terça-feira, 27 de julho de 2021

 

O Novo Campus da Praia e da Universidade de Cabo Verde: minha opinião

 

O Novo Campus (novo) da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), que também se escreve Novo Campus da Praia, ou de Santiago, foi entregue pelo governo chinês a Cabo Verde no dia 23/7/2021. Segundo notícia de várias fontes oficiais o Novo Campus " traz outras perspectivas ao ensino superior público, e está Projectado para acolher 4.890 estudantes e 476 professores em 61 salas de aulas, o edifício do traz novas perspectivas e desafios de gestão “. “A sua construção teve início em Julho de 2017 sendo a obra financiada pela China, num valor estimado de 45 milhões de euros, que também instalou em 2015 o Instituto Confúcio, e que hoje é uma instituição que promove a extensão universitária, através da língua e da cultura chinesas." Em entrevista à agência Lusa em novembro do ano passado, a Reitora afirmou que a Uni-CV vai passar a ter um 'Campus' com "condições muito boas" para alunos, docentes, técnicos e funcionários e para pôr em ação a criatividade e o espírito inovador e conseguir desenhar programas dignos do espaço. "E a Universidade de Cabo Verde também quer posicionar-se e está a posicionar-se desde há alguns anos e neste momento com mais fervor já que o novo 'campus' vai-nos permitir receber estudantes de outros países".

Normalmente deveria aplaudir a criação deste Novo Campus em Cabo Verde, mas no passado exprimi reservas sobre a bondade desta obra, a sua sustentabilidade e o seu carácter centralizador, já que mais uma vez vai bombear todos os recursos intelectuais do país, para além do resto, para a Praia, exponenciando um problema gravíssimo de centralismo. Este campus sobredimensionado, não anuncia nada de bom para o futuro do arquipelágico. Vai portnato agravar as dissimetrias existentes. Nada contra um ou vários campus universitários em Cabo Verde, e nada move-me contra a localização na Praia, ou em Santiago do quer que seja. Quando me pronuncio sobre assuntos sobre Cabo Verde, faço-o numa óptica de questionamentos: da sustentabilidade , pois hoje como ontem estamos a falar um país, sempre no limiar da viabilidade, mas em que as coisas são feitas numa óptica de "sopa de pedra", ou de factos consumados, e em que as facturas são empurradas com a barriga, e isso é preocupante. Sempre alguém vai pagar, e isto é um vício de um país insustentável, mas que parece drogado na dependência. Nem me devia pronunciar sobre este ou demais assuntos, por várias razões que não cabe aqui espaço para justificar, mas o problema é que nasci ali, num tempo em que o dinheiro não abundava, havia pobreza (que também não desapareceu com a dita independência), mas tudo era mais equilibrado e racional, era o tempo dito colonial, mas administrado por gente razoável. Na 1ª década deste século tomei posições, (associado a outros activistas cívicos (cidadãos de reconhecido mérito e prestígio, tanto em Cabo verde como na Diáspora)), que protagonizaram um manifesto (MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR de 2010), subscrito por centenas de cidadãos, que na altura, era a melhor ‘nata’ que restou em Cabo Verde e na Diáspora, (ao qual se juntou centenas de simpatizantes) preocupados com o futuro da ilha e de Cabo verde, preocupados com várias derivas na área do urbanismo, do ambiente, da língua e da política (nomeadamente a questão premente da centralização/descentralização). É neste sentido que aparece este artigo, pois  a história desta iniciativa do Campus tem que se lhe diga. No manuscrito escreveu-se o seguinte: “Criar um Campus Universitário (subentendia-se que Mindelo faria parte deste Campus agora construído) e um Complexo Científico abertos ao Mundo, tendentes a integrar Cabo Verde nas novas redes e rotas das Ciências e Novas Tecnologias, e permitindo o intercâmbio entre cientistas e jovens universitários de vários continentes.” Não é que 5 anos depois se anunciava o Campus, mas  exclusivamente para a Praia. Ou seja, uma ideia boa para S. Vicente e Cabo Verde, foi desviada milagrosamente para a Praia exclusivamente, e a China, doadora, não podia, obviamente, exigir a um governo soberano, o contrário daquilo que este decidiu: uma petição de 2017 do ex-deputado da ilha de S.Vicente, Alexandre Xazé, endereçada à embaixada da China, e que defendia que uma parte deste Campus fosse construída na depauperada ilha,  caiu em águas de bacalhau. A ideia é que o projecto poderia desencravar a ilha, e seria um investimento na educação e cultura, para além de permitir a dinamização económica da ilha. Para além disso Alexandre Xazé, afirmou que de acordo com o que fora inicialmente discutido o projecto do Campus de Cabo Verde financiado pela China não estava exclusivamente destinado para a Praia, e que S. Vicente a 2ª ilha do país,  caberia uma fatia importante do bolo. Mas o  acabou desenhado para Priaia/Santiago numa lógica bairrista/centralista, dada a influências de lobbies influentes da ilha,  pelo que o governo chinês na fase posterior à decisão não poderia pronunciar-se sobre um assunto de foro interno. Todavia continuo a achar que na visão de um desenvolvimento equilibrado, e tratando-se de um país-arquipélago , se um país tem dois ou vários pólos, devia-se fazer tender para uma melhor descentralização dos investimentos, e não uma situação unipolar. Por isso qualquer investimento deve pautar por esta lógica, e ser equitativo e descentralizado. Sobretudo que o centralismo da Praia já é um cancro nacional. Na mesma lógica discordei do Estatuto Especial para Praia, que em boa hora foi chumbado em 2019, e o projecto megalómano dos anos 2000, da criação de raíz uma Cidade Administrativa na Praia, aquilo que seria um investimento louco, orçado em cerca meio bilhão de euros (um empréstimo favorável de um governo amigo, que tinha entre outros defeitos, o de ser todo aplicado na Praia) , e que seria nada mais do que um paraíso de betão para os burocratas, sem nenhum ou pouco benefício para a economia real. Sendo assim para mim a concepção deste Campus, é a de mais uma deriva centralista, um capricho de uma elite que se está borrifando para o desenvolvimento do arquipélago, que quer tudo já e junto à casa, sem nenhum sentido de equidade, justiça e descentralização, e mais, sem nenhum sentido de Estado. Uma ilha que já foi no passado o mais importante pólo de desenvolvimento socio-económico do arquipélago, tal como foi escrito na Petição/ MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR de 2010 assinada por milhares de cidadãos, merecia mais, e  uma parte deste investimento milionário. “A ilha de S. Vicente foi, no passado, o centro económico, político, cultural e intelectual de Cabo Verde. Foi nesta ilha que se implantaram, no século XIX, com o arranque da Segunda Revolução Industrial, as primeiras unidades industriais e comerciais do arquipélago, que dinamizaram toda a vida económica da então colónia. S. Vicente passaria então a ser o coração do Arquipélago......Abrigou as melhores escolas e o primeiro liceu da colónia, tendo sido o berço da quase totalidade da passada e actual ‘’intelligentsia” cabo-verdiana, assim como da maior parte da actual classe dirigente do país. .......”. Este Manifesto que já tem 10 anos, mas está actual e vivo. Se voltássemos a fazê-lo, não mudaríamos uma vírgula do seu conteúdo. Infelizmente muita boa gente que o assinou, já desapareceu, levada pela idade ou ‘passou para a reserva’. Dada a sua actualidade vale a pena a sua republicação.

