Por que algumas nações são tão ricas e outras tão pobres?
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Continuo com o
historiador David Landes e o pensamento no meu país, Cabo Verde, pretendendo
dar algum contributo para o arredondamento de algumas arestas no nosso
desenvolvimento, focalizando as condições mais importantes e decisivas que
contribuíram, positiva ou negativamente, para o progresso de vários países.
Devo ser congenitamente optimista porque se tivesse de passar por aquisição –
optimismo adquirido – seria, seguramente, pessimista pelas venalidades e
safadezas que tive conhecimento na minha vida ou por que passei. Neste mundo,
os optimistas vencem, não porque estejam sempre certos, mas porque são positivos;
o pessimismo só pode oferecer a consolação vazia de estar certo. Cultivo uma fé
céptica, não creio em dogmas, procuro escutar e observar bem, procuro
esclarecer e definir objectivos e vou reunindo os melhores meios para isso.
Talvez tenha sido isso uma das razões dos meus sucessos profissionais e na vida
do dia-a-dia, sem nunca ter desejado nem exigido mais do que merecia, e, quando
acontecia obter mais, o mérito só poderia ser da minha mulher e filhos que
souberam privar-se da minha companhia ou atenção graças a esse sentimento
profundo e dádiva da alma chamados amor.
Bem, entremos
sem mais no assunto do artigo, começando por enumerar algumas constatações e
recomendações antes de encontrar as causas primeiras de certos problemas:
- As
diferenças em termos per capita entre
as nações mais ricas industriais e os mais pobres não industriais é de cerca de
400 para 1. Há 250 anos, era de, provavelmente, de 5 para 1, e entre a Europa e
o Leste ou Sul asiáticos de cerca de 2 para 1;
- Se um país
não consegue ganhar e viver com a exportação de mercadorias, terá de exportar
gente, portanto, parte da sua população;
- Nas terras
de clima quente, as mulheres mourejam nos campos e cuidam dos afazeres
domésticos e os homens entretêm-se em guerras ou na caça, e, nos países
avançados, em cafés, jogo e carros. Nos países tropicais, quentes, o calor não
favorece o trabalho e há mais parasitas e doenças motivadas pelo clima;
- Os climas e
qualidade dos terrenos condicionam o tipo de cultura vegetal e a existência de
florestas e desertos. O respeito pelo meio ambiente, pela mãe natura, é
fundamental. Quando abusamos dela ou a desprezamos, tarde ou cedo ela se
vingará;
- Crescimento
e desenvolvimento requerem iniciativa e esta não é um dado adquirido, não tendo
faltado à Europa medieval atrasada impedimentos para ter iniciativas (religião,
escravatura e subordinação da mulher ao homem);
- A
descentralização administrativa, financeira e política favorece o surgimento de
iniciativas e promove o desenvolvimento;
- A descoberta
e domínio do Novo Mundo pelos europeus não foi um acidente. A Europa detinha
então uma vantagem decisiva no poder de matar e cultura de violência. Os seus
navios podiam levá-los a qualquer lugar do mundo e descarregar as suas armas de
fogo e usar as de aço;
- A revolução
industrial iniciada na Grã-Bretanha no século XVIII funcionou como pivô e exemplo para todo o mundo;
- Por volta do
século XVI, a Holanda era então a sede do progresso agrícola, numa terra que o
homem tinha criado, conquistado ao mar pelo esforço e engenho e que tratava,
portanto, com grande carinho;
- Os governos
devem ter sensibilidade para ouvir e fazer correcções e evitar investimentos
não produtivos ou de alto risco, estabelecendo-se critérios rigorosos de
prioridade;
- O fanatismo
religioso e o cultivo da ignorância promovidos pela Contra-Reforma foram as
principais causas do atraso da Espanha e Portugal;
- Um povo que
depende de estranhos para se alimentar ou vestir, fica sempre sujeito a eles;
- Foi o
sistema americano que fixou normas e padrões de produtividade para o resto do
mundo industrial, não obstante a América do Norte ter sido colónia britânica
durante largos anos.
