domingo, 25 de junho de 2017

PERSPECTIVAS DE UMA “REGIÃO NOROESTE” NO REORDENAMENTO TERRITORIAL CABO-VERDIANO (Conclusão)
de Adriano Miranda Lima

Pelas razões aduzidas na primeira parte deste artigo, entendo que será um erro inviabilizar, por bairrismo, irrealismo ou auréolas descabidas, a colectividade regional – Região Noroeste (S. Antão, S. Vicente e S. Nicolau) – que mais possibilidades de sucesso oferece no quadro do reordenamento territorial do país. Os que rejeitam encarar essa associação parecem ignorar que o espírito de união, de partilha e de solidariedade nunca foi uma palavra vã nas três ilhas, como a história o comprova à saciedade. Leia-se esta passagem do romance “Hora di Bai”, do escritor Manuel Ferreira, cujo centenário agora se comemora: “Naquele tempo a ilha de S. Vicente era o porto de salvamento. Empurrados do interior os povos vieram arrastando-se para o litoral, até junto do mar, na esperança de uma mandioquinha, na ânsia de um caldinho de peixe…”. O autor refere-se à fome que ceifou milhares de vidas em Cabo Verde no início da década de quarenta do século passado, e ao acolhimento que S. Vicente proporcionou às populações das ilhas vizinhas que a demandavam em busca de uma côdea de pão.
Se a concepção de uma identidade regional assenta em pressupostos de ordem geográfica, demográfica, social e económica, também não é menos relevante a função da cultura e da história como elementos catalisadores da proximidade afectiva e da construção de laços de solidariedade. É natural que o curso do tempo dissolva alguns registos da memória colectiva, mas é tempo de revitalizar e tonificar um sentimento unificador entre as três ilhas em causa, em ordem à construção da única colectividade regional com condições para suscitar inapelavelmente uma efectiva partilha de poder entre o centro e as parcelas mais significativas do território. Tanto mais que esta hipótese de região tem como polo mais importante a segunda ilha e a segunda cidade mais importantes do país. Isto não é de somenos e são os teóricos contemporâneos do fenómeno da regionalização que afirmam a importância fundamental de um centro urbano como núcleo estrutural e irradiador do desenvolvimento regional, graças às infra-estruturas económicas e sociais disponíveis e ao papel de uma sociedade civil capaz de conceber e operacionalizar os planos de desenvolvimento. É perante este requisito que se questiona como poderão as nossas ilhas materializar unidades regionais no seu verdadeiro significado.
Então, se é compreensível que um projecto de regionalização se reja por uma dada realidade concreta e à escala dos valores que integra, também é verdade que existe uma doutrina e um conjunto de princípios dominantes que descartam versões irrisórias de regionalização, sob pena de irrelevância e de distopia funcional. Por exemplo, pergunta-se se existe a mínima possibilidade de ilhas como Maio, Boavista e Brava, para não falar de todas, constituírem por si só unidades regionais. Mais, veja-se que o projecto de lei em ponderação concebe para a ilha de Santiago duas regiões. Compare-se agora a nossa maior ilha com as unidades regionais do “departamento ultramarino francês”, atentando nos respectivos dados sobre superfície e população:
Ilha
Superfície
Habitação
Regiões
Santiago
991 Km2
266.161
2 (em vista)
Guadalupe
1.628 km2
404.000
1
Martinica
1.100 km2
401.000
1
Guiana
83. 485 km2
250.000
1
Reunião
2.519 km2
834.000
1