7/7/2020 

José Fortes Lopes

https://mindelinsite.com/opiniao/o-novo-campus-da-praia-e-da-universidade-de-cabo-verde-minha-opiniao/?fbclid=IwAR2zD8r8YlVYZfkwi4eFnwBdrQWR1D-hs5gUaj__DNhWonqdDJzWOdsqRak

 

Revisitando um Manifesto histórico:

O MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR DE 2010

 

Nota Introdutória: Apesar de 10 anos volvidos, dado a sua actualidade, faz todo sentido a republicação deste Manifesto de 2010, pois nenhuma das ideias (verdadeiro programa de governo) generosamente propostas pelos signatários com o intuito de travar a decadência da ilha de S. Vicente, logo de Cabo Verde, até hoje foram concretizadas, continuando o franco declínio, já que os decisores públicos e políticos assim o entendem. O Manifesto foi publicitado em forma de petição e foi enviado em 2010 para todos os órgãos de soberania de Cabo Verde, via correio normal. Com ele pretendia-se, não um “Libelo contra a Independência”, como um jornal o caracterizou, mas tão-somente chamar atenção para o óbvio, como se pode constatar da sua leitura. Conseguimos uma proeza, a de juntar a melhor nata de Cabo Verde que na altura sobrava (em que se incluíam muitos elementos da actual e outrora verdadeira elite pensante cabo-verdiana, em Cabo Verde e dispersa pelo Mundo) para dar o corpo ao manifesto. A sua adesão foi tão grande que nos surpreendeu, atestam o número de signatários e os comentários que suscitou. Pelo impacto que teve, foi o suficiente para pôr alguma elite de pensamento único na defensiva e em polvorosa. Pois, apesar do seu intuito generoso, alguns tentaram denegri-lo e dividir os signatários, por se encontrar entre nós elementos marcados pelo sistema, pois acusados de serem ou terem sido reconhecidos opositores ou reaccionários dos anos 74-75, ou da actualidade. Infelizmente muitos já não se encontram connosco, ou neste Mundo.


José F. Lopes tomou a iniciativa da republicação do Manifesto.

 

Subscreveram em 2010:

José Fortes Lopes (Portugal), Luiz Andrade Silva (França), Adriano Miranda Lima (Portugal), Valdemar Pereira (França), Fátima Ramos Lopes (Portugal), Arsénio Fermino de Pina (Portugal), Nuno Álvares de Miranda (Portugal), Nominanda Silvestre Almeida Fonseca (Portugal), Viriato de Barros (Portugal), José Figueira Júnior (França), Antero Barros (Cabo Verde), Maria de Lourdes Soromenho Ribeiro de Almeida Chantre (Portugal), Guilherme Dias Chantre (Portugal), Celso Ramos Celestino (Portugal), Osvaldo Miranda Lima (Portugal), António Advino Sabino (Cabo Verde), Carlos Adriano Vitória Soulé (Angola), José Eduardo Salomão Mascarenhas (Portugal), Fernando Frusoni (Itália), Veladimir Romano Calado da Cruz (Portugal), Eduíno Santos (Cabo Verde), João Manuel Oliveira (Portugal), Maria Filomena Araújo Vieira (França), Jorge Emanuel de Sales e Melo Martins (Portugal), Manuel dos Santos Delgado (Portugal), Joaquim Francisco Monteiro (Portugal), Maria Ermelinda Cunha Vieira (Portugal), José Luís Santos Silva Brito (Cabo Verde), Anilda Márcia Oliveira Rodrigues (Portugal), Maria Ermelinda Cunha Vieira (Portugal), Aristides Hugo Pereira (Portugal), Eunice Corina Pina Alves Monteiro de Macedo (Portugal), António José Fermino (Portugal), Jorge Almeida Fonseca (Portugal), Carlota de Barros Fermino Areal Alves
(Portugal), Abílio Areal Alves (Portugal), David Graça da Rosa (Portugal), Maria Filomena Feijó Pereira Lopes da Silva Graça Rosa (Portugal), António Gabriel da Silva St. Aubyn (Portugal), Tomás Tito Neves Duarte (Portugal), José Duarte (Portugal), Aida Manuela Oliveira Ramos (Portugal), Maria Helena Pinto Neto (Portugal).


Aderiram à iniciativa como assinantes da petição em 2010:


Agnelo António C. M. Monteiro de Macedo (Portugal), Antónia Mosso Santos (Cabo Verde), Rogério Vera-Cruz (Cabo Verde), Anildo Marçal Soares Silva (Cabo Verde), Vladimir Koenig (Brasil ), Manuel Marques da Silva (Cabo Verde), Ludmila (Cabo Verde), Arlindo Évora Lima (EUA) , Adriano Lima (Suiça), Edgard Manuel Morais Silva (Brasil), Júlio Goto (Noruega), Neusa Maria Rocha (Noruega) , Vasco Cardoso (Holanda), Samira Nobre de Oliveira Pereira Silva (Cabo Verde) , João Branco (Cabo Verde), Nathaniel Lima Barros (Cabo Verde), Carlos Alberto Spencer da Conceição Carlos (França), Herberto Augusto Ribeiro de Almeida G. Martins (Portugal), Odete Mosso (Portugal), Alessandro (Cabo Verde), João Carlos Estevão (Cabo Verde), Stephanie Duarte (Portugal), Joseph Leite (EUA), Manuel Brito-Semedo (Cabo Verde), Maria Regina Lopes (França) Cidália Araújo ( Reino Unido), Lúcia Cardoso (Cabo Verde), Carla Monteiro, (Cabo Verde), César Santos Silva, (Cabo Verde), Carlos Fortes (Cabo Verde), Leila Augusta Ramos Rocha (Portugal), Adilson Medina (Portugal), César Alberto Nobre de Melo (Brasil), Dilsey Lopes (França), João Carlos Estêvão (Cabo Verde), Manuela Fortes Mendes Pereira Mascarenhas Câmara (Portugal), João de Brito (Argentina), Jorge Custódio Pereira (Portugal), Manuel Cândido Paris (Portugal), Hirondina Da Cruz ( USA), Jose Fontes (Portugal), Christie Barros Brigham Wahnon (Cabo Verde) , Joaquim Saial (Portugal), Sandro Fortes (Portugal ),Carlos Vieira (EUA) , Carina (Portugal), Armindo Gonçalves (Cabo Verde), Crisolito Ramos Oliveira, (Cabo Verde), Alfredo Ramos Brito Júnior (Cabo-Verde), Adriano Lima (Suiça), Ana Paris (E.U.A ), Edith Borges (Suécia), João Miguel Nobre de Mel (Brasil), Cláudia Sena (Cabo Verde), Carlos Cabral (EUA), Oscar Alberto Almeida Monteiro dos Reis (Portugal), Ruth Neves dos Santos (Brasil), David Medina (Cabo Verde), Maria da Conceição Firtes (Portugal), Arminda Rosa Monteiro Sousa Silva (Brasil), Armindo Corsino dos Santos Cohen (Brasil), Ruth Nogueira Fortes (Noruega), Guilherme St. Aubyn Mascarenhas (Cabo Verde), Nelson Ribeiro Mascarenhas (Alemanha), Rui Manuel Knopfli Miranda (Portugal), Edna Pereira Revelard (França), Nelson Faria (Cabo Verde), Rui António Fugger Knopfli Miranda (Cabo Verde), Lígia Pinto (Cabo Verde), Danielson Flor da Luz (Cabo Verde), Aristides Mascarenhas Pires Veiga do Rosário Neves (Cabo Verde), Nelson Faria (Cabo Verde), Emely Santos (Cabo Verde), Joana Soares Ferreira de Conceição (Países Baixos), Maria Manuela E. Duarte Ferro (Cabo Verde), Elsie Gomes (Portugal), Hugo Miguel Oliveira Gomes (Brasil), Maria Manuela Duarte (Cabo Verde), Lindomar Rocha (Portugal), Hermano Machado Santos (Portugal), Carlos A. P. Germano (Cabo Verde), Jorge Morbey (Macau), Ana Maria Figueiredo Brito Germano (Cabo Verde), Alícia Borges Månsson (Suécia), Isidro Évora (Cabo Verde), Adriano Pascoal (Canadá), Ivanilda Almeida (Portugal), Carlos Figueira ( Tchalé Figueira) (Cabo-Verde), Gentil Leite (Cabo Verde), Eduardo Da Cruz (EUA), Nilton Sousa (Cabo Verde), Jorge Sousa (Cabo Verde), Sara Spínola (Cabo Verde), Francisco de Paula Roberto (Noruega), Otelma Lima Borges (Cabo Verde), Teresa Patrícia Roberto Santos (Portugal), Carlos Miguel Costa Cruz Vieira Ramos (Brasil), Flávio Hamilton (Portugal), Miguel António Barbosa Amado (Portugal), Tomásia Teixeira (Portugal), Carlos Galleano (Cabo Verde), Dulce Lopes (França), Paulo Emanuel Gomes Brito (Cabo Verde),Pedro Gabriel Duarte Soulé (Cabo Verde), Maria José Borges Monteiro Rodrigues (EUA), Yenda Évora (EUA), Eurico Valentim dos Santos (Portugal), Adalgiza Miléne Perpétua dos Santos (Cabo Verde), Alexandrino Nascimento Gomes (Portugal), Cláudio Soares (Portugal) Marco (Cabo Verde), João Manuel Feijóo Leão (Cabo Verde), Juvénio Tomé Duarte (EUA), João Roberto dos Santos Coutinho Vitória Soulé (Cabo Verde), Djinho Barbosa (Cabo Verde), Mário Alexandre d'Aguiar (Cabo Verde), Maria Luísa Faria (Portugal), Zelito Lima Delgado (Portugal), Cristina Luz (Cabo Verde), Luís Neves (EUA), Elton Évora (Portugal) Geovani lves(Portugal), Matilde Henriques Veiga (Franca), Yanick Benrós de Melo Duarte (Cabo Verde), João de Deus Nobre Chantre Lopes da Silva (Cabo Verde), Maria-José Morais Campos (Cabo Verde), Aracy Martins (Portugal), Daniela St. Aubyn (Portugal), Carlos Lima (Holanda), Tito Lívio Ramos Rodrigues (Cabo Verde), Carlos Vieira Ramos (Cabo Verde), Ruth Nogueira Fortes (Noruega), Colin Silva (Portugal), Daisy Mara Monteiro Chantre (Cabo Verde), Conceição Maria Fortes (Cabo Verde), Kleine Cardoso (Portugal), Mauro Lizardo (Cabo Verde), Nick Freitas (Portugal), Elzo Neves (Portugal), Denise Martins (Cabo Verde), Aristides Vera-Cruz Martins (Cabo Verde), Emanuel Gomes (Inglaterra), Marlene Lima (Portugal), Álvaro Miranda (Holanda), Baltasar L. Barros (EUA), Maria Fátima Barros (EUA), João de Deus Soares (Cabo Verde), Giselle Pinto (EUA), Joaquim Mariano (Portugal), Amália C. Sternheim (Argentina) Edson Alves (Alemanha), Janaina Dias (Cabo Verde), Manuel da Luz Lopes Gomes (Cabo Verde), António João Monteiro Sousa (EUA), Alcindo Amado (Cabo Verde), Eunice Lopes da Graça (Cabo Verde), Cinthia Gomes (Cabo Verde), Alfredo Sena (Holanda), Nuno Alexandre Correia (Cabo Verde), Edson Vladimiro Alves Cabral dos Santos (Cabo Verde), Jahmila M.S. Monteiro (Inglaterra), Helga Monteiro Girão (Portugal), Silvestre da Cruz (Cabo Verde), Gy Spencer Lopes (EUA), Gui Monteiro (EUA), Jorge Manuel Almeida da Graça (Cabo Verde), Maria do Rosário Wadie (Inglaterra), Maria Sílvia Martins (Portugal), Aguinaldo Faria (Portugal), Maria Monteiro de Jesus (Portugal), Leandro Marques Simões (Brasil), Odete Bettencourt (Argentina), Bernardo Correia Oliveira (Brasil), Olegário Sousa (EUA), Carlos Silva Martins (França), Mário Silva Reis (Bélgica), Aurora Silva (Cabo Verde), Alice Paula Andrade Silva (França), Afonso Bastos Martins (Itália), David Nadelman (EUA), Lucília Francisca Santos (EUA), Pedro Soares (Holanda), Orlando Matias Angola), Evandro Matos (Cabo Verde), Lígia Duarte (Cabo Verde), Isabel Mendes Lima (Portugal), Ana Cristina Mendes Lima (Portugal), Carlos A. Medina (EUA), Ana Santos Fortes (Holanda), José Rui Monteiro Chantre (Cabo Verde), Maria Beatriz Ribeiro de Almeida (Portugal), Manuel Santos Cruz (Luxemburgo), Revelard Pereira Jacques (França), Alix Pereira (Suiça), António Augusto R. Brito (Portugal), Miranda Craveiro Maria da Luz (França), Carolina Santos Carolina (França), Dumolard François (França), Francisco da Cruz Évora (Cabo Verde), Helder Galleano G. (Portugal), Luís Afonso Ferreira Santos (Portugal), Armando Silva (Noruega), Hélder Silva (EUA), Suzilene Tortes Ramos (Cabo Verde), Fernando Silva Andrade (Senegal), Gisela Faria Barros (Cabo Verde), António Santos (Noruega), Nuno Jorge Costa (Cabo Verde), Ilza Galleano (Cabo Verde), Miguel Arcângelo Silva (Cabo Verde), Victor F. Santos (Portugal).

Ex.mo  Senhor Presidente da República de Cabo Verde

 Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Nacional

Ex.mo  Senhor Primeiro-Ministro de Cabo Verde

Ex.mos Senhores Deputados Assembleia Nacional

Ex.mo  Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente

Ex.mos  Senhores Deputados da AMSV

Ex.mos Senhores Presidentes dos Partidos Políticos de Cabo Verde

 

Preambulo

A ilha de S. Vicente foi, no passado, o centro económico, político, cultural e intelectual de Cabo Verde. Foi nesta ilha que se implantaram, no século XIX, com o arranque da Segunda Revolução Industrial, as primeiras unidades industriais e comerciais do arquipélago, que dinamizaram toda a vida económica da então colónia. S. Vicente passaria então a ser o coração do Arquipélago.

A ilha acolheu pessoas que, pobres e sem outra esperança, migraram de todo o Arquipélago, à procura de uma vida melhor. Graças à abertura ao exterior proporcionada pelo seu importante porto de mar, Mindelo tornou-se um centro cosmopolita, fervilhando de actividades culturais, artísticas e recreativas, que o projectaram no contexto regional.

Abrigou as melhores escolas e o primeiro liceu da colónia, tendo sido o berço da quase totalidade da passada e actual ‘’intelligentsia” cabo-verdiana, assim como da maior parte da actual classe dirigente do país. A ilha congrega as múltiplas idiossincrasias de Cabo Verde, sendo o paradigma do sincretismo nacional. É um exemplo de tolerância e integração positiva de valores universais. Foi em Mindelo que nasceu o primeiro movimento cultural que haveria de conduzir ao despertar da consciencialização política da população da colónia, e foi nele que se travaram as lutas mais determinantes para o futuro de Cabo Verde.

Por estranho paradoxo, o início da decadência de S. Vicente coincide com a inauguração de Cabo Verde como país independente, quando as legítimas expectativas apontariam para o inverso, em consonância com os valores de liberdade e ânsia de progresso que foram sempre consagrados pela sua população. O modelo de desenvolvimento implementado pela I República de Cabo Verde consistiu em concentrar todos os poderes e recursos na Capital, opção com consequências gravosas para S. Vicente, em particular, e Cabo Verde, em geral, chegando a ilha uma situação de penoso retrocesso e quase irrelevância política. Todos os governos sucessivos prosseguiram nesta mesma tendência asfixiante, que se acentuou nos últimos anos.

A ilha de S. Vicente foi marginalizada politicamente e aos poucos foi sendo depauperada da maior parte dos seus recursos humanos, em virtude do efeito centrípeto que uma capital macrocéfala teria fatalmente de exercer. A situação actual da ilha é caracterizada por uma clara decadência económica e cultural, um nível elevado de desemprego, problemas de delinquência, insegurança e outros males antes desconhecidos.

Recusando ver a ilha enveredar por tão vertiginosa decadência, um grupo de cidadãos subscreveu este apelo, em prol de um S. Vicente Melhor, exortando à implementação de políticas tendentes a inverter a situação, a fim de recolocar a ilha no lugar de destaque que merece no conjunto do país, e em conformidade com o protagonismo histórico que assumiu ao longo de quase 2 séculos, com proveito para todos os cabo-verdianos.

