Regionalização: E se a Montanha Parir Um Rato!!- 2ª Parte
2ª Parte do
artigo de opinião IN ‘Quo Vadis Regionalização de Cabo Verde: PAICV e MPD
entendem-se sobre uma Nova Proposta consensual? (Um artigo de opinião)’
Na 1ª parte tinha questionado se a mudança
de terminologia (a Regionalização passou a chamar-se SupraMuncipalismo) teria o intuito de criar confusão conceptual,
ou mesmo esvaziar o conceito/conteúdo. Como se sabe o Municipalismo é um
conceito bem definido, as populações associam-na à existência de câmaras
municipais, de cujo funcionamento bem ou mal conhecem.
Segundo defendem os regionalistas, a
instalação de uma verdadeira Regionalização corresponderia, em teoria, à uma
nova fase de um processo democratização de Cabo Verde, começado em 1992.
Corresponderia à instalação, pela primeira vez em 42 anos, de um verdadeiro
poder local, já que o poder Municipal redundou em fiasco, devido ao centralismo
e ao partidarismo actualmente reinante. Com a Regionalização, trata-se de pôr
termo definitivamente ao Centralismo cultural e económico, ao mesmo tempo que
se tenta aproximar as populações, de um
arquipélago caracterizado por uma grande dispersão territorial, dos centros de
decisão, criando assim uma maior e melhor interacção com um poder local. As
populações poderão assim, ver grande parte dos seus problemas locais ou específicos,
que anteriormente eram decididos longe, na capital-Praia, serem resolvidos atempadamente
e no local das suas residências. Para além disso este processo contribui para a
descentralização do país, reduzindo o peso arbitrário da burocracia e do
centralismo. E cereja em cima do bolo, a criação de Regiões poderia ser uma
excelente ferramenta de alavancagem das economias regionais. A possibilidade
de: (1) atrair capital humano e financeiro para regiões (muitas já em processo
de desertificação humana ou de competências); (2) de decidir soberanamente
sobre os melhores projectos locais; (3) fazer diplomacia regional e parcerias
internacionais, nomeadamente com países regionalizados, tais como os da EU ou
os EUA (no qual existe uma importante comunidade da ilha da Brava ou do Fogo);
(4) de zelar pela preservação e defesa do património material e imaterial local,
ignorados pelo estado dito central. Esta lista não exaustiva, evidência as
vantagens de uma verdadeira Regionalização de Cabo Verde.
É claro que sendo a Regionalização um
conceito já por si abstracto e complexo, pelo que o uso de demasiados conceitos
para a definir, a mudança frequente de linguagem ou de doutrina sobre a
matéria, mesmo que seja aparente, podem contribuir para a desinformação e a
desmobilização da população, quando se sabe que ela não estão suficientemente
informada sobre a questão/problemática em debate, ou quando está, não tem todos
elementos necessários para avaliar o que está em jogo, mesmo que a
necessidade de um novo poder local pareça hoje evidente. A Regionalização é
daquelas reformas indispensáveis, mas difíceis de explicar.
Voltemos então a o que está em jogo
neste artigo.
Com efeito, logo à partida, no
Preâmbulo do actual Anteprojecto de Regionalização do MPD/PAICV, a Região é
definida do seguinte modo:
“A região é uma autarquia local
supramunicipal que tem por território uma ilha. “
O mínimo que se possa dizer é que a actual Proposta
não é clara e abre várias interpretações: Municipalismo e/ou Regionalização?
Não tenhamos mais ilusões, para o PAICV e o MPD, a
Região não é nada mais nada menos que uma Autarquia, certo Supramunicipal, em
outras plavras as regiões são câmaras, logo a
Regionalização é municipalista.
Ora, um bom entendedor não precisa de
melhor definição. Voltamos pois ao ponto inicial do impasse no diálogo, agora
por provável interposição do PAICV. Recorde-se que logo que espoletou o debate
da Regionalização, o PAICV, como partido, posicionou-se contra o conceito de
Regionalização, tendo contraposto ou oposto o seu modelo, o SupraMunicipalismo,
que segundo eles figurava na actual constituição, e era a máxima concessão que
nos era permitida. Assim, vincava a sua opção por um modelo puramente
administrativo, negando categoricamente qualquer veleidade política ao
processos ao poderes regionais eventualmente a serem instalados. A Região é,
pois, para o PAICV, um conceito demasiado revolucionário, ou mesmo subversivo
para a sua ideologia centralizadora e conservadora.
A questão que se coloca agora, num
cenário de implementação deste modelo municipalista, é se os supra-municípios
funcionarão como câmaras municipais, reforçadas com alguns poderes
administrativos, ou se estaremos perante uma mudança substancial do panorama
municipal? Como se sabe nenhuma mexida na estrutura do poder autárquico está
prevista, o que por si já nos deixa perplexo!
