1ª parte- Da socializalização da Proposta
de Regionalização do Governo/MPD à socialização do PAICV à Regionalização-
Introdução
Neste artigo, em duas partes, opino sobre o
processo de Regionalização de Cabo Verde, de acordo com a última Proposta.
Exprimo aqui uma opinião pessoal, que não vincula mais ninguém, apesar de eu
pertencer ao Grupo de Reflexão para a Regionalização, mais especificamente, o
Grupo de Reflexão da Diáspora.
Como é sabido está em fase de
Socialização, desde Janeiro de 2017, a Proposta de Regionalização de Cabo
Verde, apresentada ao país pelo governo suportado pelo MPD, e que inclui duas
versões em anteprojecto.
Acontece que neste momento está em cima da mesa uma nova Proposta de Lei de Regionalização, redigida por uma Comissão de trabalhos MPD/PAICV, no seguimento do recem-envolvimento do PAICV no processo de Regionalização, no intuito de se encontrar uma plataforma de entendimentos sobre o modelo consensual para os dois partidos.
Tudo leva a crer que o PAICV, após intensa pressão interna oriunda de militantes progressistas residentes na Ilha de S. Vicente, tenha resolvido integrar, de bom ou mau grado, a tal Comissão. Com efeito, é na ilha S. Vicente que nasceu a ideia que haveria de espoletar as propostas de Regionalização, é nela que existe um número significativo de militantes activos à causa, e é onde está sediado o Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde, tornado recentemente associação de utilidade pública.
Como é também sabido a Proposta formal de 2016 foi acolhida com bastante agrado por vários sectores. Na altura manifestei o meu regozijo: “O documento é mais abrangente do que esperava, é completo e com algum nível de detalhe, é um anteprojecto de lei, como o seu nome indica, que vem responder ‘à fome existente’ de um governo local para o povo das ilhas, nomeadamente a ilha de S. Vicente...”
O conteúdo da proposta anterior satisfez-me, assim como os termos e as terminologias usadas. A regionalização foi apresentada como um conceito claro, sem ambiguidades nem ‘arrière-pensée’. Os conceitos de Região ‘tout court’ e de Governo Regional estavam bem definidos.
Tendo analisado a actual proposta de Regionalização (de Fevereiro de 2017) do MPD/PAICV, constato um recuo do MPD pelos seguinte motivos: houve um esvaziamento das conquistas conceptuais que foram forjadas nos debates da regionalização que se iniciaram em 2010. Desapareceram da presente proposta, os conceitos Região e de Governo Regional.
No texto actual refere-se agora exclusivamente e insistentemente à “Região Administrativa” e ao “Supra Municipalismo”, conceitos que são no mínimo ambíguos quando se quer definir a Regionalização, pelo menos se se tomar à letra os termos.
Parece ter havido da parte do MPD cedência ao conservadorismo conceptual do PAICV, que defendeu desde sempre, o Supra-Municipalismo, assim como outras variantes ambíguas, tal como a Região-Plano.
Levando avante a actual Proposta,
posso concluir, que ao fim e ao
cabo, a ala conservadora do PAICV (da qual excluo os regionalistas mindelenses deste partido) foi a ganhadora da
campanha da Regionalização. Tal não surpreende, pois os dois partidos sempre
pareceram defender o mesmo centralismo, apesar de nuances, pelo que a actual proposta
bem poderia ter sido submetida pelo anterior governo do PAICV, há pelo menos 3
anos. O PAICV conseguiu impor a sua ideologia, o conceito do estado
centralizado, a visão jacobina e centralista do poder, que sempre negou a
regionalização verdadeira e a descentralização que Cabo Verde bem precisa, com
o argumento de que o Estado de Cabo Verde é uno e indivisível. Como se os
países que se regionalizaram no passado tivessem desaparecido, quando a
regionalização tem sido sempre a opção para os países com características
naturais e culturais regionais. De resto, o que mais surpreende é que a
regionalização tem-se mostrado uma excelente ferramenta operacional de
dinamização económica e cultural, assim como de coesão nacional, para esses estados!
Por isso a hostilidade em relação à regionalização de uma certa elite político-intelectual,
prende-se com outras razões de ordem ideológicas, entre várias.
A questão que se coloca com a mudança de terminologia, é se tal exercício terá um intuito: criar confusão conceptual e a divisão nas hostes regionalistas, ao mesmo tempo que extirpa qualquer veleidade política à regionalização. Pretende-se esvaziar o conceito de Regionalização, como sempre havia sido o intuito do PAICV e de uma elite que faz da persistência do centralismo um seguro de vida?
Se a Regionalização se concretizar-se, completa-se mais um ciclo do processo democrático que começou em 1992, quando pôs-se fim ao ciclo do regime de Partido Único, não democrático. Todavia não se desmantelou o maior problema que se via Cabo Verde confrontado, o Centralismo, um sistema subrepticiamente criado pelo regime anterior, que é o responsável muitos problemas, tais como o desenvolvimento desequilibrado, assim como múltiplos problemas sociais, ambientais e económicos do Cabo Verde contemporâneo.
Mesmo que o partido eleito em 1992 tenha criado o poder local (autarquias) e tentado algum esboço de Regionalização, já nesta altura o Centralismo estava instalado de pedra e cal no centro do poder, havendo muitos interesses ponderosos instalados, tanto partidários como económicos. Uma forte corrente fundamentalista, ferrenhamente centralista tinha ocupado todas as redes e as rédeas do poder.
Uma proposta tão ousada e generosa de Descentralização, uma bóia de salvamento de Cabo Verde afogado no mar do Centralismo, só poderia vir da Diáspora desprendida e generosa, daqueles que não estão associados a nenhum interesse ou formas de poder, e que são capazes de perder alguma simpatia de uma certa elite, em troca de uma causa digna e nobre. Foi o que aconteceu em 2010, depois de muita ponderação dos riscos pessoais que uma confrontação ideológica com um regime e um sistema todo-poderoso comportava. Mas quando algo tem que ser feito deve ser feito!!
Continua em (2ª parte- Regionalização: E se a Montanha
Parir Um Rato’)
20 de Maio de 2017
José Fortes Lopes
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