Assim, entendemos que é imperativo implementar uma série de medidas, a saber:

1.No plano económico e social

Promover mais e melhor investimento do Estado em sectores geradores de riqueza na ilha, incentivando a criação e a densificação de pequenas e médias empresas competidoras no mercado, a formação profissional e a qualificação da mão-de-obra.

Implementar uma Infra-estruturação adequada, nomeadamente no âmbito do Porto e do Aeroporto, de modo a maximizar as potencialidades da ilha e a fazer dela uma plataforma do comércio internacional.

Em particular, tornar realidade o prometido Cluster do Mar, já que se trata de um projecto de grande alcance e dos que melhor se enquadram com a vocação marítima e as tradições laborais da ilha de S. Vicente. Um “Cluster do Conhecimento e da Economia do Mar”, se for bem concebido e projectado, poderá ser um importante factor de relançamento da ilha, com benefício para todo o país. Um Cluster desta natureza englobará actividades como a construção naval, operações portuárias, intensificação e modernização das pescas, transformação de pescado, além do turismo marítimo. Em conformidade, expandir a investigação e o desenvolvimento tecnológico em áreas científicas relacionadas com o mar, bem como estimular a inovação nas actividades económicas centradas nos recursos marinhos, fomentando o acesso a serviços tecnológicos e o empreendedorismo. Neste âmbito, haverá que potenciar as possibilidades do ISECMAR, dotando-o de meios e equipamentos em ordem aos objectivos de desenvolvimento tecnológico em vista.

Facilitar a instalação em S. Vicente de empresas multinacionais de novas tecnologias, empregando mão-de-obra intensiva ou qualificada.

Reforçar os meios e as capacidades das Escolas Técnicas e criar uma Escola Politécnica, orientando-as para a formação e requalificação profissional.

Criar um Campus Universitário e um Complexo Científico abertos ao Mundo, tendentes a integrar Cabo Verde nas novas redes e rotas das Ciências e Novas Tecnologias, e permitindo o intercâmbio entre cientistas e jovens universitários de vários continentes.

Investir em politicas rurais para a ilha, nomeadamente, correcção torrencial, construção de disques e barragens e definição de áreas agrícolas e de pastoreio para nichos de mercado específicos no mercado interno e internacional.

Planear a auto-suficiência energética da ilha baseada em energias renováveis.

Finalmente, e não menos importante, repensar seriamente a política da Emigração, em todas as suas vertentes, atendendo a que as nossas comunidades diaspóricas têm desempenhado um papel importante nas transformações políticas, sociais e económicas em S. Vicente como em todo o Arquipélago. À imagem do povo judaico, cujos lobbies são uma verdadeira força  ao serviço de Israel, recomenda-se que se proceda a um inventário das capacidades económicas, culturais e outras de que são detentoras todas as nossas comunidades diaspóricas, a par da implementação de políticas tendentes à sua melhor (re)integração nas ilhas de origem e em todo o país, através de incentivos legislativos e económico-financeiros que facilitem o investimento na ilha e o seu retorno. Se esta questão não é exclusiva da ilha de S. Vicente, o facto é que a emigração assumiu particular relevância na vida e no desenvolvimento desta ilha.

2. No plano político

Considerando que os problemas que defronta S. Vicente têm uma origem inquestionavelmente política, e que a sua resolução dependerá da exploração conveniente das capacidades e competências políticas existentes na ilha, associada a uma maior proximidade dos decisores políticos às populações, recomenda-se o estudo e a implementação de uma profunda Reforma Política e Administrativa do país, no sentido de uma criteriosa descentralização política que conduza à criação de Regiões e Autonomias eleitas pelos cidadãos, com poderes de decisão, no plano político, económico, financeiro e cultural. Todos os cenários possíveis devem ser estudados de modo a estimular as solidariedades e sinergias insulares e regionais e uma competitividade sã no arquipélago.

3. No plano cultural

Considerando que Mindelo encerra um Centro Histórico e Cultural único, com um potencial anímico e arquitectónico que o capacita a ser um dos cartões de visita de Cabo Verde, recomenda-se a transformação da cidade numa plataforma de intercâmbio cultural e social, e a estimulação do desenvolvimento de um turismo de qualidade.

Considerando que o seu património, material e imaterial, vem sendo, desde há décadas, negligenciado, ameaçado e mesmo demolido, como aconteceu com vários ex-libris da cidade que foram ou estão em vias de ser substituídos por projectos arquitectónicos que não só violam a traça histórica da cidade como representam empreendimentos imobiliários duvidosos, apela-se a políticas públicas interventivas, tendentes a: dinamizar a vida social cultural e intelectual da ilha; classificar e preservar o Património Histórico e Cultural da ilha; proceder à requalificação urbana da parte histórica e sua integração nos roteiros culturais e turísticos mundiais; proceder à criação de uma zona turística requalificada e cultural na Baixa da Cidade (designadamente, entre Rua de Matijim e Praia d’ Bote).

Por último, apela-se ao respeito pelas especificidades culturais da ilha e de cada parcela do território nacional, reconhecendo-se como factor de enriquecimento a diversidade cultural, insular, regional e linguística do país, repudiando-se, assim, políticas etnocêntricas e assimilacionistas baseadas em preconceitos étnicos, filosóficos, religiosos ou políticos.

 

https://mindelosempre.blogspot.com/2011/02/se-e-para-um-s-vicente-melhor-o-blogue.html

sábado, 6 de julho de 2019

Uma adenda ao Post anterior:

No discurso de 5 de Julho o Presidente da República Jorge Carlos Almeida Fonseca recorda que o processo de Regionalização e o combate às assimetrias têm que ser reactivados sob pena de convulsões graves. O Paicv e também o MPD, foram assim colocados perante suas responsabilidades.
É preciso instalar um clima e uma plataforma de diálogo com todas as forças socias e políticas, incluindo os movimentos no sentido de se encontrar novos caminhos para o arquipélago/ país. Os movimentos, nomeadamente, os chamados autonomistas, não podem querer uma coisa e o contrário, e terão que aclarar de uma vez por todas as suas posições e o que pretendem, se querem um diálago verdadeiro sobre a Regionalização/Descentralização e o combate às assimetrias, ou uma perpétua agitação semeando um clima de anarquia. Terão que fazer o seu trabalho de casa e apresentar propostas lisíveis e inteligíveis.
Se o Grupo Sokol quer ser sério e credível terá que aceitar dialogar com outras forças e movimentos aquilo que existe em cima da mesa (ou seja suspenso no Parlamento), o Processo de Regionalização (independentemente de ser do MPD ou do PAICV), quiçá pedir mais autonomia no quadro da Regionalização ou mesmo Regionalização Política. Terão que estudar fazer o trabalho de casa e presentar uma proposta credível, em vez da mão cheia de nada e das reivindicações cada dia contraditórias umas das outras. A pretensão deles de Autonomia à la Sokol senão nada, é puramente utópica, senão inviável.
Por outro lado as forças de bloqueio conservadoras nomeadamente no seio do Paicv e algumas elites gorda sda capital, que sopram na brasa para depois impedir qualquer progresso estão avisados, não poderão continuar a bloquear processo de desanuviamento das tensões socioeconómicas em Cabo Verde, para depois ganharem protagonismo e dividendos ou quiça eleições. Caberá ao Presidente Jorge Carlos Almeida Fonseca ainda antes do fim do seu mandato tentar criar uma Plataforma de diálogo entre os partidos e a sociedade civil no sentido de se avançar com estes dossier pendentes..
Ontem 5 de Julho a ilha de Svicente e a sua cidade Mindelo comemoraram pela 2ª vez a data da Independência com uma manifestação de protesto, protagonizada pelo movimento autonomista Sokol (um grupo regionalista que vinca o termo Autonomia para distinguir do movimento regionalista mais geral). Depois de décadas de letargia a ilha volta a dar cartas em matéria de cidadania, com a sua tradição de ilha central em questões sociais e políticas, exigindo melhor desenvolvimento e mais autonomia, paradoxalmente depois do chumbo da Regionalização em Abril passado.
De notar que as únicas manifestações espontâneas tiveram lugar no perído do 25 de Abril de 1974 a 5 de Julho de 1975, um período de grande efervescência que conduziu o arquipélago à independência.
Com a independência o partido no poder até 1989, PAIGC, só permitia ‘manifestações de massa’ organizadas por ele mesmo, que eram na realidade autênticas missas destinadas à lavagem cerebral.
A ilha tem sido em 200 anos o epicentro das principais transformações sócioeconómicas de Cabo Verde.
Como escrevi há dias, a queda da ilha coincide com a ascensão ao poder pelo Paigc que ocorreu durante meses, entre meados e finais de 1974 até a Independência de 5/7/1975, e que levou a uma autêntica debandada em massa da ilha para a Diáspora e Emigração (fenómeno que ainda hoje perdura, hoje muito direccionado para a capital Praia, já que a organização centralista do país leva à concentração de tudo na capital).
Antes centro económico político e intelectual de Cabo Verde, SVicente definhou-se completamente e hoje dificilmente sobrevive em comparação com o centralismo e a opulência da capital, uma das principais causas dos problemas actuais do arquipélago. S.Vicente é na realidade vítima do atabalhoado processo de ‘Descolonização' que na realidade se deu por terminado em 1977 quando o poder instalado do Paigc desbaratou por completo o remanescente da oposição sediada na ilha.
A ilha Svicente nos primódios da colonização de Cabo Verde era uma ilha de pastagem, mas o seu povoamento tranformou em pouco mais de 200 anos por completo o panorama socio-económico de Cabo Verde.
O Decreto de Dª Maria I que determina o povoamento oficial da ilha de S. Vicente, após o decreto régio de 1781 (Sena Barcellos), no sentido de transformar a ilha no centro do arquipélago, foi uma opção sempre sufocada por forças conservadoras que em cada momento criaram obstáculos diversos (nos artigos linkados explico as razões destas opções por parte de Lisboa).
O decreto de 11 de Junho de 1838, o Marquês de Sá da Bandeira (Barcellos, 2003b:203) determina o nome de Mindelo em memória do desembarque do exército expedicionário de D. Pedro IV nas praias perto da localidade do Mindelo em Portugal, e propõe a sua elevação a categoria de capital logo que as condições assim o permitissem, foi posteriormente reforçado pela portaria de 30 de Junho de 1838 (Barcellos, 2003b:204), que estabeleceu as bases para a sua concretização em porto franco durante 20 anos e a isenção de impostos. Apesar de contar à partida com apenas 340 habitantes, o governador Marinho de Campos defende acerrimamente a ideia de criar uma nova capital para Cabo Verde em torno do Porto Grande. Por decreto ministerial e portaria régia de 11 de Junho de 1838 é autorizada a mudança da capital da Praia para São Vicente. Há, porém, atrasos a impedir a concretização desse acto político, nomeadamente uma grande resistência da parte da elite latifundiária de Santiago, defensores da continuação da capital na Praia, de modo que a transferência acabará por nunca se concretizar.
No início dos anos 70 do século passado, no ‘reinado’ de Marcelo Caetano, Portugal acaba por ceder à pressão (reivindicações justas) da elite influente de Mindelo, e determina oficialmente que SVicente seja o centro efectivo, administrativo e político da Região Norte, Barlavento, conservando a Praia o estatuto de capital de Cabo Verde. É nomeado um governador regional em S. Vicente. Os protestos ilegítimos do PAIGC que via nesta iniciativa uma manobra de divisão, uma opção contradizendo ainda mais as veleidades teóricas daquele partido, já que que defendia uma política oposta, uma espécie de Unidade, em Cabo verde e com a Guiné, não se fizeram tardar. Mas uma revolução estava a caminho em Lisboa que mais uma vez deita por terra em 1974 o objectivo de dar mais dimensão política a Mindelo.
Com a independência a questão entrou em interregno durante décadas pelas mesmas forças conservadoras de ontem, tendo surgido novas questões políticas e económicas que bloquearam qualquer veleidade à ilha, as forças políticas sediadas na capital cuidando de cortar-lhe ‘os cabelos sempre que cresciam de alguns milímetros’.
Na década de 90 do século passado o MPd, partido liberal no poder desde a queda do PAIGC em 1989, teve uma iniciativa infrutífera de instalar um governador civil na ilha de S. Vicente mas não foi muito longe, tendo faltado sustentáculo legal, que só veio a acontecer com a lei da Regionalização, suspensa na fase de Especialidade no Parlamento cabo-verdiano em Abril de 2019, devido àquilo que hoje se pode considerar como manobras dilatórias do Paicv, partido da oposição, e que na realidade resultam de pressões da facção ultraconservadora deste partido aliado à elite centralista residente na capital. No discurso de 5 de Julho o Presidente da República Jorge Carlos Almeida Fonseca que o processo de Regionalização e o combate às assimetrias têm que ser reactivados sob pena de convulsões graves. O Paicv e também o MPD, foram assim colocados perante as suas responsabilidades.
É preciso instalar um clima e uma plataforma de diálogos com todas as forças socias e políticas, incluindo os movimentos no sentido de se encontrar novos caminhos para o arquipélago/ país. Os movimentos, niomeadamente, os chamados autonomistas, não podem querer uma coisa e o contrário, e terão que aclarar de uma vez por todas as suas posições e o que pretendem, se querem um diálago verdadeiro sobre a Regionalização/Descentralização e o combate às assimetrias ou uma perpétua agitação semeando um clima de anarquia. Terão que fazer o seu trabalho de casa e apresentar propostas lisíveis e inteligíveis. Por outro lado as forças de bloqueio conservadoras nomeadamente no seio do Paicv e algumas elite gorda da capital, que sopram na brasa para depois impedir qualquer progresso estão avisadas, não poderão continuar a bloquear o processo de desanuviamento das tensões socioeconómica em Cabo Verde para depois ganharem protagonismo e dividendos ou quiça eleições.
A importância da ilha de Vicente no contexto do arquipélago deve-se à mudança de paradigma sociológico e económico ocorrida no arquipélago a partir dos finais do século XVIII. Para ter uma melhor perspectiva histórica sobre o papel da ilha de SVicente no arquipélago de Cabo Verde coloquei hoje no repositório de artigos, alguns já publicados em jornais ( alguns que constam em livros publicados) que podem ser consultados no link abaixo. Muitos deles foram publicados em jornais online que hoje desapareceram.
Estive a ler a Proclamação da Independência de Cabo Verde de 5/7/1975 (amanhã comemora-se a data) que circula pelas redes sociais Infelizmente é um texto em que me assiste, hoje, o direito não me rever nele, e comigo muito mais gente, pela seguintes razões. É claro que nesta data nos meus 13/14 anitos festejei o ano de festas que seguiu o 25 de Abril de 1974 ao 5 de Julho de 1975.
É um texto faccioso e radical que consiste numa uma proclamação de guerra permanente, mesmo deppois de ela ter terminado pelo menos na Guiné, onde alegadamente teriam feito a luta de libertação, um texto antidemocrático, demasiado ideológico, com uma linguagem marxista ultrapassada, cheio de inverdades e banhado numa narrativa Demiurga, em que o PAIGC apresenta-se como Deus ex-machina, o criador de Cabo Verde.
Este texto que poderia ficar para a História, não ficará por isso, a menos que as gerações vindouras sejam desprovidas de total espírito crítico. Infelizmente falta a muitos o tal espírito para repudiar este texto, da forma como está escrita, que já na época era inaceitável para muitos.
O tema desta proclamação é uma verborreia da glorificação da luta armada na Guiné Bissau na qual terão alegadamente participado ao todo uma dezena de cabo-verdianos, muitos na realidade representantes do Paigc em capitais europeias ou africanas. São esses que chegam em Cabo Verde em 1974, totalmente impreparados para o poder, sequer para administrar um tasca, que com ajuda dos jovens imberbes estudantes de Lisboa, num 'empurra para lá', tomam o lugar dos milhares de cabo-verdianos que asseguravam Cabo Verde, expulsando-os para fora do país. As últimas sendo pessoas que davam o litro no arquipélago e que de um dia para outro são acusadas de todos os males (de colonos, lacaios e imperialistas etc). Não tinham mais lugar em Cabo Verde. Exilam-se para Portugal América Brasil etc.
Esta narrativa do Paigc (hoje varrida debaixo da cama) tem pois por isso muitas lacunas, para não chamá-la de fraudulenta!! .
De resto a própria Descolonização tem muito que se lhe diga, já que contrariamente a Angola Moçambique a máquina administrativa e económica era local e cabo-verdiana e não havia colonos. De resto é um facto que a administração colonial na Guiné tinham uma grande coluna cabo-verdiana, e em menor escala em Angola e Moçambique.
A Descolonização de Cabo Verde foi na prática uma operação de saneamento em massa da máquina administrativa autóctone e a limpeza da oposição ao Paigc com o apoio do MFA, quando a oposição que exigia outros caminhos de maior responsabilidade de ambas as partes, inclusivamente o MFA. Exigia que Portugal não entregasse da maneira como ia fazer atabalhoadamente o arquipélago em mãos de aventureiros. Por isso muitos assuntos de importância vital ficaram pendurados ou no armário.
A 'operação Descolonização' deu-se por terminada em 1977 quando o poder instalado tentou desbaratar o remanescente da oposição (na altura constituída por comerciantes do Mindelo que já na altura punham em causa a política económica socialista do novo poder, que centralizava tudo na Praia e que iria dar cabo de SVicente). São estes que vão receber hoje em 2019, e postumamente, a reparação tardia da parte do estado democrático e pacificado de Cabo Verde
Foi durante a ascensão ao poder pelo Paigc que ocorreu durante meses, entre meados e finais de 1974 até a Independência de 5/7/1975, que aconteceu a autêntica debandada dos milhares de cabo-verdianos para a Diáspora e Emigração (fenómeno que ainda hoje perdura) . Foi o princípio do fim da ilha de Svicente, que amanhã precisamente vai de novo manifestar por um melhor desenvolvimento e mais autonomia, paradoxalmente depois do chumbo da Regionalização em Abril passado.
Para além disso o próprio processo que conduziu à independência (ou seja a Transição) tem também muito que se lhe diga, pois Cabo Verde não tinha condições de aceder à Independência em 1975.
A acontecer nunca sem uma longa transição, de pelo menos 10 anos (como praticou a França na Nova Caledónia) e com um Referendo supervisionado pela ONU, depois de tratado todos os assuntos pendentes. Apesar de tudo as populações tinham o direito de exprimir sobre o seu futuro, num processo de tamanha importância, e de serem consultadas independentemente do resultado. A independência a ser tomada tinha que ser feita ordeiramente e num clima de total democracia, transparência e tolerância.
De todo o modo, só depois de reinstalada a máquina administrativa, lançada as bases para um regime democrático, de serenado os ânimos, de infra-estruturado minimamente o arquipélago etc, é que se poderia conceder a Independência, depois, é claro, de referendada democraticamente, 'comme il faut'. O país nasceu, pois, torto em 1974 com um governo do nível de liceais e formado por amadores da 5ª divisão. O drama que se seguiu à Independência não poderia ter acontecido e as réplicas continuam hoje a sacudir a sociedade e a economia cabo-verdianas.

