domingo, 12 de março de 2017

SÃO VICENTE E O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO DE 2017 - UM TEXTO DE NELSON FARIA

A propósito da Notícia do Mindelinsite: “São Vicente relegado para 5º lugar n OGE de 2017” - http://mindelinsite.cv/sao-vicente-relegada-para-5o-lugar-no-oge-para-2017/, como mindelense, não pude deixar de ver e sentir que, aos poucos, São Vicente dá para tudo menos para ser prioridade dos investimentos do OGE - Orçamento Geral do Estado –  2017, para um polo local / regional de desenvolvimento, capaz de criar externalidades positivas aos vizinhos e ao país, tratamento esse que teima em perdurar...
Antes de avançar neste texto de opinião, para não ser conotado de “bairrismo” entre outros “ismos” que não são meus, devo dizer que a mim interessa-me, sim, o desenvolvimento do país como um todo, de forma harmónica e descentralizada, explorando as potencialidades e qualidades que cada ilha tem para oferecer ao seu desenvolvimento e ao do país como um todo. Da mesma forma devo dizer que este texto é escrito por um cidadão livre das querelas partidárias, cujo interesse, único e exclusivo, é ver: o desenvolvimento de Cabo Verde como um todo e da ilha e de São Vicente, em particular, no patamar que merece e pode oferecer ao país.
Se reconheço inúmeras potencialidades e qualidades económicas desta ilha, não somente por ser parte dela, devo igualmente reconhecer que o país, todo ele, e cada parte dele, tem características que podem ser aproveitadas a bem das comunidades locais e da noção cabo-verdiana.
Óbvio que, para melhor exploração das potencialidades das ilhas e do investimento do OGE, há que se criar uma visão de desenvolvimento onde cabem todos, absolutamente todos, baseado em critérios estratégicos que não descurem a descentralização, igualdade de tratamento e equidade por mais difícil que seja a conjugação desses factores. Este esforço deve ser feito em tudo o que diz respeito ao todo, mormente no tocante ao OGE, sob pena de demonstração de distribuição de prioridades nacionais, através do investimento de “dinheiro público”, baseado em critérios capazes de criarem incompreensões, desigualdades, assimetrias regionais e consequentes extremismos bairristas. Correndo o risco de não estar enganado, creio que esta é a percepção da população de São Vicente sentida e vivida, por todos, desde os cidadãos ao Presidente da Camara Municipal… mesmo que, de momento, não seja verbalizada.
Se por um lado não disponho de dados para fazer a análise comparativa dos investimentos destinados para São Vicente e demais ilhas nos últimos 16 anos em cada OGE, por outro disponho, e bem, de informação do posicionamento dos projectos a serem financiados pelo OGE em 2017 e o seu montante. Neste, São Vicente é tratado, de facto, abaixo das suas potencialidades e necessidades de desenvolvimento, abaixo do que oferece e pode oferecer ao país, abaixo de um polo que pode criar externalidades, abaixo do que realmente vale e contribui para o país… Espero não ser mais um “dedada na oi”, para não dizer em outro orifício, e que os críticos de um passado recente o sejam também na nova conjuntura… Todavia, mais que lamentações, esperam-se acções, sobretudo, de quem pode e deve intervir no interesse local e nacional chamando a capítulo todos os deputados nacionais, especificamente os eleitos por este círculo, da situação e da oposição, e também as forças vivas e governativas locais.
Segundo os dados do anuário estatístico de 2015, não dispondo de informações actualizadas, São Vicente era e acredito que ainda é:


A ilha com maior densidade populacional (Número de pessoas por espaço territorial) – Quadro 9 do Anuário Estatístico 2015;



O Segundo Concelho e a Segunda maior ilha com maior número de população residente, ascendendo a mais de 81.000 almas - Quadro 12 do Anuário Estatístico 2015;



Pelos dados de 2012, a segunda ilha com maior contribuição para o PIB Nacional, cujo PIB per Capita por ilha é suplantada apenas pelas “ilhas turísticas”, Boa Vista e Sal, sendo maior que a de Santiago – Figura 1; Quadros 97 e 98 do Anuário Estatístico 2015;




A segunda ilha com o maior número de empresas e volume de negócios do país - Quadros 100 e 105 do Anuário Estatístico 2015;





Ilha com claras aptidões para a economia marítima e portuária, assim como o comércio e indústria, sendo aquela de onde saem as maiores exportações do país – Gráfico 5 e Quadros 134 e 182 do Anuário Estatístico 2015.