Atente-se agora no polo mais extremo do contraste: ilha Brava, 67 Km2 e 6.000 habitantes. Que este exemplo caricatural nos abra os olhos para a necessidade de corrigir a perspectiva, se a ideia é construir um projecto de regionalização credível e que seja via para o relançamento económico e social das ilhas e do país.
O que está em causa é a descentralização do poder e a desconcentração do aparelho do estado em função de unidades regionais que o sejam de facto e não entidades minimalistas e, por isso mesmo, exíguas nas suas capacidades endógenas e nas suas possibilidades de sucesso. Mas o que o projecto de lei em estudo preconiza e a sociedade civil parece aceitar como possível, porventura quedando-se na epiderme do problema, não terá grandes possibilidades de sucesso em Cabo Verde. Porque não é crível que Ilhas de escasso território, reduzida população, magros recursos e poucas potencialidades económicas, reúnam condições para o assentamento de alicerces minimamente confiáveis para a construção de um projecto regional. Não é por acaso que Jean Labasse e outros geógrafos conceituados afirmam que a regionalização só atingirá os objectivos por que aspiram as populações se se conjugarem duas condições basilares: adequada descentralização político-administrativa; disponibilidade de recursos financeiros necessários. Mesmo tendo capacidade de decisão e uma estrutura eficaz, a região pouco ou nada realizará se não tiver os instrumentos financeiros necessários.
Mas não se pense que é tarefa fácil reverter o sistema concentracionário e centralizador vigente no país, daí admitir-se que ele usará toda a sorte de artifícios e estratagemas políticos para se manter intocável no essencial das suas prerrogativas, sendo uma regionalização perfeitamente inócua o primeiro garante formal da sua longevidade. O centro político, densamente concentrado, instalou-se ao longo de décadas e solidificou-se de tal modo que é contra-natura esperar que seja ele próprio a reverter o que se consumou em função de: população inflacionada à custa das ilhas da periferia, clientelas políticas e de negócios instaladas, empresas e infra-estruturas criadas numa lógica de centralidade, em suma, uma realidade hiperbólica construída por via política e que hoje é o verdadeiro corpo e organismo de Cabo Verde. Nada disso vai mudar por decisão voluntária dos usufrutuários do centro, a quem pouco importa que a situação contraria flagrantemente a geografia de um país arquipelágico. Nada mudando de verdade, a grande fatia do Orçamento do Estado vai continuar a privilegiar a cidade da Praia e a ilha de Santiago, cuja segunda urbe até já almeja ser a
segunda do país. Ora, mantendo-se os alicerces e as estruturas do centro, com previsão até do seu revigoramento (estatuto especial para a Praia, integração de duas regiões e manutenção de nove municípios), pergunta-se de onde virá o acréscimo de recursos para alocar às regiões e de harmonia com o seu estatuto. Maior pertinência ganha esta interrogação se o dispositivo territorial se fragmentar em ilhas-regiões.
É sob esta óptica que se tem de olhar para o projecto de lei em “socialização”, esperando-se que ele não seja a última palavra na matéria. Que haja uma discussão séria e alargada a todos os fóruns da cidadania. Que se perceba que uma regionalização bem concebida tem de ser precedida de uma reforma profunda em toda a dimensão estrutural do Estado, racionalizando-o e desconcentrando-o, para que as unidades regionais sejam consequência natural de uma mudança bem gizada e não uma excrescência no organismo estatal.
Tomar, Junho de 2017
Adriano Miranda Lima
PERSPECTIVAS DE UMA “REGIÃO NOROESTE” NO REORDENAMENTO TERRITORIAL CABO-VERDIANO 
de Adriano Miranda Lima