QUANDO FIAT LUX EM CABO VERDE: DO OBSCURANTISMO À CLARIDADE II
Uma retrospectiva histórica  (Outubro de 2016)

Em 2016 e 2017 comemoram-se várias efemérides, várias datas e marcos importantes na História de Cabo Verde, quase todos tendo S. Vicente como palco. Para os objectivos deste artigo,  vou cingir-me aos que fazem parte da história mais recente mas que paulatinamente vai se distanciando no tempo, contudo imperecíveis na nossa memória nostálgica: o 100º Aniversário da introdução do Ensino Secundário (S.Vicente); o 150º Aniversário do Liceu-Seminário de S. Nicolau; o 80º aniversário da revista Claridade, movimento literário autónomo; o 150º aniversário do nascimento daquele que é considerado um génio da literatura, o Eugénio Tavares; os 90 anos da electrificação de S. Vicente. São praticamente 150 anos, um curto período em que o arquipélago, Cabo Verde, deu um salto para a modernidade. 

Estes eventos, que podem parecer anódinos para o comum dos cidadãos ou para um desconhecedor da história contemporânea de Cabo Verde, fizeram, na realidade, transitar o arquipélago do estado de subdesenvolvimento crónico, do obscurantismo e da escuridão nocturna, para um tempo de abertura à cultura e à modernidade. A instalação, sob o impulso do Senador Vera Cruz, do primeiro liceu oficial em S. Vicente, substituindo o ensino secundário religioso praticado no Seminário de S. Nicolau, é um evento cujo impacto sociocultural foi extraordinário tanto para S. Vicente como para todo o território. Por outro lado, quando o arquipélago ainda estava imerso na escuridão nocturna, Fiat Lux (fez-se luz), graças ao empenho e empreendimento de Pedro Bonucci. Por fim, o movimento Claridoso instala-se num ambiente cultural e Intelectual com o Liceu Gil Eanes em pano de fundo, uma universidade ‘avant la lettre’ onde leccionava a fina flor de Cabo-Verde, pessoas de grande craveira moral e intelectual, que hoje justificariam o estatuto de catedráticos. Este movimento pretendia simplesmente colocar Cabo Verde no mapa da literatura, abordando questões como a identidade cabo-verdiana e os problemas sociais e económicos do arquipélago. A electrificação da cidade e o surgimento do movimento literário são assim dois elos de uma conjugação simbólica, pelo que se pode dizer que Fiat Lux simultaneamente nas ruas e nos espíritos. E a propagação da luz operou-se em todo o território, a partir do ponto de irradiação que foi a ilha de S. Vicente. Em 2014, publiquei no Jornal de São Nicolau o seguinte artigo: Do fim da Sociedade Escravocrata à Eclosão do Cabo Verde Moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html), onde demonstrei como a história do arquipélago mudou, quando em início do século XIX Portugal cedeu ao seu aliado britânico a ilha de S. Vicente, para estabelecer uma base de comunicações e transporte marítimo no Atlântico Norte. S. Vicente era uma ilha perdida, quase inabitada, situada no extremo norte de um arquipélago que o Tratado de Tordesilhas trouxe para a História, mas que as vicissitudes da própria História levariam a que voltasse a perder-se por muito tempo na imensidão do Atlântico, fora do mapa mundial. Mas em meados do século XIX ela converteu-se de repente num ponto estratégico, num nó da densa rede ultramarina e colonial do Reino Unido. Cabo Verde voltou, assim, à luz da ribalta, pelo efeito induzido da presença da então primeira potência mundial, ganhando de novo uma importância geoestratégica que tinha perdido havia séculos. Este evento teve no arquipélago um impacto socioeconómico revolucionário, marcando a ruptura com a antiga sociedade, estruturalmente tradicional e rural.

Sendo os ingleses praticamente senhores e donos da ilha (indirectamente governavam, visando os seus interesses e objectivos), esta deixou-se configurar nos moldes do modelo anglo-saxónico, formatando o próprio traçado da cidade, tanto na definição do espaço edificado como na tipologia habitacional. A própria população acabou por se tornar  anglófila, a elite ganhando tiques aristocráticos britânicos. Para além disso, onde se instalavam ingleses prosperava a actividade económica, e não tardou que portugueses, italianos, judeus, indianos, sírios, etc., fossem atraídos e se instalassem na cidade, ao passo que a população trabalhadora (essencialmente camponesa e oriunda do arquipélago) acorria em massa para o que representava um verdadeiro eldorado cabo-verdiano. Em S. Vicente, o modelo britânico impulsiona o comércio, criam-se empresas de serviços, nasce uma pequena burguesia e indústrias em torno das actividades portuárias do Porto Grande, surgem sindicatos, grémios, rádios, e associações diversas florescem, o que gera um clima de total liberdade, “sui generis” no arquipélago e mesmo no espaço português. Generaliza-se a prática do desporto: ginástica, atletismo, natação futebol, golfe, cricket, ténis etc.