Ora bem. Estes
pressupostos, condições e realidades que antecedem o desenvolvimento existiram
nos países actualmente ricos ou de boa governação, tendo alguns beneficiado de
explorações condenáveis e condenadas de outros povos pela sua superioridade em
armas e cultura mais diversificada. Não irei falar muito deste último facto,
por já o ter feito bastas vezes noutros escritos publicados. Pretendo
tão-somente realçar certos valores e atitudes de povos que os levaram a entrar
na senda do progresso e desenvolvimento mesmo antes e à custa da exploração de
outros povos.
A Revolução Industrial começou na
Grã-Bretanha no século XVIII porque seguia um código secular de
comportamento de inspiração calvinista, protestante: trabalho perseverante,
honestidade, seriedade, uso controlado de dinheiro e do tempo, favorecimento de
iniciativas, respeito pelas cláusulas dos contratos. Em Passadores de Pau há várias referências ás bem sucedidas políticas
económicas e industriais da China e do Japão fomentadoras dos seus
desenvolvimentos. No século XII, a China possuía o que era provavelmente a mais
sofisticada agricultura do mundo, sendo a Índia a única possível rival. Quando
os britânicos, mais tarde, tentaram vender roupas de lã aos chineses tiveram
insucessos por estes preferirem as suas de algodão e seda, muito mais finas e
requintadas que não irritavam a pele.
As monarquias
europeias, nas suas disputas, deram origem a um fenómeno tipicamente europeu –
a cidade semi-autónoma conhecida sob
o nome de comuna, que tinha uma
função essencialmente económica: essas cidades eram “governos dos mercadores,
pelos mercadores e para os mercadores”, com um excepcional poder civil – a sua
capacidade de conferir posição social e direitos políticos aos seus residentes.
Ao abrigo desse tratamento especial, as cidades tornaram-se pólos de atracção,
lugares de refúgio, centros de trocas com o interior, chamariz para artistas,
homens de ciência e artífices.
Essa liberdade
e locais de refúgio permitiram a acção de inúmeros imigrantes e perseguidos, e,
mais tarde, deram origem à Reforma protestante, poupando a Europa ao controlo
do pensamento que provou ser uma maldição para os árabes que não conheceram nem
a Renascença nem os benefícios da Revolução Francesa, isto é, do Iluminismo.
Uma outra
vantagem da fragmentação dos reinos europeus foi a descentralização da autoridade, do poder, ficando, portanto, a
salvo de serem conquistados de um só golpe ou de seguirem, em bloco, uma
política desastrosa, como aconteceu com a Pérsia, Roma, México (astecas), Peru
e a China, aqui quando o novo imperador (dinastia Ming), estupidamente,
suspendeu o comércio marítimo e mandou destruir os navios e estaleiros fechando
a China sob si própria, numa altura em que graças ao desenvolvimento da sua
agricultura, à sua seda, chá, porcelana, papel, impressão e poderio marítimo
poderia ter enriquecido ainda mais colocando-o no caminho da industrialização,
derrotado as marinhas europeias e dado outro curso à História se/ou quando
chegassem à Europa, porque chegaram à costa oriental da África, não havendo, no
entanto, provas de ter atravessado o Cabo da Boa Esperança.
Por a Europa
estar fragmentada em vários países independentes, é que Cristóvão Colombo teve
êxito na sua quinta tentativa de persuadir um de entre as centenas de príncipes
da Europa a patrocinar a sua viagem.
A Revolução
Cultural da China da década de 60 e 70 é outro exemplo recente de loucura da
centralização e despotismo, quando a decisão de um, ou de uns poucos líderes,
faz parar uma nação e encerrar todos os sistemas escolares do país durante
cinco anos, como aconteceu na China de Mao Zedong (Mao Tzé Tung).