Tendo em vista a reorganização administrativa do território, está em ponderação um projecto de lei sobre regionalização que, tudo o indica, elege o modelo região-ilha como a única solução aceitável ou credora de consenso nacional. Fala-se em “socialização do projecto de regionalização”, mas ignora-se em que medida foi aquele modelo objecto de suficiente estudo científico, debate e escrutínio público, de modo a poder-se concluir, com razoável fundamento, que é o mais adequado à nossa realidade.
No meu artigo intitulado “PONDERAÇÕES SOBRE O MODELO DE REGIÃO ADMINISTRATVA MAIS INDICADO PARA CABO VERDE” (1), procurei anotar as diferenças mais salientes entre os dois modelos possíveis − região-ilha e região-ilhas − demonstrando que o primeiro é reflexo do determinismo geográfico da escola germânica, traduzindo uma visão estática e condicionada pelo meio físico. De forma simplificada e minimalista, porventura inadvertida, esse modelo concebe que cada ilha, de per si, pode constituir-se em unidade regional, independentemente de possuir ou não condições objectivas e funcionais para realizar o processo de desenvolvimento que é o escopo da regionalização.
Quem alinha com essa opção não parece relevar que o determinismo geográfico na organização do espaço foi posto em causa pelo “possibilismo”, de autoria francesa, cujo percursor foi Vidal de la Blache. E desvaloriza também que uma concepção ainda mais inovadora, defendida por Paul Claval, André Cholley e Jacques May, viria a conferir maior amplitude e flexibilidade ao plano conceptual, destacando o papel do homem como agente modelador da paisagem, atento aos desafios crescentes da modernidade, com o desenvolvimento impulsionado pela dinâmica do processo de industrialização, pela acção directriz dos centros urbanos e pelo incremento dos transportes e comunicações. Os espaços passaram a interligar-se mais intimamente e a reduzir distâncias, diluindo-se as fronteiras físicas, mas sobretudo as psicológicas, num processo de aglutinação, como nunca antes o fora.
Por isso é que o modelo região-ilhas representa, em minha opinião, uma visão mais alargada e expansiva, explorando todas as variáveis que exponenciem a dimensão da unidade regional. Trata-se de um pensamento mais evoluído e respaldado numa maior interacção dos factores geográficos, demográficos, sociais, económicos e culturais. Na verdade, o desenvolvimento hodierno assenta na mobilização e coordenação das potencialidades locais, dos recursos endógenos e dos equipamentos e infra-estruturas, fomentando a solidariedade e sinergia entre os espaços contíguos, em ordem a uma maior potenciação dos factores de um desenvolvimento integrado.
Antes de mais, importa frisar que a necessidade desta reforma resultou do confronto com duas realidades conjugadas, faces da mesma moeda falsificada: a concentração de toda a estrutura do Estado na ilha de Santiago; o centralismo político. Ambos são consequência de uma mesma estratégia política que, no plano interno, se coseu cautelosamente com as linhas da ortodoxia marxista-leninista. Não fora isso, o mais certo seria não estarmos hoje pendentes de uma reforma que elimine os malefícios do centralismo e reponha o equilíbrio territorial, mercê do reforço da democracia participativa, da descentralização do poder, da redução da burocracia e da distribuição mais equilibrada e mais harmoniosa dos recursos. De pouco ou nada valerá a regionalização se não atingir esse desiderato.
Ora, o modelo região-ilha, a ser implementado, pode vir a revelar-se uma espécie de presente envenenado, caso os cabo-verdianos das ilhas da periferia não acordem a tempo de reconhecer a impossibilidade de ilhas despojadas de massa crítica, como é o caso da maioria, constituírem colectividades regionais credíveis e capazes de operar o desenvolvimento que almejam. Se não quebrarem as grades do seu isolacionismo, se não valorizarem as vantagens de uma criteriosa agregação de forças endógenas vizinhas para a constituição de um modelo regional mais abrangente, as ilhas da periferia irão, inconscientemente, passar um atestado de longevidade ao centralismo político. Reivindicações descabidas, como essa da construção de um aeroporto internacional no Porto Novo/S. Antão, praticamente colado ao de S. Vicente, mostram, entre outras exteriorizações subliminares, que o modelo região-ilha irá sucumbir por autofagia, mesmo que à partida lhe assegurem umas muletas para dar os primeiros passos.
