Do Colóquio/“Atelier”
sobre a regionalização em 2007 ao Conselho de Ministro de 2013
em Mindelo: O enterro e a ressurreição da Regionalização Administrativa.
(Da Génese do
Centralismo em Cabo Verde ao Debate da Regionalização: 2ª
Parte)
Na primeira parte
concluímos que estaríamos perante um confronto sobre os caminhos futuros para o
país, entre um modelo conservador, centralista, partidarista, dirigista,
fechado ao mundo não respeitador da diversidade e um modelo progressista, descentralizado
democrático, regionalista, aberto ao mundo e respeitador dos valores da
diversidade assim como os globais da cabo-verdianidade.
No
meio disto tudo, decorre o debate sobre a Regionalização em crescente
efervescência, o Grupo de Dinamização activa-se no Mindelo e os mais novos
começam a vir a terreiro e a aderir entusiasticamente à ideia da mudança,
emprestando-lhe o entusiasmo e a generosidade que são timbre da juventude e
flor da esperança. O governo, por seu turno, de forma sorrateira, arma uma
mise-en-scène e “contra-ataca” reunindo um conselho de ministros em S. Vicente,
como querendo alardear uma intenção de abertura para a descentralização,
durante o qual anuncia ‘projectos estruturais’, entre outros o Cluster do Mar e
as polémicas obras na Laginha. Simples expediente dilatório para manter o muro
de silêncio e o tabu à volta da Regionalização, mas que já não convence os que
entendem que o caminho a seguir é o de uma verdadeira democratização política,
social e económica do país, a única via para a alavancagem do futuro e para um
desenvolvimento sustentável.
Mas
não, em vez disso, assistimos a promessas de projectos grandiosos e votos
piedosos para transformar Cabo Verde num país desenvolvido até 2030, quando
depois de 40 anos de independência a sua estrutura permanece a de um país
extremamente vulnerável, reciclador de esmolas, e no limite da viabilidade.
Após ter anunciado há meses que já ia abrir o famoso Livro Branco e promover um
debate alargado, parece que o Primeiro-Ministro arrepiou caminho e volveu-se a
numa postura mais expectante, como que a ver no que param as modas. Todo o
investimento em curso neste momento parece canalizado para desmontar,
descredibilizar ou esvaziar a ideia da Regionalização, quando se pensava,
conforme promessa feita, que o José Maria Neves ia orientar o seu partido no
sentido de contribuir para o debate de ideias sobre a reforma em causa. Ao
mesmo tempo, lança uma grande confusão conceptual sobre a Regionalização,
baralhando o debate, ao defender a sua vertente exclusivamente Administrativa,
pura hipocrisia de quem pretende iludir o cidadão sobre a natureza de um
processo que é simultaneamente administrativo e político. É o
mesmo que com muito empenho e zelo defende inoportunamente o projecto de
Estatuto Especial para a capital, quando qualquer desatento percebe que esta
iniciativa só poderá estar enquadrada numa discussão global no âmbito da
Regionalização. Após anos de políticas centralistas, fundamentalistas, não
poucas vezes apostando na táctica de dividir para reinar, acusa os
regionalistas de quererem dividir o país. Estas alegações são tanto mais falsas
e infundadas quanto até hoje não se provou que algum país tenha ficado pior ou
dividido após a adopção da Regionalização, que é sempre uma receita
vantajosamente aplicada em países com descontinuidade territorial e cambiantes
culturais mais ou menos diferenciados no seu espaço. Como referi em artigos
anteriores, na maioria dos países a Regionalização foi de tal maneira
aprofundada e bem conseguida que as Regiões acabaram por ser consideradas
entidades políticas ‘tout-cout’, com amplas latitudes políticas e
administrativas, acabando o Estado Central por reservar-se a um carácter
federador de Regiões, como é o caso da Alemanha, dos EUA ou da Espanha, e
limitado ao exercício da soberania. Portanto, nada de criar papões neste
debate. De resto, chegou o momento
em que os centralistas e os conservadores devem dar o corpo ao manifesto
anti-regionalista e apresentarem argumentos científicos convincentes que possam
validar as suas teses sobre a eficácia e a bondade do centralismo e a
inoperância da Reforma que propomos, pois de nada serve ataques pessoais ou
argumentos falaciosos. Como já dissemos,
estamos abertos e aguardando uma confrontação e um debate de ideias
construtivos sobre estes e outros assuntos atinentes ao futuro de Cabo Verde.