Ora se for a primeira opção, a do
Supramunicipalismo, é minha íntima opinião, que estaremos mesmo longe da meta
da Regionalização, e muitos perguntarão se terá valido a pena tanta excitação,
para a ‘Montanha Parir Um Rato’.
No que me concerne, o conceito do
SupraMunicipalismo, que combati logo à partida, não é mais do que o velho,
estafado e caduco Municipalismo, agora encapotado em Regionalização, com o
intuito de garantir todas as prerrogativas do poder central, esvaziando o
conceito original de Regionalização. Ou seja, estaríamos perante uma operação
para manter o Centralismo tal como o conhecemos, mantendo poderes locais
fracos, com pouca capacidade política e executiva. Isto levaria a concluir que a
Regionalização funcionou como tema de campanha e um engodo político.
A Região tal como concebo e tal como funciona nos países regionalizados (França, Espanha, Suíça, Bélgica, Madeira, Açores, Canárias etc.), não é uma Autarquia e tão-pouco uma Supra-Autarquia. É mais do que isso, é algo abrangente, é um poder com uma natureza diferente do poder municipal/autárquico, mesmo que alguns teoricamente possam assimilar o SupraMunicipalismo à Regionalização. A região é um espaço geográfico abrangente, maior do que uma mera cidade, pode abranger, inclusivamente, várias cidades. Ela é um espaço social, cultural, histórico, económico e político. De resto, muitas regiões francesas ou alemãs têm dimensões superiores a Portugal, logo não são autarquias. É claro que uma Região em Cabo Verde poderá ter um formato SupraMunicipal, no sentido em que pode e deve abarcar sob sua tutela/superintender autarquia(s), por se tratar de um espaço reduzido e sobretudo por haver ilhas unimunicipais, tais como S. Vicente. Mas basta estender o conceito de ilha Região para um mais abrangente, podendo englobando várias ilhas, como muitos defendem, para esta analogia desaparecer. Logo a Região não é, e nunca poderá ser confundida com uma Autarquia.
De resto, temos
insistido na necessidade de uma Reforma do Municipalismo, para que a
Regionalização seja bem instalada e sucedida.
É claro que a classe política não está interessada em reformas o Sistema, o que
implicaria tocar no negócio do Centralismo e em mexidas na Constituição (que
não sejam para salários, regalias e benesses).
Também desapareceu na actual Proposta outro conceito não menos importante: o Governo Regional. Era sabido que este termo também fazia mossa aos centralistas, pelo que foi substituído por um termo soft, Comissão Executiva Regional. Não me admira que os membros desta Comissão sejam chamados Comissários do povo:
Artigo 6.º
Órgãos
São órgãos próprios da região administrativa
a Assembleia Regional e a Comissão Executiva Regional.
Para além disso, já se sabe que a
implementação das Regiões, prometida para finais de 2016 foi adiada para 2020,
ao passo, que o iníquo e oportunista Estatuto Especial para a Praia Capital de
Cabo Verde, vai a todo o vapor para a aprovação urgente na Assembleia Nacional
cabo-verdiana, prevendo a sua entrada em vigor já em Julho de 2017. Convenhamos
que seria impossível a partir de uma simples experiência piloto de
Regionalização em S. Vicente, limitada no tempo, validar um processo tão
complexo e introduzir a Regionalização em 2016.
O
que mais temo, é que este processo de Regionalização, dado o pouco empenho dos
poderes, possa ser empurrado com a barriga para as Calendas Gregas, ou que
acabe em águas de bacalhau. De resto os sinais do novo poder não atestam
nenhuma vontade de corrigir o Centralismo, ao contrário ela volta ao galope com
doses superiores comparativamente ao regime anterior. O eventual fiasco da
Regionalização corresponderia a uma derrota das aspirações a uma maior
democracia local, do qual os principais
partidos poderiam não sair incólumes.
Antes
de terminar registo com curiosidade o facto que a UCID, o 3º
partido de Cabo Verde, de base regionalista e fortemente ancorado na região
Norte, estar fora deste processo de reflexão.
Perante estas constatações, aumentam as dúvidas sobre a seriedade do processo de Regionalização em Cabo Verde. Sou mais um que vai engrossar a lista dos cépticos.
Defendo, pois, uma clarificação dos conceitos e da Proposta. É preciso definir bem o que se pretende: o aprofundamento do actual Municipalismo, ou uma ruptura para uma real Regionalização. Caso contrário estaremos mais uma vez perante uma pura operação de mistificação política. Seremos obrigados a concluir que a Regionalização foi uma operação de marketing político para captar votos.
20 de Maio de 2017
José Fortes Lopes
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