Mais do que formatar unidades regionais e conferir-lhes um estatuto jurídico, a regionalização é sobretudo uma via para promover transformações que valorizem o território e alavanquem o progresso. Temos de inventariar soluções justas para corrigir desequilíbrios regionais com causas estruturais remotas e que não se resolveram com as políticas centralistas e concentracionárias. A metodologia do planeamento tem de olhar para a realidade concreta de cada ilha, antes de conceber a delimitação articulada do território. Independentemente da extensão de cada parcela insular, importa quantificar valores estatísticos como a população, o PIB, a infra-estruturação económica, os índices de escolaridade, de formação profissional, de inovação e criatividade local, as potencialidades nos diversos sectores da economia, os transportes e as comunicações, etc. A análise e o estudo terão de privilegiar um olhar objectivo sobre as escalas comparativas dos diversos dados em presença, em ordem a um olhar prospectivo sobre a relação entre as unidades regionais arquitectadas e a sua real capacidade para lograr os objectivos de desenvolvimento.
Por não acreditar nas virtudes do modelo região-ilha é que defendo, como sempre o fiz, que a solução mais aconselhável, por mais consistente e até mais económica, é o agrupamento de ilhas afins. Várias hipóteses de associação são possíveis, mas há uma que desde logo parece óbvia e natural. É uma Região Noroeste, integrando Santo
Antão, São Vicente, Santa Luzia e São Nicolau. Com o mesmo critério se conceberá uma Região Leste (Sal, Boavista e Maio), uma Região de Santiago e uma Região Sudoeste (Fogo e Brava).
A Região Noroeste tem condições singulares para se afirmar no contexto nacional, por dotada de potencialidades naturais e ter o seu polo mais forte na segunda ilha mais importante do país. Do ponto de vista histórico, cultural e sentimental, diria que as três ilhas são irmãs naturais. As suas populações são semelhantes na morfologia étnica, no imaginário e na idiossincrasia, e até mesmo na expressão linguística. Complementando-se, têm condições para potenciar um desenvolvimento integral e comum, reabrindo o caminho para o progresso.
Contudo, há vozes dissonantes ou simplesmente reticentes acerca desta associação, invocando o risco de São Vicente vir a ser uma réplica barlavense de uma Santiago/ Praia centralizadora e concentracionária, pela probabilidade de descurar um desenvolvimento igualitário, focalizando-se mais nos seus próprios problemas. Rejeito essa visão negativista e suspeitosa e a própria história comprova a tese contrária, se a ideia passa por admitir que o objectivo desta colectividade regional será exclusivamente a ilha de S. Vicente. Não há razão para tal receio. Poucos são os naturais de S. Vicente que não tenham uma relação parental com naturais das duas ilhas mais próximas. Na cidade do Mindelo sempre se notabilizaram ilustres intelectuais e figuras públicas que não necessitaram de nascer em S. Vicente para exercer o seu protagonismo cívico, cultural, científico ou político. Seria ocioso citar nomes. A liderança da Região Noroeste pode ser exercida por naturais de qualquer das ilhas, porque elas são a casa comum dos “noroestinos”. Existe efectivamente uma contiguidade histórica e bio-psíquica entre estas ilhas, e isso tem de funcionar como antídoto para os casos isolados de introspecção divisionista ou de nativismo ou egotismo exacerbados. São casos espúrios que não podem toldar a clarividência.
Por condicionamento de espaço, este artigo será concluído proximamente.
(1) Publicado neste jornal em Abril do corrente.
Tomar, Junho de 2017
Adriano Miranda Lima