Ora, posto isto, a ilha sente-se flagelada, vive e vê-se relegada para quinto lugar na distribuição do OGE 2017 no tocante aos projectos de investimentos, facto que não começou no corrente ano. Certo que São Vicente necessita, urgentemente, de outra dinâmica económica, não assente apenas nos três grandes momentos (Carnaval, Festival e Fim de ano), muito propalado nos discursos políticos, da situação e da oposição, via materialização de projectos que vão desde a simples revisão do asfalto da cidade, sobretudo da avenida marginal onde transita muito da vida económica desta cidade e deste país, sem falar da do percurso cidade Baía e mesmo na Baía, na sua transformação em instância turística de excelência; no tal Porto de águas profundas para dinamização da vocação marítima da ilha capaz de se expandir para o continente Africano e voltar a servir o triângulo do Atlântico; do terminal portuário para o turismo de cruzeiro em franca expansão na ilha; da Escola do Mar em outras proporções, no apetrechamento do aeroporto internacional Cesária Évora para outros voos; na revisão das estruturas desportivas em ilha em que o Desporto coisa séria conseguindo resultados de excelência com os parcos recursos disponíveis; no turismo em que cada vez mais o turismo urbano e cultural de São Vicente ganha protagonismo, com outras potencialidades, necessitando de recuperar muito do seu património histórico quer em imóveis quer na acomodação da história em lugar apropriado - Museu; na habitação para uma população crescente onde é evidente a proliferação dos bairros de lata; na valorização cultural, sobretudo em produtos de valor acrescentado como é o Carnaval Mindelense que, reconhecendo a boa intenção no financiamento em 2017, ainda não se satisfaz com este rebuçado face a fome de investimentos que este evento suscita; do Teatro que “fincou” raízes e nos dá frutos produtivos; entre tantos outros projectos e necessidades adiados sine die. É Inteligível que tudo isto, se visto e enquadrado na visão de desenvolvimento de Cabo Verde, contribuiria para a dinamização económica da ilha e a criação das externalidades necessárias para o bom desenvolvimento do país, combatendo outro grande flagelo local: o desemprego que é uma das causas, senão a principal, da pobreza também existente em São Vicente.
Se é verdade que o orçamento deve considerar a equidade como um dos factores, dando mais a quem mais necessita, não pode ser verdade que o sacrificado deva ser sempre a mesma e que critérios como a razoabilidade e racionalidade sejam ignorados. O OGE 2017, na capa de uma suposta equidade, salvaguardando interesses outros dos mais beneficiados, desde sempre, não abona, na minha perceptiva, a favor de São Vicente e nem a favor do desenvolvimento equilibrado do país como um todo. Portanto, assimetrias regionais existentes continuarão a existir, dando a impressão de girarmos, girarmos e permanecermos no mesmo sítio, gorando e suplicando atenção para esta parte do território nacional.
Se considerarmos que a maioria das mais de 81.000 almas de Mindelo acreditaram num projecto político que prometeu ser “amigo de São Vicente”, neste momento, os sinais de frustração começam a mostrar que a retórica demagógica e o populismo contrapõe as decisões estruturantes vistas no OGE 2017 e ouvidas, pós eleições, na voz da governante que disse que São Vicente não é uma prioridade. “Um registo para não mais ser apagado”.
Espero estar enganado sobre esta “amizade” pela ilha e que nos anos sequentes seja invertido a dinâmica de descapitalização para não dizer decapitação. Terei todo o gosto em dar a mão a palmatória se estiver enganado e se verificar projecto de desenvolvimento do país, harmonioso e descentralizado, com distribuição: racional, razoável e equitativo dos recursos de investimento nos próximos OGE…
Sabendo que ainda é cedo para julgamentos e afirmações de descrença, como alerta, em tempos que o nome Abraão está em voga, cito uma passagem do Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo, pode-se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos por todo o Tempo”. O tempo, este maldito e vil revelador da verdade das palavras, que sobrepõe as atitudes e as acções acima dos belos discursos não permitirá, com certeza, que todos sejamos enganados por todo o tempo… Nem pelos que estão e nem pelos que já foram. Desejo que nos anos seguintes São Vicente tenha outro tratamento, também explícito nos próximos OGE. Desejo igualmente, caso não vier a acontecer, que os Homens não se tornem cobardes… Abraham Lincoln: “Pecar pelo silêncio, quando se devia protestar, transforma os Homens em cobardes”. Desejo que não nos tornemos alienados e muito menos servis da falsa satisfação de egos e umbigos.



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