Na prática, Cabo Verde estava cada vez mais a depender do Reino Unido, tomado como modelo, para além da atracção e do fascínio natural da elite local pela primeira potência mundial. Dava-se assim o nascimento de uma micro-sociedade funcionando nos moldes e valores ocidentais: uma sociedade cosmopolita, sofisticada, estratificada, e com todas as contradições e consequências que daí podiam advir. Apesar da dependência administrativa e política em relação à metrópole colonial, a hegemonia britânica gerava um universo social  onde coabitavam as autoridades coloniais, a elite social e os interesses britânicos. Este caldo social, com o tempero da liberdade, estará na origem de alguma reivindicação nativista e da aspiração de uma maior autonomia em relação à metrópole colonial, a ilha tornando-se um paradigma das lutas cívicas e democráticas. Haveria mesmo quem pensasse inclusivamente na separação em relação a Portugal (a independência), já que o modelo clássico colonial de dependência estava a ser posto em causa. Daí se pretender que já no início do século germinava a ideia de que Cabo Verde deveria deixar de ser colónia para adquirir outro estatuto mais condigno, tal como o deputado Adriano Duarte Silva viria a aspirar e a advogar junto de Lisboa, nos anos 30 do século passado. É pois neste contexto que se criaram  as condições para o nascimento em Mindelo do movimento literário e intelectual Claridoso. O que é que o jovem guineense Cabral pensaria do Mindelo dos finais dos anos 30, aonde se tinha deslocado para fazer o seu ensino liceal, numa ilha em pleno boom social e económico, em tudo diferente da desolação da Praia, de Bissau ou de Bafatá onde nascera? Vejamos então:
........................................................................................................................... A evolução da sociedade cabo-verdiana a partir dos meados do século XIX poderia ser a de um banal arquipélago perdido no oceano, saído lentamente e dificilmente do período escravocrata. Situar-se-ia do ponto de vista cultural e civilizacional muito aquém de uma qualquer ilha tropical caribenha, ou pior, poderia ter um destino bem triste, sem nenhum interesses económico nem estratégico, fechado inexoravelmente em torno do seu umbigo ou totalmente dependente da assistência da metrópole. Ascenderia talvez à independência em 1975, mas a sua história poderia ser tão conflituosa como a de qualquer país africano.
Mas no século XIX o mundo já tinha sido varrido pela avassaladora influência da revolução francesa e americana e entrava na era da revolução industrial inglesa, caracterizada por ideias liberais e por um capitalismo mercantil, dominado pelo imperialismo britânico, que tentava a todo o custo de reforçar o seu poderio mundial em detrimento das outras potências rivais, ganhando posições geoestratégicas para assegurar a comunicação e a circulação dos bens essenciais entre os diversos ponto do seu império.
É neste contexto de afirmação do imperialismo britânico que S. Vicente/Mindelo surge na cena de Cabo Verde e do Mundo, num momento histórico não muito distante da abolição da escravatura no arquipélago......................................................................
...................................................................................................................................... In Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html
19 de Outubro de 2016
José Fortes Lopes
Bibliografia
Do fim da sociedade escravocrata à eclosão do Cabo Verde moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente:
http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html)
http://www1.umassd.edu/specialprograms/caboVerde/jewslobban.html




Quando o PAIGC Achou/Redescobriu S. Vicente:  

2ª Parte-A decadência de S. Vicente: o triunfo da ruralidade, o retorno ao passado, a crise de valores e o lento apagamento do farol civilizacional do arquipélago  (Janeiro de 2015)