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Regionalização: E se a Montanha Parir Um Rato!!- 2ª Parte


2ª Parte do artigo de opinião IN ‘Quo Vadis Regionalização de Cabo Verde: PAICV e MPD entendem-se sobre uma Nova Proposta consensual? (Um artigo de opinião)’


Na 1ª parte tinha questionado se a mudança de terminologia (a Regionalização passou a chamar-se SupraMuncipalismo) teria o intuito de criar confusão conceptual, ou mesmo esvaziar o conceito/conteúdo. Como se sabe o Municipalismo é um conceito bem definido, as populações associam-na à existência de câmaras municipais, de cujo funcionamento bem ou mal conhecem.
Segundo defendem os regionalistas, a instalação de uma verdadeira Regionalização corresponderia, em teoria, à uma nova fase de um processo democratização de Cabo Verde, começado em 1992. Corresponderia à instalação, pela primeira vez em 42 anos, de um verdadeiro poder local, já que o poder Municipal redundou em fiasco, devido ao centralismo e ao partidarismo actualmente reinante. Com a Regionalização, trata-se de pôr termo definitivamente ao Centralismo cultural e económico, ao mesmo tempo que se  tenta aproximar as populações, de um arquipélago caracterizado por uma grande dispersão territorial, dos centros de decisão, criando assim uma maior e melhor interacção com um poder local. As populações poderão assim, ver grande parte dos seus problemas locais ou específicos, que anteriormente eram decididos longe, na capital-Praia, serem resolvidos atempadamente e no local das suas residências. Para além disso este processo contribui para a descentralização do país, reduzindo o peso arbitrário da burocracia e do centralismo. E cereja em cima do bolo, a criação de Regiões poderia ser uma excelente ferramenta de alavancagem das economias regionais. A possibilidade de: (1) atrair capital humano e financeiro para regiões (muitas já em processo de desertificação humana ou de competências); (2) de decidir soberanamente sobre os melhores projectos locais; (3) fazer diplomacia regional e parcerias internacionais, nomeadamente com países regionalizados, tais como os da EU ou os EUA (no qual existe uma importante comunidade da ilha da Brava ou do Fogo); (4) de zelar pela preservação e defesa do  património material e imaterial local, ignorados pelo estado dito central. Esta lista não exaustiva, evidência as vantagens de uma verdadeira Regionalização de Cabo Verde.
É claro que sendo a Regionalização um conceito já por si abstracto e complexo, pelo que o uso de demasiados conceitos para a definir, a mudança frequente de linguagem ou de doutrina sobre a matéria, mesmo que seja aparente, podem contribuir para a desinformação e a desmobilização da população, quando se sabe que ela não estão suficientemente informada sobre a questão/problemática em debate, ou quando está, não tem todos elementos necessários para  avaliar o que está em jogo, mesmo que a necessidade de um novo poder local pareça hoje evidente. A Regionalização é daquelas reformas indispensáveis, mas difíceis de explicar.
Voltemos então a o que está em jogo neste artigo.
Com efeito, logo à partida, no Preâmbulo do actual Anteprojecto de Regionalização do MPD/PAICV, a Região é definida do seguinte modo: 
A região é uma autarquia local supramunicipal que tem por território uma ilha. “
O mínimo que se possa dizer é que a actual Proposta não é clara e abre várias interpretações: Municipalismo e/ou Regionalização?
Não tenhamos mais ilusões, para o PAICV e o MPD, a Região não é nada mais nada menos que uma Autarquia, certo Supramunicipal, em outras plavras as regiões são câmaras, logo a Regionalização é municipalista.
 Ora, um bom entendedor não precisa de melhor definição. Voltamos pois ao ponto inicial do impasse no diálogo, agora por provável interposição do PAICV. Recorde-se que logo que espoletou o debate da Regionalização, o PAICV, como partido, posicionou-se contra o conceito de Regionalização, tendo contraposto ou oposto o seu modelo, o SupraMunicipalismo, que segundo eles figurava na actual constituição, e era a máxima concessão que nos era permitida. Assim, vincava a sua opção por um modelo puramente administrativo, negando categoricamente qualquer veleidade política ao processos ao poderes regionais eventualmente a serem instalados. A Região é, pois, para o PAICV, um conceito demasiado revolucionário, ou mesmo subversivo para a sua ideologia centralizadora e conservadora.
 A questão que se coloca agora, num cenário de implementação deste modelo municipalista, é se os supra-municípios funcionarão como câmaras municipais, reforçadas com alguns poderes administrativos, ou se estaremos perante uma mudança substancial do panorama municipal? Como se sabe nenhuma mexida na estrutura do poder autárquico está prevista, o que por si já nos deixa perplexo!
 Ora se for a primeira opção, a do Supramunicipalismo, é minha íntima opinião, que estaremos mesmo longe da meta da Regionalização, e muitos perguntarão se terá valido a pena tanta excitação, para a ‘Montanha Parir Um Rato’. 
 No que me concerne, o conceito do SupraMunicipalismo, que combati logo à partida, não é mais do que o velho, estafado e caduco Municipalismo, agora encapotado em Regionalização, com o intuito de garantir todas as prerrogativas do poder central, esvaziando o conceito original de Regionalização. Ou seja, estaríamos perante uma operação para manter o Centralismo tal como o conhecemos, mantendo poderes locais fracos, com pouca capacidade política e executiva. Isto levaria a concluir que a Regionalização funcionou como tema de campanha e um engodo político. 

A Região tal como concebo e tal como funciona nos países regionalizados (França, Espanha, Suíça, Bélgica, Madeira, Açores, Canárias etc.), não é uma Autarquia e tão-pouco uma Supra-Autarquia. É mais do que isso, é algo abrangente, é um poder com uma natureza diferente do poder municipal/autárquico, mesmo que alguns teoricamente possam assimilar o SupraMunicipalismo à Regionalização. A região é um espaço geográfico abrangente, maior do que uma mera cidade, pode abranger, inclusivamente, várias cidades. Ela é um espaço social, cultural, histórico, económico e político. De resto, muitas regiões francesas ou alemãs têm dimensões superiores a Portugal, logo não são autarquias. É claro que uma Região em Cabo Verde poderá ter um formato SupraMunicipal, no sentido em que pode e deve abarcar sob sua tutela/superintender autarquia(s), por se tratar de um espaço reduzido e sobretudo por haver ilhas unimunicipais, tais como S. Vicente. Mas basta estender o conceito de ilha Região para um mais abrangente, podendo englobando várias ilhas, como muitos defendem, para esta analogia desaparecer. Logo a Região não é, e nunca poderá ser confundida com uma Autarquia.
 De resto, temos insistido na necessidade de uma Reforma do Municipalismo, para que a Regionalização seja bem instalada e sucedida.  É claro que a classe política não está interessada em reformas o Sistema, o que implicaria tocar no negócio do Centralismo e em mexidas na Constituição (que não sejam para salários, regalias e benesses).