O
desenvolvimento económico da Europa medieval foi promovido por uma sucessão de
inovações e adaptações organizacionais, muitas delas iniciadas de baixo para
cima e difundidas pelo exemplo – o arado com rodas equipado com relha de ferro,
adaptado do velho arado romano de madeira, o moinho de vento e a azenha a
substituírem a força humana e animal a moer grãos, na bombagem de pântanos e polderes (Holanda), elevação da água, e
a constituição de guildas (corporações)
de tecelões. A invenção de lentes e óculos, do relógio mecânico para medir o
tempo, a imprensa, etc., foi decisiva para o progresso europeu.
Quando
estudamos a evolução económica da Inglaterra, Holanda, Espanha e Portugal
damo-nos conta das proezas dos dois últimos, como iniciadores dos
descobrimentos marítimos de novas terras, novas gentes, novas rotas e novas
riquezas de que beneficiaram de modo completamente diferente. Um embaixador
magrebino em Madrid viu claramente, em 1690-91, o processo:[...] “a nação
espanhola possui hoje a maior fortuna e o maior rendimento de todos os países
cristãos. Mas o amor ao luxo e aos confortos da civilização dominou os
Espanhóis, e raramente encontramos alguém dessa nação que se dedique ao
comércio ou viaje para o estrangeiro a fim de comerciar, como fazem outras
nações cristãs, os Holandeses, Ingleses, Franceses, Genoveses e outros
semelhantes. Também, as artes mecânicas e os ofícios manuais praticados pelas classes
mais baixas e pessoas comuns são desprezados por esta nação, que se considera
superior às outras nações cristãs. A maioria dos que praticam essas artes e
ofícios em Espanha são franceses que afluem a Espanha em busca de trabalho […]
e em pouco tempo amealham grandes fortunas”.
A Espanha, em
particular, obteve novas riquezas em bruto e dinheiro para investir ou gastar.
Optou por gastar, em luxo e guerras. O dinheiro fácil é mau tanto para as
pessoas como para os países. A Espanha entrou depois em longo declínio, depois
de ter completado o saque da América Latina em meados do século XVII. O mesmo
aconteceu com Portugal que não soube tirar o melhor proveito das especiarias do
Oriente, do outro do Brasil e inúmeras riquezas da África.
“As nações do
norte da Europa prosperaram com os descobrimentos. Pescaram e extraíram e
refinaram óleo de baleia, cultivaram, compraram e revenderam cereais, teceram
tecidos, fundiram e forjaram ferro, cortaram madeiras de todos os tipos e
exploraram minas de carvão. Conquistaram impérios, felizmente não prenhes de
ouro e prata como os da América Latina. Saquearam e pilharam quando a
oportunidade se lhes oferecia; não obstante, baseando-se muito mais na
exploração de culturas renováveis e em indústrias com garantias de continuidade
(inclusive a indústria e comércio de escravos, mas esta foi um aspecto altamente
negativo e desumano), construíram com base no trabalho”.
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Como referimos
noutro artigo, funcionou neles a ética calvinista bem descrita por Max Weber, a
qual, além de outras virtudes, pôs ênfase sobre a instrução e a cultura, igualmente
para rapazes e raparigas, com motivações que pouco têm a ver com a lógica do
mercado livre: não obtenção da satisfação imediata, trabalho duro e noção de
dever e confiança familiar.
A
superioridade tecnológica inicial da Grã Bretanha em áreas fundamentais
(culturas locais de lúpulo para cerveja, gado ovino seleccionado para lã, gado
vacum, especialidades regionais – artigos metálicos, tecidos de lã e algodão,
cerâmica, cada uma delas em certas cidades, um perfeito sistema de divisão de
trabalho) e da Holanda, foi uma façanha em si mesma – não uma dádiva divina,
não um acontecimento acidental, mas o resultado de trabalho duro, talento,
imaginação e espírito de iniciativa de trabalhadores e gestores
Chauvinistas poderiam afirmar serem sociedades
melhores e superiores, o que não existe, mas antes sociedades mais capacitadas
para produzir bens e serviços para o crescimento e desenvolvimento. Sociedades
que sabem como utilizar, administrar e construir os instrumentos de produção e
como criar, adaptar e dominar novas técnicas, sociedades capazes de transmitir
esses conhecimentos e know-how aos
jovens por educação formal ou por treino de formação, e também capazes de
escolher para preencher funções pessoas por competência e mérito relativo,
sociedades que estimulam a iniciativa, a competição, a emulação e permitem às
pessoas desfrutar dos resultados do seu trabalho e iniciativas, o que pressupõe
garantias dos direitos de propriedade privada, da liberdade pessoal e o
respeito rigoroso dos direitos de contrato, explícitos e implícitos. No nosso
artigo sobre sociedade civil falámos um pouco disso, das virtudes do capital
social, que sensibilizam os governos para ouvir queixas e fazer correcções.
