COMUNICADO
O ORÇAMENTO GERAL
DO ESTADO PARA 2017
É UMA AFRONTA À ILHA DE S. VICENTE E AO SEU POVO
(Este comunicado do Grupo de Reflexão da
Diáspora tem o significado de um alerta à sociedade civil mindelense, aos deputados
por S. Vicente, em particular, e aos políticos cabo-verdianos, em geral).
Foi tornado público,
nas suas linhas gerais, o Orçamento Geral do Estado para o corrente ano de 2017. Da leitura do mesmo,
constata-se, com chocante surpresa, que a ilha de S. Vicente foi relegada
para o quinto lugar na distribuição dos recursos para o investimento público, sendo
contemplada com 489.867.959 escudos, e deste modo ficando bastante aquém do
município da Praia (732.434.620 escudos), e atrás da ilha de Santo Antão
(784.144.715 escudos), do município de Santa Catarina (647.792.953) e da ilha do
Sal (505.762.936 escudos). Entretanto, notícia veiculada no jornal online “Mindel Insite” dava conta de que
este orçamento francamente penalizador para S. Vicente, nem por isso mereceu
qualquer comentário público aos deputados eleitos pelo círculo eleitoral da ilha,
à excepção de um da oposição. Estranho e perturbante é o silêncio cobarde daqueles
que têm a estrita obrigação política de pugnar pelos interesses do povo em nome
do qual exercem os seus mandatos!
Não se conhecem ainda todos os contornos e
pormenores técnicos do documento em causa, assim como os pressupostos e os
fundamentos que determinaram a sua concepção. Mas uma coisa parece já de uma
certeza meridiana. Pelos vistos, voltamos a estar perante um orçamento de cunho
marcadamente centralista e, como se não bastasse, eivado de critério político muito
nebuloso. Porque é de todo impossível não interpretar este orçamento como uma
atitude de puro revanchismo e de claro afrontamento contra a ilha que mais tem
denunciado os males do centralismo político e as suas danosas consequências para
o progresso do país.
Mas o que mais revolta, porque a injustiça
dói fundo, é este orçamento vir completamente ao arrepio das promessas
eleitorais alardeadas na ilha de S. Vicente pelo líder do MpD e actual
primeiro-ministro. Porque é um facto incontestável que este governo do MpD ganhou as eleições
legislativas, há precisamente um ano (Março de 2016), com o apoio expressivo dos mindelenses e dos democratas cabo-verdianos que confiaram o
seu voto a quem alto e bom som prometeu mudanças radicais em relação aos
discursos e às políticas até então seguidas pelo PAICV, que privilegiavam
destacadamente a Ilha de Santiago, em detrimento de uma visão mais igualitária e
homogénea do conjunto nacional.
Deste modo, o que se vê é a ilha de Santiago continuar a beneficiar da
fatia de leão na distribuição do bolo orçamental, o que em si demonstra quão
falsas e capciosas foram as promessas de reabilitar o espírito de solidariedade
nacional, de moralizar a política e de promover a correcção dos desequilíbrios
regionais através de uma efectiva descentralização do poder e de uma mais
equânime distribuição dos recursos.
Ora, a ilha de S. Vicente é a segunda mais
importante do país em função do seu peso demográfico e do seu contributo para o
PIB. É certo que o princípio da solidariedade nacional pode e deve exigir um
critério de distribuição da riqueza que passe por ressarcir as ilhas menos
desenvolvidas, à custa daquelas que mais recursos geram. Mas o que este
orçamento nos representa, mediante uma leitura fria, e a avaliar pelas fatias
orçamentais logo no início discriminadas, é esta curiosa e inverosímil situação,
ditada simplesmente pelos números:
1. A ilha de S.
Vicente parece ter contribuído sozinha, ou em parte substancial, para a
recuperação do atraso de outras, assim se explicando que, em tratamento
orçamental, ela se posicione em quinto lugar, muito distante do município da Praia
e nas caudas da ilha de Santo Antão, do município de Santa Catarina e da ilha
do Sal;
2. A ilha de
Santiago no seu todo, e conforme os valores orçamentais em presença, é mais uma
vez consideravelmente privilegiada, e, absurdo dos absurdos, nem sequer partilhando
do espírito de solidariedade nacional que aparentemente terá justificado a não
alocação dos recursos prometidos a S. Vicente, tendentes a inverter a situação
de emergência social e económica que se vive na ilha.
