sexta-feira, 11 de janeiro de 2013


             Breves reflexões sobre as Perguntas e Respostas de José Fortes Lopes

 

Dá gosto ler prosa tão escorreita e com suculento conteúdo escrita por alguém que ama a sua terra e nada tem a ganhar para si próprio, pelo contrário, tem tudo a perder de eventuais favores e benesses do poder, os quais rejeita em defesa da justiça e melhor organização política, social e administrativa do seu país. O patrício José Fortes da Silva, docente universitário, demonstra ter uma ética republicana cuja matriz cívica e cultural consubstancia a ideia de servir os outros sem egoísmos.

Ideias claras e corajosas a que não estamos habituados a escutar, nem a ler, porque tanto os do governo como dos partidos políticos e seus ideólogos se especializaram no malabarismo da confusão de ideias e habilidade de confundir conceitos em benefício próprio, ou dos partidos. Uma das facetas mais negativas da política, e que tem motivado o seu descrédito, é a partidocracia, por ter permitido trepar, na sua escala de valores, a mediocridade. Ele detecta na nossa jovem democracia sinais precoces de anquilose, e eu preferiria antes dizer, que temos uma construção aligeirada de democracia, com triunfo do caciquismo, caucionamento da esperteza chico-espertismo, pântano ético em exposição permanente, um claro indício de que algo vai mal nas nossas berças crioulas. A adjectivação, ´burocrático´, feita pelo articulista do centralismo, é bem aplicada porque a burocracia, pelos papéis infindáveis e carimbos, sustenta poderes mais imaginários do que reais, embora um burocrata seja sempre um ditador potencial, e a burocracia também sempre da área do irracionalismo.

Bem sei que o medo entranhado na alma, como percevejo em prega de colchão, dos largos anos do fascismo e do partido e pensamento únicos, tolhe a voz do cidadão. Mas já é tempo de nos libertarmos dele e da canga de arbitrariedades que têm esvaziado o país de homens verdadeiramente livres, porque sem eles, não há futuro digno. Existe, realmente, como vimos constatando, o perigo de uma crise da democracia provocada pela indiferença colectiva e pela debilidade de participação cívica, a qual só pode ser estimulada com o surgimento de movimentos cívicos e sociais activos como o nosso Movimento para a Regionalização e Descentralização de Cabo Verde e outros afins da sociedade civil, que, no plano local e regional, se propõem debater o presente e o futuro do país numa postura interpelante com os poderes. Felizmente, um pouco por todo o lado, estão a surgir grupos de cidadãos para uma acção civilista e política que não só é vital para a própria democracia, como necessária para a afirmação de uma nova pedagogia sobre a cidadania. Essa vitalidade antes desprezada, essa ousadia de pensar em voz alta, essa forma de ser e de estar, é reconhecida hoje como imprescindível ao respirar das comunidades das localidades e regiões.

Não há dúvida de que temos gente capaz, honesta, incorruptível, decidida a se sacrificar – porque já os houve activos, sem, no entanto, terem aquecido muito os lugares, por serem incómodos ao poder – em benefício do país e para dar o seu contributo ao aperfeiçoamento da nossa democracia. Pena é que, alguns se retraiam, sempre na espectativa (mas de quê, se já lá vão quase 40 anos de independência?) de um rebate de consciência dos no poder, outros por não serem ouvidos, ou por terem sido postos de lado; deveriam avançar com as suas propostas de apoio, sem mais esperar. Creio que somente a pressão da sociedade civil e das suas organizações poderá levar o Governo e os Partidos a quebrar o silêncio para discutir aberta e francamente a estratégia da descentralização/regionalização, pondo de lado truques, como o da desconcentração administrativa, ou de governadores civis nomeados, cujos prazos de validade terminaram diazá na mund.

Bem sei que os poderes convivem mal com a crítica. Os governantes acham que o dever de responder aos cidadãos é uma maçada e que a democracia, na sua verdadeira vertente participativa, é uma grande chatice, como escalpelizei no livro Ês Ca Ta Cdi! Cabo Verde não é somente Praia e Santa Catarina; há outras cidades e vilas para além das de Santiago com direito à mesma paternidade. Eu, que já não sou criança, bate-me forte o coração e avanço para a luta cívica quando oiço falar na regionalização e descentralização. Há palavras que nos beijam como se tivessem bocas…

Não me agrada vir a ser recordado, ou que se venha a reconhecer que tinha razão, depois de morrer, por isso ser certo, visto deixar obras e exemplos. Gostaria que me combatessem, ripostassem, ou levassem a sério as minhas críticas e propostas em vida.

 

Parede, Janeiro de 2013                                 Arsénio Fermino de Pina

                                                      (Pediatra e sócio honorário da Adeco)

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