 Também desapareceu na actual Proposta outro conceito não menos importante: o Governo Regional.  Era sabido que este termo também fazia mossa aos centralistas, pelo que foi substituído por um termo soft, Comissão Executiva Regional. Não me admira que os membros desta Comissão sejam chamados Comissários do povo:
Artigo 6.º
Órgãos
São órgãos próprios da região administrativa a Assembleia Regional e a Comissão Executiva Regional.
Para além disso, já se sabe que a implementação das Regiões, prometida para finais de 2016 foi adiada para 2020, ao passo, que o iníquo e oportunista Estatuto Especial para a Praia Capital de Cabo Verde, vai a todo o vapor para a aprovação urgente na Assembleia Nacional cabo-verdiana, prevendo a sua entrada em vigor já em Julho de 2017. Convenhamos que seria impossível a partir de uma simples experiência piloto de Regionalização em S. Vicente, limitada no tempo, validar um processo tão complexo e introduzir a Regionalização em 2016. 
O que mais temo, é que este processo de Regionalização, dado o pouco empenho dos poderes, possa ser empurrado com a barriga para as Calendas Gregas, ou que acabe em águas de bacalhau. De resto os sinais do novo poder não atestam nenhuma vontade de corrigir o Centralismo, ao contrário ela volta ao galope com doses superiores comparativamente ao regime anterior. O eventual fiasco da Regionalização corresponderia a uma derrota das aspirações a uma maior democracia local, do qual os principais partidos poderiam não sair incólumes.
Antes de terminar registo com curiosidade o facto que a UCID,   o 3º partido de Cabo Verde, de base regionalista e fortemente ancorado na região Norte, estar fora deste processo de reflexão.

Perante estas constatações, aumentam as dúvidas sobre a seriedade do processo de Regionalização em Cabo Verde. Sou mais um que vai engrossar a lista dos cépticos. 
 Defendo, pois, uma clarificação dos conceitos e da Proposta. É preciso definir bem o que se pretende: o aprofundamento do actual Municipalismo, ou uma ruptura para uma real Regionalização. Caso contrário estaremos mais uma vez perante uma pura operação de mistificação política. Seremos obrigados a concluir que a Regionalização foi uma operação de marketing político para captar votos.
20 de Maio de 2017
José Fortes Lopes
1ª parte- Da socializalização da Proposta de Regionalização do Governo/MPD à socialização do PAICV à Regionalização-

Introdução
Neste artigo, em duas partes, opino sobre o processo de Regionalização de Cabo Verde, de acordo com a última Proposta. Exprimo aqui uma opinião pessoal, que não vincula mais ninguém, apesar de eu pertencer ao Grupo de Reflexão para a Regionalização, mais especificamente, o Grupo de Reflexão da Diáspora.


Como é sabido está em fase de Socialização, desde Janeiro de 2017, a Proposta de Regionalização de Cabo Verde, apresentada ao país pelo governo suportado pelo MPD, e que inclui duas versões em anteprojecto. 

Acontece que neste momento está em cima da mesa uma nova Proposta de Lei de Regionalização, redigida por uma Comissão de trabalhos MPD/PAICV, no seguimento do recem-envolvimento do PAICV no processo de Regionalização, no intuito de se encontrar uma plataforma de entendimentos sobre o modelo consensual para os dois partidos. 

Tudo leva a crer que o PAICV, após intensa pressão interna oriunda de militantes progressistas residentes na Ilha de S. Vicente, tenha resolvido integrar, de bom ou mau grado, a tal Comissão. Com efeito, é na ilha S. Vicente que nasceu a ideia que haveria de espoletar as propostas de Regionalização, é nela que existe um número significativo de militantes activos à causa, e é onde está sediado o Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde, tornado recentemente associação de utilidade pública. 
 
Como é também sabido a Proposta formal de 2016 foi acolhida com bastante agrado por vários sectores. Na altura manifestei o meu regozijo: “O documento é mais abrangente do que esperava, é completo e com algum nível de detalhe, é um anteprojecto de lei, como o seu nome indica, que vem responder ‘à fome existente’ de um governo local para o povo das ilhas, nomeadamente a ilha de S. Vicente...” 