É neste contexto que surgem dois artigos de Onésimo
Silveira. “Descontinuidade Territorial
e Regionalização”, em duas partes subsequentes, onde explana o seu
pensamento sobre a Regionalização e anuncia aquilo que não surpreende ninguém,
ou seja, que é adepto do modelo Ilha Região, modelo de resto adoptado pelo
Grupo Dinamizador no Mindelo, de que ele faz parte, um modelo bastante
consensual entre os adeptos da Regionalização em S. Vicente. O que mais
surpreendeu foi a sua abordagem ao modelo de Regionalização. A um dado passo do
artigo, escreve
referindo: “Como
autarquia supra-municipal, a região de São Vicente a si mesma lançaria um
desafio para o futuro. O da solução dos seus problemas em regime de
auto-administração, quer dizer, administrando-se a si própria, já não à
distância, mas por intermédio de dirigentes regionalmente eleitos.” Mais
adianta: “A regionalização administrativa
para São Vicente consistiria numa autarquia local supra municipal, situada,
quanto à atribuição de competências, a um nível mais elevado, entre o Município
e o Estado. É o nível da região administrativa.”
Somos levados a extrair aqui que o Onésimo
Silveira, ao ser cauteloso e mencionar ipsis verbis “Regionalização Administrativa”,
está a falar Urbi et Orbi, tentando
tranquilizar as pessoas que pensam que os regionalistas pretendem o
isolacionismo ou uma independência de S. Vicente, ao mesmo tempo que parece
lançar um piscar de olhos aos conservadores moderados, ainda indecisos, já que
existem no país, nomeadamente nos partidos, como disse, pessoas professando
posições extremamente reaccionárias
sobre esta matéria. A estratégia do Onésimo pode justificar-se pelo facto de o
projecto de Regionalização ser transversal a toda a sociedade mindelense, independentemente
da cor partidária, já que sabemos existirem no PAICV da ilha apoiantes
convictos desta reforma tanto na sua ala progressista como na conservadora.
Lembremos que JMN e o PAICV declararam-se a favor de uma Regionalização
puramente administrativa, ou seja, um modelo de pseudo-regionalização concebido
sob a alçada e tutela do governo, e que mais não é que uma falácia sobre o
próprio conceito. Teríamos, presume-se, uma não-regionalização, tão-só algum
processo de desconcentração do poder político centralizado e que se traduz
apenas em nomear um governador civil que em cada ilha se torna o pau-mandado do
governo. Lembremos ao leitor que nos anos 90 o MPD teria tentado experimentar a
chamada regionalização administrativa com a nomeação de governadores civis para
S. Vicente. Foi o governo eleito do PAICV em 2001 e chefiado por JMN quem
abortou esta experiência ainda no ovo. É a mesma pessoa, que acossada pelo
debate e julgando que os cidadãos têm a memória curta, retira da sua cartola o
mesmo projecto que chumbou 10 anos antes. Por estas e outras razões, as pessoas ficam descrentes da
política e dos políticos, na medida em que estes demonstram sistematicamente
incoerência e inconsistência nas suas posições. Todavia, acredito que o Onésimo
Silveira não pretende essa solução e que talvez se tenha apenas enredado nos
liames do conceito. Como pessoa bem-intencionada, admito que aquele político e
pensador entenda que a designação “regionalização administrativa” contém
implícita a armadura política que é o seu verdadeiro substrato conceptual e que
se traduz basicamente na escolha eleitoral do poder regional e na detenção de
uma larga e autónoma capacidade de decisão sobre os destinos da região. É que,
a não ser assim, nada justificaria tanto debate e tanta eloquência discursiva
derramada na praça pública. Pois se a Regionalização pudesse ser um puro
processo administrativo despido de qualquer carga política, como pretendem os
seus detractores, Portugal Continental teria sido sempre um país regionalizado,
por ter governadores civis, ou a França não teria implementado nos anos 80 a
Regionalização, na medida em que desde Napoleão ela está dividida em
Prefeituras, com Prefeitos nomeados pelo governo e obedecendo às directivas
centrais. Daí que mesmo depois da Reforma dos anos 80 a França tenha conservado
as Prefeituras como instrumento governativo e administrativo do Poder Central,
cedendo às prerrogativas do poder local para as Regiões. Assim, em cada Região francesa temos o poder
do Estado representado pela pessoa do Prefeito e o poder Regional eleito e
pessoa política. Portanto, meus senhores, são dois conceitos distintos, para
quem pretenda intencionalmente baralhar as cartas.
(continua: 3ª Parte: O Debate da
Regionalização e a renovação política de Onésimo Silveira)
(1) LIMA, Adriano, “Descentralização
Político-Administrativa (Entre a teoria e a realidade prática) – 1ª Parte”,
Liberal Online, Fevereiro de 2012
(2) LIMA, Adriano, A Regionalização em Cabo Verde:
Recentrar o tema na agenda Nacional. Liberal Online, Fevereiro de 2012
(3) LOPES, José, “Reacção do Movimento para a
Regionalização de Cabo Verde aos recentes desenvolvimentos políticos em Cabo
Verde”. Notícias do Norte & Liberal Online, 9 de Outubro de 2012.
José Fortes
Lopes
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