Quando nos inícios dos anos 60 Portugal começou a tropeçar em África, estava em gestação o prenúncio de uma ‘revolução’ em Cabo Verde e teria como palco pela 2ª vez a ilha de S. Vicente com a adesão total aos ideais do 25 de Abril, ao PAIGC e aos ideais da Independência: ao Redescobrir o S. Vicente revolucionário o PAIGC achou Cabo Verde.
Esta revolução terá todavia feito a longo prazo (40 anos) uma vítima colateral, o derrube completo da ilha, de todos os valores que a caracterizavam: liberalismo, cosmopolitismo, abertura de espírito etc. O regime instalado em Cabo Verde embora de cariz justicialista e mesmo messiânico, era incompatível com uma sociedade de valores livres e liberais, incarnada em S. Vicente, por razões que desenvolvidas mais a frente.
Na realidade é o advento do Estado Novo conservador em 1922 e a sua longevidade de 50 anos aliada ao lento decair da influência e da presença inglesa que marcam uma segunda revolução da ilha e no arquipélago, representando agora um rude golpe na economia e na trajectória que parecia imparável. O conservadorismo do regime salazarista e a ausência de perspectivas económicas, constituíram o primeiro desencontro da ilha com a história. Punha-se fim a uma experiência de cerca de um século e o ‘Cabá Carvon’ engendrou  ‘Cabá Vapor’, entrava-se num novo ciclo, numa nova era caracterizada pela emigração em larga escala (para os que mesmo assim podiam emigrar), ao passo que para a população residente as perspectivas ficavam cada vez mais sombrias, sem trabalho empobrecia-se irreversivelmente. O imobilismo do Estado Novo contrastou com o dinamismo francês na vizinha Dakar e o espanhol nas Canárias, que atempadamente souberam e atrair para si o trafego marítimo internacional. S. Vicente e Cabo Verde ficariam à espera por novos ventos que não tardariam de soprar.
O 25 de Abril e o 5 de Julho constituíram momentos revolucionários nunca dantes vividos na ilha, em que os mindelense liderados pela juventude estudantil e a pequena burguesia local, participaram efusivamente numa ampla movimentação social só comparada com as manifestações religiosas que no passado ocorriam. Estes momentos marcaram início de uma nova era no arquipélago, uma ruptura com o passado sufocante associado ao Estado Novo conservador e colonial. Desta vez o povo mindelense participara numa revolução pacífica, foi o principal actor dando o seu corpo inteiro à uma justa causa. O povo da ilha desafiou a sociedade de então, dançou, cantou ruidosamente com todas as suas energias, manifestou, amou livremente, enfim fez tudo o que era proibido, tornara-se proibido proibir. Nada seria como dantes na ilha. Teoricamente entrava-se na era liberdade total de expressão de pensamento e de criação, de liberdade nacional, de progresso material e espiritual, pão e trabalho para todos, brevemente ver-se-iam águas a correr pelas levadas como prometiam as canções revolucionárias. Mas como todos sabemos nada disto se passou, e a festa foi de pouca dura, ou melhor uma ‘festa’ continua ao ritmos dos festivais de um dia que animam uma população em desnorte de valores, sem trabalho, nem futuro, em que o que resta de esperança na ilha rima com  o passado e com a palavra mítica e intraduzível palavra ‘sabe’ : ‘Passá Sabe’, ‘Sabura’, ‘Depôs de Sabe Morrê Ca Nada’ ou ‘Soncente Eh Sabe…’.  
Com o 25 de Abril o PAIGC entra logo em cena, partido antes desconhecida pela esmagadora maioria da população cabo-verdiana, é levado aos píncaros pelos mindelenses, ao mesmo tempo que se marginalizaram forças autóctones entretanto nascidas do 25 de Abril assim com as figuras consideradas proeminentes no arquipélago, por serem na época consideradas ilegítimas (o PAIGC ganhou toda a legitimidade histórica por ter combatido Portugal na Guiné em nome de Cabo Verde) negociando assim unilateralmente com Portugal a transferência de poderes, sem que as população e as forças politicas autóctones fossem tidas ou achadas no processo negocial e no desenho do país independente. O PAIGC tornou-se num ápice força dirigente de Cabo Verde, a luz e o guia do povo de modo que o governo. Estavam lançados os dados em Cabo Verde e o seu futuro ia depender desta trajectória inicial.
O programa do PAIGC em 1975 não se anunciava de todo amigável para ilha, nem para Cabo Verde, deixando muita apreensão no ar: nacionalizações (?), restrições, racionamentos, economia centralizada e estatizada, colectivismo, reforma agrária (?), partido único e delito de opinião a quem tivesse ideias contrárias ao poder. Pior o regime que se pretendeu ter nascido nas matas da Guiné, forjado na luta de libertação, que envolveu essencialmente camponeses, pretendia constituir a sua principal base de apoio nos campos (?) de Cabo Verde, ou seja na ilha mais populosa do arquipélago, Santiago. Esta opção representaria o triunfo da ruralidade, o retorno ao passado, muito marcado pelas teses revolucionárias em voga no 3º Mundo. Em segundo lugar pretendia-se uma ruptura total com o passado colonial, extirpando aquilo que denominavam de sequelas do colonialismo português em Cabo Verde e por fim construir um homem novo limpo das mesmas sequelas. Nesta corrida S. Vicente estava mal posicionada pois de ilha revolucionária que adoptou incondicionalmente o programa do Paigc, estaria corrompida espiritualmente, sendo mesma vista por alguns como filha bastarda do colonialismo. Lançou-se deliberadamente o estigma de a ilha ter sido aliada do colonialismo português. Inicia-se assim a longa marcha rumo ao Centralismo em Cabo Verde na Praia, uma opção declaradamente assumida pelos poderes. É nesta perspectiva que uma ilha como S. Vicente não foi comtemplada com uma única representação do Estado, Praia de Bote ficou mais uma vez a ver navios passar: ao mesmo tempo que perdia massa crítica, o dinheiro deixava de circular na ilha. De ilha nobre, culta, intelectual e com elevados padrões de valores morais e civilizacionais, participativa confiante no futuro radiante prometido, transformou-se em ilha abandona, deserta, descrente, sem trabalho, onde nada acontece para além de alguns festivais e o carnaval inicialmente improvisados, depois institucionalizados. O ‘Passá Sabe’ tornou o leitmotiv do povo e a infindável farra que se iniciou no 25 de Abril tornou parte da decoração. Enquanto isso assiste-se impávido e sereno à descaracterização rampante da nossa linda cidade e alguns mindelenses embriagados declararam ‘Tud Pa Tchom’ ao nosso lindo património arquitectónico, enquanto grupo militam para a requalificação do património e monumentos históricos, outros modernizadores e demagogos prometem atirar ‘o Velho’ de Cabo Verde para o Lixo da História, usam palavreado neo-revolucionário, apelidando de Pardieiros Imundos, Refúgios de Drogados ou Lixeira Degradantes da Cidade do Mindelo, a antiga Casa Adriana o Eden Park e talvez Liceu Gil Eanes, o Fortim e tantos outros edifícos deixados intencionalmente cair em ruina.
Segundo uma absurda tese económica em voga no Cabo Verde, S. Vicente não se devia desenvolver mais, tinha que parar no tempo (imaginem) para que as outras partes do país chegassem ao seu nível de ‘desenvolvimento’. O objectivo desta política justicialista seria, segundo os mentores, contrariar a tendência colonial que alegam ter consistido em apostar em S. Vicente, pelo que esta ilha devia ser punida durante décadas. Para fazer justiça re-investiu-se tudo numa ilha e criou-seuma nova burguesia nacional na mesma ilha. Este efeito nunca mais parou, e a tendência de transferia de recursos para a nova capital foi continuamente prosseguida, o que descapitalizou humanamente e economicamente o resto do país, explicando grande parte a situação de decadência que encontramos na ilha e no resto de Cabo Verde. No preciso momento em que existe um discurso de recuperação da ilha, fruto de inúmeras pressões da sociedade civil para que se desenvolva políticas para travar o declínio de S. Vicente, prossegue a hemorragia humana da ilha e o centralismo inexorável do país: todo o centro político e económico está situado ou tem tendência a centrar-se na capital, todos os quadros mais competentes ou recém-formados, todas as profissões, todos os projectos, só tem um destino, a capital, transformando Santiago a única ilha onde os investimentos são mais viáveis, onde circula capital e dinheiro, onde há poder de compra, onde se criam empregos, onde há perspectiva de ascensão na carreira etc. Poucos países no mundo apresentam tais características. Se isto não resulta de um plano conspirativo, então pode-se afirmar que os regimes e as elites que governaram o país não têm noção e sensibilidade para administrar país, pelo que nunca farão nada para contrariar os efeitos perversos desta política injusta e absurda.
Tirando estas considerações, pode-se mesmo assim argumentar que se o modelo de desenvolvimento, centralizado, estatizado pudesse ser sustentável numa legislatura com o intuito equilibrar as contas do país recém-independente, a sua persistência a sua duração no tempo, para além do prazo, foi um contrassenso económico, um erro grave que está pagando caro o resto do país.
Mas esta política não foi implantada sem resistências. Os primeiros sinais preocupantes que a economia da ilha de S. Vicente (que era o centro económico do arquipélago) entrava em declínio foram emitidos em 1977 por uma sindicância de comerciantes mindelense e enviados ao regime (que acolheu mal essa manifestação). As políticas de austeridade, racionamento, colectivismo e centralismo na Praia, começavam a asfixiar a ilha e por ricochete o resto de Cabo Verde. Todo o potencial da ilha estava morrendo de inanição a olhos vistos, sem alternativas possíveis no quadro dos fundamentos em que se assentavam o regime. Exigia-se um NEP tal como Lenine na Rússia nos anos 20 do século passado. Mesmo a própria Diáspora que podia ser o maior parceiro do desenvolvimento do país foi alienada em 1975 posta de costa virada ao país. Iniciou-se a crispação, a revolta na ilha e o início do sentimento de oposição: nascia em S. Vicente a contestação ao regime que se alastrou à Diáspora. A resposta não se fez esperar, numa onda de repressão sem precedentes abateu sobre a ilha. Não fosse a esperança na Perestroika de Gorbatchev o fim do Muro de Berlim e a alternância nascida 1992, o arquipélago estaria ainda mergulhado sistema de partido único sem perspectivas de saídas possíveis.
Com os sinais de abertura no Mundo e em Cabo Verde, S. Vicente podia de novo acreditar no futuro na medida em que a democracia seria a panaceia, o remédio para os seus males. Nada mais falso! Hélas, por detrás da Democracia emergia um novo fenómeno em Cabo Verde, que progredia silenciosamente por dentro dos partidos, o Fundamentalismo Santiaguense, que eclodiu no início do milénio.
Chegou a hora de Santiago subjugada esquecida, oprimida, a hora da interioridade de Cabo Verde, do outro Cabo Verde. Tenta-se voltar aos Fundamentos de Cabo Verde e consagra-se a Cidade Velha século XV. Triunfava a da maioria dos números que curiosamente em cabo Verde não é da maioria sociológica, o confronto duas realidades bem diferentes no arquipélago. No espaço de uma geração os Fundamentalistas estavam convencidos de terem realizado uma revolução sociológica em Cabo Verde, de ter nascido enfim um homem novo com raiz fincada em Santiago. À ‘Exuberância Irracional de Santiago’ condenava o resto de Cabo Verde a transformar-se em paisagem. Estava-se assim decidido construir a todo o custo um utópico Estado Nação à imagem da maior ilha do arquipélago. Os problemas recomeçavam para S. Vicente!
                                                                             
José Fortes Lopes


Bibliografia
JOSÉ FORTES LOPES Quando um filho de S. Nicolau, Baltazar Lopes da Silva, poderia ter jogado um papel político proeminente no Cabo Verde do pós-25 de Abril e do pós-Independência.
JOSÉ FORTES LOPES: Pensando Cabo Verde de outra maneira - Quando as Reformas Democráticas e o Conceito Plural de Cabo Verde deram razão a Baltazar Lopes da Silvahttp://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/93-jose-fortes-lopes-pensando-cabo-verde-de-outra-maneira-quando-as-reformas-democraticas-e-o-conceito-plural-de-cabo-verde-deram-razao-a-baltazar-lopes-da-silva. Jornal de São Nicolau, 15Outubro de 2013.