Outrossim, e numa avaliação casuística, não
se percebe que a ilha de S. Vicente tenha um tratamento orçamental equiparável
ao de um simples município, só pela circunstância de tratar-se de uma ilha
unimunicipal. A ilha tem de ser vista na globalidade da sua condição
geoeconómica e importância político-social, bem como na perspectiva das suas
potencialidades, as que são efectivas e as que são exploráveis numa dimensão calculadamente
mais alargada e à escala nacional. Ela foi no passado a principal geradora das
receitas do território e por má-fé política foi sendo, no pós-independência,
continuamente marginalizada pelo poder central, impedida, por coacção política,
de ser um importante pólo da economia nacional, que era e é a sua vocação
natural.
Sucede ainda que a S. Vicente afluem populações das ilhas
vizinhas, nomeadamente de Santo Antão, à procura de trabalho, fenómeno que vem
agravando os seus problemas sociais, como o desemprego, a habitação clandestina
e a marginalidade. É um ónus que se deve ao coração franco e aberto dos mindelenses,
mas sem qualquer apoio suplementar por parte do governo central. Foi exactamente
perante este quadro social que o actual primeiro-ministro prometeu, em campanha
eleitoral, um conjunto de medidas especiais para reverter a deprimente situação
em que a ilha tem estado mergulhada desde há décadas. No entanto, desde a posse
do actual governo nada até agora se perfilou nesse sentido. Pelo contrário, a
percepção geral é que a ilha é neste momento como uma rampa deslizante, rumo a
um pântano cujas consequências se receiam bem temerosas. E o que mais intriga e
desafia a paciência e o ânimo do mais pacato cidadão, é que têm sido
constantemente anunciados investimentos de milhões em Cabo Verde, mas sempre
para os mesmos destinatários.
Nesta conformidade,
é de todo inaceitável que S. Vicente tenha uma dotação orçamental bastante
inferior à do município de Santa Catarina e à das ilhas de Santo Antão e do
Sal. Razões do Estado podem explicar certos caminhos ínvios que a política
percorre, mas em matéria orçamental os princípios de justiça e de equidade
jamais podem ser postergados ou prostituídos, sem que resultem em cadeia graves
repercussões no ânimo e no moral das populações. Espelho de uma clara intenção
política, este orçamento é motivo de profunda inquietação para o povo de S.
Vicente.
Portanto, é
urgente e é imperativo que o Governo explique por que razão a segunda ilha do
país é sonegada para um quinto lugar na distribuição orçamental, ao passo que
Santiago e os seus municípios continuam inexplicavelmente privilegiados e em
posições cimeiras. A supor-se um eventual critério de distribuição versus
ressarcimento, reafirma-se que o princípio só parece ter sido aplicado a S.
Vicente, a única contribuinte da partilha nacional, enquanto Santiago continua
intocável no seu pedestal e escandalosamente liberta de obrigações de
solidariedade e coesão territorial.
Cidadãos, a política em Cabo Verde parece enveredar cada vez mais por caminhos
tortuosos que deixam perplexas as populações que um dia acreditaram nas
virtudes nacionais e confiaram nas capacidades dos que assumiram a
responsabilidade de governar os seus destinos.
A sociedade civil mindelense parece mergulhada num clima de apatia
social e desinteresse cívico sem precedentes, que só se explica pela
preponderância de valores individualistas e egoístas e pelo eclipse dos líderes
políticos locais, divididos em querelas inúteis da baixa política. E é em
grande parte por esta postura de abdicação, de autêntica paralisia, que S.
Vicente tem sido alvo de tratos de polé, marginalizada pelo poder político,
desviada do destino que lhe desenharam os homens bons que no passado foram os
construtores de uma sociedade local fecunda e promissora.
Importa, pois, indagar
e esclarecer os motivos por que a ilha de S. Vicente foi destratada de uma
maneira tão acintosa e provocatória. E é nesse sentido que, não aceitando ver relegada a segunda ilha
mais importante do arquipélago para uma quinta posição na escala das
prioridades orçamentais, os cidadãos abaixo assinados lançam um apelo
veemente aos políticos e à sociedade civil mindelenses, para que assumam as
suas respectivas responsabilidades, enquanto é tempo.
Subscrevem este Documento cidadãos
cabo-verdianos sem qualquer filiação político-partidária, preocupados com a
contínua degradação da situação económico-social da ilha de S. Vicente e da região
em que nasceram ou viveram parte significativa das suas vidas, e que, em vista disso,
reclamam uma reforma urgente do sistema político e administrativo do país,
bastas vezes prometida e adiada para as calendas gregas.
Pelo Grupo de Reflexão da Diáspora, e por
ordem alfabética:
Arsénio Fermino de Pina
Adriano Miranda Lima
Carlos Adriano Vitória Soulé
José Fortes Lopes
Luís Andrade Silva
Valdemar Pereira
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