AINDA A PROPÓSITO “DO DIÁLOGO E DA ÉTICA”
Há gente que me lê e descobre ideias e propósitos que nunca
me passaram pela cabeça, pelo que é lícito presumir que o fazem às avessas, na
diagonal, ou, seguramente, que estacam à primeira topada nalguma pedra ideológica
que contrarie os interesses dos seus mandantes ou a circunferência das suas
barrigas, o que os obriga a lançar mão de pena viciosa, mas de cara tapada.
Intrigante esse tipo de reacção, dado que procuro sempre ser claro,
transparente, objectivo, evitando linguagem burilada de efeito hiperbólico a
esconder desígnios obscuros.
Esses meus leitores não querem mesmo saber da
regionalização, fugindo dela como o Diabo da cruz, e entendo-os muito bem: não
lhes convém, prejudica-os no gosto que têm por todas as luxúrias. É gente com
ânimto social a marcar temperaturas muito baixas. Perderam o sentimento de
pertença a uma sociedade de cidadãos com interesses, direitos e obrigações
comuns. Não é que não consigam pensar como eu, não; obviamente, que conseguem,
se fizessem algum esforço para não se concentrarem somente sobre os seus interesses
pessoais, ou nos do partido a que pertencem, servem e se servem – pertencem ao
sistema partidário, ou a fazer o tirocínio para tal -, por prezarem mais os do
partido do que os legítimos dos cidadãos que elegeram o seu partido para
governar de acordo com o que prometeu, em benefício da comunidade, antes de
trepar ao poleiro do poder, que a sabura
deste fez relegar para as calendas gregas.
Eu e alguns elementos do Movimento
para a Regionalização de Cabo Verde não somos da mesma cor política, mas
batemo-nos em conjunto, superando eventuais diferenças ideológicas, para obter
um espaço político cabo-verdiano onde seja possível exprimir os nossos
pensamentos e propostas, o que não me parece heresia em política por ser elemento
de participação democrática. E essa superação é possível por pensarmos que
viver em democracia é dirigir-se à inteligência dos indivíduos e não aos seus
instintos, associando-os a um projecto emancipador; tentamos dar, na modéstia
das nossas capacidades, outra escolha aos cidadãos, em vez de menu monocórdico
fastidioso.
Embora não me interesse a prática da política nos moldes em
que se realiza nos nossos dias, sei que em política, a incapacidade de produzir
respostas adequadas pode redundar em perda de direitos adquiridos. A inacção
política, secundária à miopia e surdez a propostas e sugestões de gente idónea
e experiente, conduz sempre a regressões demasiado importantes e faz-nos perder
aquilo que é mais valioso para nós. Seria mesmo escandaloso perdermos os
progressos duramente conseguidos com sacrifícios dos cidadãos na
pós-independência, devido à nossa desatenção, indulgência ou autismo.
Uma sociedade aberta e multicultural - como a nossa - é uma
fonte inesgotável de descobertas, quando se sabe escutá-la e observar com olhos
de ver. Deveria libertar-nos da arrogância, da crença de que os nossos modos de
vida e de pensar são necessariamente os melhores, ou até mesmo os únicos. A
variedade multicultural é para a sociedade aquilo que a variedade biológica
(biodiversidade) é para a vida na Terra. Mas isso não significa que sejamos
indulgentes em relação a certas práticas supostamente culturais. E,
seguramente, não em relação àquelas que, por oportunismo político, populismo,
por razões ideológicas etnonacionalistas e fundamentalista não respeitam o bom
senso, os princípios fundamentais, nem a democracia.
A posição de delírio nacionalista de alguns dos nossos
intelectuais é, de facto, o sintoma da sua inadaptação ao mundo multicultural.
O nacionalismo integrista alimenta-se, afinal, de lendas e não da História.
Foi, por exemplo, o pai espiritual da chamada “Reconquista”, que estudámos no
liceu e que acabou por expulsar os árabes de Granada (os muçulmanos mais
tolerantes que coabitaram harmónica e pacificamente, durante séculos, com
cristãos e judeus), bem como oitocentos mil judeus (aqueles que deram a conhecer
a civilizações grega e romana ao mundo e grande contributo científico para o
início das Descobertas) da Península Ibérica como se fossem cães vadios.
Afinal de contas – já me ia desviando do motivo destas
linhas -, com a regionalização, quase transformada em reola por gente mal-intencionada e de maus bofes, cujo estudo
propusemos ao Governo, passaríamos a falar, como estamos convencidos e o estudo
poderá confirmar, ou até – o que não acreditamos -, rejeitar, de um Cabo Verde
descentralizado em regiões, com uma soberania partilhada, uma opinião pública
independente, um país forte (a Alemanha, por exemplo, demonstra ser possível um
Estado forte com Landers - regiões -
fortes) de cidadãos e muito poucos carneiros, um Cabo Verde pós-centralismo do
poder, mais revitalizado e apto para executar iniciativas a bem de toda a
comunidade.
Cabo Verde tem necessidade de promover os seus valores
sociais, históricos, ecológicos, políticos, e de proteger e valorizar a sua
diáspora deixada, ingrata e inexplicavelmente, por conta, quando há mais
patrícios vivendo fora do país e a ajudar os de casa de mil e uma maneiras.
Livrar-se, de uma vez por todas, dos seus pequenos demónios nacionalistas que povoam
a cabeça de certos africanófilos exclusivistas quando, em verdade, somos um
povo caldeado na mistura de raças e culturas, a qual nos confere a nossa
singularidade. A auto-estima do cabo-verdiano deve centrar-se na sua condição
de mestiços, sem menosprezo dos outros, que, inclusive, constam do seu
património genético.
Infelizmente, o mal da política é, geralmente, os políticos
nunca darem os passos necessários, a menos que se vejam num beco sem saída,
depois de terem perdido as melhores ocasiões e desbaratado, ingloriamente,
enormes recursos.
Parede, Março de 2013 Arsénio Fermino de
Pina
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
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