O
desenvolvimento industrial tardio da Espanha, Portugal e Itália deveu-se à
intolerância religiosa e intelectual e à instabilidade política que permitiram
a persistência da ignorância facilitada pela Contra-Reforma, como vimos atrás,
a tal ponto que, por exemplo, por volta de 1900, apenas 3% da população da Grã
Bretanha eram analfabetos, enquanto 48% na Itália, 56% em Espanha e 78% em
Portugal.
O
desenvolvimento dos EUA e do Canadá deu-se relativamente cedo por a terra dar
pouco rendimento na cultura de cereais (antes da introdução da mecanização) e a
propriedade estar subdividida em parcelas garantindo simplesmente a
subsistência das famílias. Os salários a pagar aos trabalhadores rurais era
elevado e isso aumentou o estímulo para substituir o trabalho por capital, os
homens por máquinas, o que não foi difícil dada a cultura e experiência dos
imigrantes europeus, muitos deles perseguidos na Europa pelas suas ideias
políticas e credos religiosos.
A produção de
ferro teve início por volta de 1640 (Massachusetts). Como a metalurgia
americana marchava de vento em popa e os colonos já dispensavam a importação
que antes faziam, a Grã-Bretanha proibiu a manufactura colonial. Isso revoltou
os colonos que se aperceberam da injustiça, do seu estatuto de dependentes e a
importância da autonomia económica. Todavia, a metalurgia americana já estava
tão desenvolvida, inclusive nas armas de fogo, que, até os próprios ingleses
tiveram de enviar o seu pessoal à América do Norte para estudar e aprender os
métodos americanos de fabrico de armas, quando quiseram produzir armas de fogo
de melhor qualidade e mais baratas. A América do Norte conquistou a
independência em 1776, data da publicação da obra fundamental de Adam Smith, “Da Riqueza das Nações”. Transformou-se
na terra encantada da mecânica, agricultura e indústria. Como sabemos, a
população indígena índia foi praticamente erradicada – os filmes de cow boys da nossa infância e juventude
lembram-nos as barbaridades dos invasores para poder dar lugar aos
recém-chegados ávidos de terras boas para a agricultura e criação de gado.
Como os índios
eram poucos e relutantes ao tipo de trabalho dos colonos que lhes tinham
arrebatado as melhores terras, foram trazidos negros da África, até à
eliminação da escravatura em 1807, mas esta é outra história, por sinal
bastante vergonhosa e ignominiosa, porque não obstante o fim do tráfico de
escravos, os negros continuaram a ter tratamento injusto e criminoso até muito
recentemente, não obstante o seu valioso contributo em vários domínios de
actividades no engrandecimento dos EUA.
Em 1870, os
EUA já tinham a maior economia mundial e em 1913, a produção era duas
vezes e meia superior à da Grã-Bretanha ou da Alemanha, quatro vezes a da
França. A vida inicial, de trabalho e sacrifícios, deu lugar a um tipo
invejável de vida até para pessoas comuns, as quais poderiam aspirar também à
posse de bens dos ricos – relógios, bicicletas, telefones, rádios, máquinas
domésticas, automóveis, etc.
Que
lições tirar de tudo quanto venho escrevendo?
A primeira
lição a tirar é a necessidade de continuar sempre tentando progredir,
trabalhando e combatendo a corrupção. Nada de milagres, nem de apocalipses.