O conteúdo da proposta anterior satisfez-me, assim como os termos e as terminologias usadas. A regionalização foi apresentada como um conceito claro, sem ambiguidades nem ‘arrière-pensée’. Os conceitos de Região ‘tout court’ e de Governo Regional estavam bem definidos. 

Tendo analisado a actual proposta de Regionalização (de Fevereiro de 2017) do MPD/PAICV, constato um recuo do MPD pelos seguinte motivos: houve um esvaziamento das conquistas conceptuais que foram forjadas nos debates da regionalização que se iniciaram em 2010. Desapareceram da presente proposta, os conceitos Região e de Governo Regional.
 
 No texto actual refere-se agora exclusivamente e insistentemente à “Região Administrativa” e ao “Supra Municipalismo”, conceitos que são no mínimo ambíguos quando se quer definir a Regionalização, pelo menos se se tomar à letra os termos. 

Parece ter havido da parte do MPD cedência ao conservadorismo conceptual do PAICV, que defendeu desde sempre, o Supra-Municipalismo, assim como outras variantes ambíguas, tal como a Região-Plano. 

Levando avante a actual Proposta, posso concluir, que ao fim e ao cabo, a ala conservadora do PAICV (da qual excluo os regionalistas mindelenses deste partido) foi a ganhadora da campanha da Regionalização. Tal não surpreende, pois os dois partidos sempre pareceram defender o mesmo centralismo, apesar de nuances, pelo que a actual proposta bem poderia ter sido submetida pelo anterior governo do PAICV, há pelo menos 3 anos. O PAICV conseguiu impor a sua ideologia, o conceito do estado centralizado, a visão jacobina e centralista do poder, que sempre negou a regionalização verdadeira e a descentralização que Cabo Verde bem precisa, com o argumento de que o Estado de Cabo Verde é uno e indivisível. Como se os países que se regionalizaram no passado tivessem desaparecido, quando a regionalização tem sido sempre a opção para os países com características naturais e culturais regionais. De resto, o que mais surpreende é que a regionalização tem-se mostrado uma excelente ferramenta operacional de dinamização económica e cultural, assim como de coesão nacional, para esses estados! Por isso a hostilidade em relação à regionalização de uma certa elite político-intelectual, prende-se com outras razões de ordem ideológicas, entre várias.
 
A questão que se coloca com a mudança de terminologia, é se tal exercício terá um intuito: criar confusão conceptual e a divisão nas hostes regionalistas, ao mesmo tempo que extirpa qualquer veleidade política à regionalização. Pretende-se esvaziar o conceito de Regionalização, como sempre havia sido o intuito do PAICV e de uma elite que faz da persistência do centralismo um seguro de vida? 

Se a Regionalização se concretizar-se, completa-se mais um ciclo do processo democrático que começou em 1992, quando pôs-se fim ao ciclo do regime de Partido Único, não democrático. Todavia não se desmantelou o maior problema que se via Cabo Verde confrontado, o Centralismo, um sistema subrepticiamente criado pelo regime anterior, que é o responsável muitos problemas, tais como o desenvolvimento desequilibrado, assim como múltiplos problemas sociais, ambientais e económicos do Cabo Verde contemporâneo.

Mesmo que o partido eleito em 1992 tenha criado o poder local (autarquias) e tentado algum esboço de Regionalização, já nesta altura o Centralismo estava instalado de pedra e cal no centro do poder, havendo muitos interesses ponderosos instalados, tanto partidários como económicos. Uma forte corrente fundamentalista, ferrenhamente centralista tinha ocupado todas as redes e as rédeas do poder. 

Uma proposta tão ousada e generosa de Descentralização, uma bóia de salvamento de Cabo Verde afogado no mar do Centralismo, só poderia vir da Diáspora desprendida e generosa, daqueles que não estão associados a nenhum interesse ou formas de poder, e que são capazes de perder alguma simpatia de uma certa elite, em troca de uma causa digna e nobre. Foi o que aconteceu em 2010, depois de muita ponderação dos riscos pessoais que uma confrontação ideológica com um regime e um sistema todo-poderoso comportava. Mas quando algo tem que ser feito deve ser feito!! 
Continua em (2ª parte- Regionalização: E se a Montanha Parir Um Rato’)
20 de Maio de 2017

José Fortes Lopes
Quo Vadis Regionalização de Cabo Verde: PAICV e MPD entendem-se sobre uma Nova Proposta consensual? (Um artigo de opinião)

Introdução
Neste artigo, em duas partes, opino sobre o processo de Regionalização de Cabo Verde, de acordo com a última Proposta. Exprimo aqui uma opinião pessoal, que não vincula mais ninguém, apesar de eu pertencer ao Grupo de Reflexão para a Regionalização, mais especificamente, o Grupo de Reflexão da Diáspora.


