso político
e base sociológica para a valorização institucional do novo quadro de
organização administrativa. Mais grave ainda se cada ilha começar a reivindicar
meios e prioridades de forma irrealista, completamente autista, alheia à
realidade nacional, olhando só para o seu umbigo, não levando em conta que o
país é pobre e está a braços com uma dívida pública proibitiva. Se cada ilha
fizer do seu ego a sua bandeira, incapaz de olhar para a problemática regional
numa perspectiva de cooperação inter-ilhas, de partilha e rentabilização de
infra-estruturas comuns, de exploração de sinergias e de cultura de vizinhança,
o processo geral pode vir a naufragar ainda antes de atingir o alto mar. Seria
confrangedor vir mais tarde a reconhecer que o governo ficou com legitimidade
política para reverter o processo, uma vez comprovado que o poder regional a
uma escala mínima redundou em mero desperdício de recursos e perda de tempo,
mantendo-se inalteráveis as assimetrias e os desequilíbrios regionais.
Posto isto, a solução
que me parece mais racional e, sobretudo, menos onerosa para o erário público é
a constituição de apenas quatro unidades regionais, assim estruturadas: Região
Noroeste (S. Antão, S. Vicente, Santa Luzia e S. Nicolau); Região Leste (Sal,
Boavista e Maio); Região Sul (Santiago;) Região Sudoeste (Fogo e Brava). Não
entendo a ideia de dividir Santiago em duas regiões, senão para render-se a uma
ideia liliputiana de região que não faz sentido quando observamos a dimensão
mínima das unidades regionais por esse mundo fora, mesmo em realidades
insulares. Veja-se que ilhas como Guadalupe, Martinica e Reunião são
incomparavelmente superiores a Santiago em território e população e, no
entanto, constituem apenas uma unidade regional. É inegável que o modelo
região-ilha tem riscos que não podem ser negligenciados. Como ficou patente,
decorrem da exiguidade de grande parte dos nossos territórios insulares mas
também de uma provável dificuldade em suster a afirmação de certos egotismos e
caciquismos, e mais grave ainda quando estes se entrelaçam com cumplicidades
político-partidárias.
Assim, importa que antes da decisão
definitiva sobre o modelo de região, sejam devidamente ponderados os prós e
contras de cada alternativa possível e, sobretudo, que não se descure que a
criação de pontos de convergência e conciliação entre as ilhas mais próximas
deve, desde já, ser incentivada, por poder vir a ser determinante do sucesso do
novo ordenamento político-administrativo, se não mesmo uma medida prospectiva
para a escolha preferencial do modelo região-ilhas. Enfim, que haja ponderação
e prevaleça o bom senso!
Praia, 17 de Janeiro de
2018
José Fortes Lopes (Em
repesentação de Adriano Mirand
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