Cultivar a fé céptica, evitar dogmas, sejam religiosos ou políticos, ouvir e
observar bem, procurar esclarecer e definir objectivos, metas que sejam as
melhores e exequíveis, e que sejam os mais qualificados e competentes a
escolher os meios e a dirigir.
Trocados por
miúdos, diríamos: o melhor remédio contra a pobreza vem de dentro. A ajuda
externa pode ser útil mas temporária até se criarem estruturas produtivas para
o desenvolvimento endógeno, isto é, que parta de dentro, com o nosso esforço e
trabalho, mesmo que tenhamos de importar matérias primas e transformá-las entre
nós, como fez e faz o Japão, também carente de recursos naturais como o carvão,
petróleo, minério, etc., e outras nações do Sudeste Asiático. O que realmente compensa,
e é eficaz, é o trabalho, a parcimónia, a honestidade, a paciência, a perseverança
e o espírito de iniciativa.
O caminho da
riqueza não deve nem pode passar pelo suborno e desgoverno mas pelo trabalho
honesto e aturado como vimos pelos exemplos citados. O compromisso deve estar
mais com o trabalho do que com a riqueza, como fizeram países que progrediram.
Antes da Revolução
Industrial, a China, a Índia e os Árabes estavam muito mais adiantados do que
os europeus, tanto na agricultura como na economia. Os povos astecas e incas
tinham uma civilização e cultura superiores às dos europeus, mas a revolução
industrial começou na Europa e não na China, Índia ou América Latina, dada a
diversidade de experiência, a descentralização do poder e a libertação da canga
negativa da religião de que beneficiaram os europeus. Tudo isso lhes conferiu até
uma enorme superioridade na capacidade de matar que os outros não dispunham,
permitindo-lhes dominá-los, explorar as suas riquezas e beneficiar do seu
trabalho escravo.
Pelo que venho
escrevendo e dizendo há um rol de anos, constatamos que “todos os males que afligiram a América Latina e o Médio Oriente são
exponencialmente agravados na África Subsariana: má governação, soberania
não preparada, tecnologia atrasada, educação inadequada ou quase inexistente,
mau clima, saúde precária e desleixada, assessoria incompetente (quando não
desonesta), pobreza, fome, corrupção, superpopulação nalguns países, enfim, uma
praga de pragas”. Actualmente, 22 dos 25 países mais pobres do mundo estão em
África e 54 % dos africanos vivem abaixo da linha de pobreza estabelecida pelas
Nações Unidas. Para mais pormenores sobre as desgraças africanas ler Será que a África sairá da letargia? em Passadores de Pau.
Cabo Verde atingiu a independência em 1975,
e, de país subdesenvolvido, pobre, sem recursos naturais e sem infrastruturas
de real interesse deixadas pelo colonizador que garantissem um desenvolvimento
endógeno, graças a uma política adequada de nacionalismo não chauvinista, boa
governação, honestidade, corrupção praticamente nula nos primeiros anos -
embora já se perceba que assoma a cabeça, porque a mãe da corrupção é a impunidade dos corruptos e do enriquecimento
ilícito de gente que ganha meia dúzia de patacos e vive agora,
ostensivamente, como milionários sem terem herdado nada nem ganho a lotaria, já
que a nossa justiça é de uma morosidade irritante, portanto, ineficaz (conhece
algum corrupto de casa julgado e na cadeia?) -, dizia eu que progredimos graças
também à remessa ininterrupta de divisas enviadas pelos nossos emigrantes e
apoio internacional constante dado o seu bom uso, até ascender ao patamar de
país de desenvolvimento médio em cerca de trinta anos, que outros países
regurgitando riquezas naturais e ajudas internacionais não atingiram porque as
suas riquezas e ajudas foram enriquecer governantes sem carisma nem carácter,
muitos escolhidos pela antiga metrópole, corruptos, cleptocratas e investidores
das ex potências coloniais.