É preciso lembrar que a Regionalização está inscrita na realidade cabo-verdiana. Com os descobrimentos os navegadores portugueses dividiram o arquipélago em duas regiões naturais: as ilhas de Barlavento, ou ilhas de onde sopra o vento e as ilhas de Sotavento, ou ilhas para onde o vento se dirige. Para além de mais, existem regionalismos climáticos no arquipélago de Cabo Verde: ilhas do sul com climas mais tropicais e ilhas do norte mais temperadas, assim com ilhas áridas, com paisagens desérticas. Dentro de uma mesma ilha, pode existir microclimas, áreas onde se cultivam plantas mediterrânicas tais como a vinha (logo produz-se vinho), ou com ‘florestas’ de pinheiro, invulgares para estas latitudes. Se inicialmente a colonização das ilhas deu-se pelo Sul, com as ilhas de Santiago, Fogo e Brava a serem as primeiras povoadas, já as outras ilhas do Norte, que foram povoadas mais mais tarde, tiveram uma evolução sociológica e histórica bem diferente. S. Vicente povoa-se muito recentemente e torna-se o paradigma do novo Cabo Verde, que se abria ao Mundo, graças ao Porto-Grande do Mindelo e aos serviços de apoio à frota britânica, assim como às centrais de telecomunicações intercontinentais instalados na ilha. Em meados do século XIX a ilha torna-se praticamente a nova capital cabo-verdiana que atrai populações de todas as ilhas e do mundo, e distingue-se pelo seu cosmopolitismo. A partir deste novo pólo vai nascer uma forte identidade na região norte do arquipélago, a que se associa Barlavento, uma área de grande dinamismo sociocultural, ao passo que Sotavento, com a pacata capital Praia, estagna-se até 1975, ano em que o PAIGC, novo poder em Cabo Verde, decreta o fim da antiga realidade e o início de uma nova. Traz com ele o conceito centralista de estado-nação de tipo continental, que se opõe à natureza diversa, arquipelágica regional ou regionalizada. Cria-se o novo paradigma de Cabo Verde no qual proíbe-se qualquer alusão ao regionalismo. Os termos geográficos Barlavento e Sotavento são tabus e mesmo banidos dos mapas oficiais. O debate abafado sobre o regionalismo, só reaparece com a democracia e o fim do Regime de Partido Único em 1992. Todavia na altura não havia uma ideia nem um conceito preciso daquilo que podia ser a regionalização. De resto ainda hoje, mesmo nos círculos sociopolíticos os mais eruditos, é confundida com municipalismo. Há mesmo quem nalguns sectores liberais do MPD defenda, erradamente, que o problema da regionalização só surge por razões do mau modelo de desenvolvimento, e que a aplicação em Cabo Verde de uma receita liberal ou neoliberal, acabando de vez com a dependência do Estado, mataria a questão regionalização.
Na realidade, o verdadeiro debate sobre a Regionalização só começa à partir da primeira década de 2000, graças à contribuição determinante de uma certa Diáspora esclarecida e progressista, na qual me inscrevo. Só a partir desta data aparece em cima da mesa conceitos e modelos diversos em debate: o modelo de Ilha Região e vários modelos de agrupamento de ilhas, até mesmo a ideia de transformar Cabo Verde numa federação de ilhas ou regiões soberanas. Em todo os casos ressurgem as duas regiões naturais no arquipélago: Barlavento e Sotavento, havendo mesmo quem defenda uma 3ª região, a região Centro, que deveria incluir as ilhas turísticas integradas, Sal e Boavista, portanto com uma forte identidade económica.
Continua em (1ª parte- Da socializalização da Proposta de Regionalização do Governo/MPD à socialização do PAICV à Regionalização)
20 de Maio de 2017

José Fortes Lopes