Dizemos não
ter recursos naturais, mas deveríamos esclarecer acrescentando, vendáveis ou
exploráveis no imediato e sem grande esforço, dado que eles existem, rentáveis
e exploráveis, mas com trabalho ao cabo de algum tempo: o mar que nos rodeia
que pode fornecer-nos mais peixe, mariscos e energia, praias e areia para o
turismo; o sol durante todo o ano, que pode fornecer-nos energia solar e atrair
turistas para as praias; clima ameno na maior parte do tempo com locais
aprazíveis de micro-clima; vento e brisa constantes do nordeste para a energia
eólica; baías e excelentes portos para a navegação; aeroportos internacionais
necessitando, no entanto, de eliminação dos monopólios da TACV e TAP (para
quando o falado open sky?) que têm
estado a praticar preços exorbitantes, dos mais elevados do mundo, o que torna
intrigantes as dificuldades financeiras da nossa companhia aérea; uma posição
geo-estratégica que bem explorada permitiria a nossa transformação numa
plataforma atlântica como entreposto comercial e de intercomunicação de três
continentes, e … j´en passe, além do
homem e mulher Cabo-Verdianos que sentem, amam a sua pátria e se empenham no
seu desenvolvimento. A segurança relativa, também, embora esteja sendo
desbaratada por populismo que reconhece direitos a bandidos reincidentes de
actos anti-sociais e económicos tratados com morabeza (populismo de bondade desarmada que é uma forma de
suicídio, como afirmou Saramago, infelizmente homicídio neste caso, porque quem
sofre são os outros, os cidadãos inocentes), em vez de se aplicar a lei na sua
dureza e imparcialidade.
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Todavia, não é
dos triunfos nacionais que pretendo falar mas tão-somente dos modos como se pode chegar a um
desenvolvimento sustentável e das correcções necessárias a introduzir para se
evitar a institucionalização da corrupção como aconteceu noutros países
irmãos, pois é sempre possível descobrir algumas rugas feias na face limpa da
obra magnífica e exemplar do desenvolvimento de Cabo Verde.
Temos de nos
empenhar a sério em não nos contentarmos em só ter corrupção não
institucionalizada como muitos vizinhos, para não nos acontecer como ao Burkina
Faso que, de país dos homens íntegros
do tempo de Sankara, foi colocada no rol dos corruptos pela ONG Transparency International.
Resguardemo-nos da tentação de ganhar dinheiro aceitando ser lavandaria das
sujidades argênticas de outrem.
Sem dúvida que
avançámos relativamente bem respeitando muitos dos pressupostos enumerados
atrás, mas poderíamos ter obtido maiores sucessos se tivéssemos cultivado mais
uma ética de trabalho aturado e a dar prioridade à criação da capacidade
produtiva valorizando as iniciativas produtivas com melhor aproveitamento das
ajudas internacionais e remessas de emigrantes, porque o Cabo-Vrdiano tem
qualidades de trabalho e de iniciativas que provou noutras terras. Na sua terra
necessitaria de mais apoios, compensações e estímulos para produzir mais e
melhor e, sobretudo, menos empecilhos burocráticos, autênticos cancros com
imensas metástases que inquinam toda a nossa função pública, que só provocam
desânimo naqueles que querem investir e colaborar, e dividendos nos bolsos dos que
os criam. Não podemos levar a vida a importar tudo, produzindo o mínimo, até
porque já houve tempo em que produzíamos, mesmo artesanalmente, mais do que
agora. A nossa burguesia endinheirada não é grande mas existe com certo peso. Infelizmente,
pouquíssimos capitalistas e empresários se aventuram a investir na indústria,
preferindo importar com lucros garantidos e sem riscos. Creio que compete ao
Estado criar condições e condicionalismos de modo a incentivar o investimento
nacional na indústria e noutras actividades produtivas, concedendo benesses e
garantias durante um certo lapso de tempo aos investidores, sobretudo nacionais.
A OMC não teria argumentos válidos para criticar a eventual protecção que pudéssemos
atribuir aos nossos produtos industriais – até porque existe cláusula nas
regras da OMC e ela concedeu-nos uma moratória de dez anos para cumprirmos todas
as suas regras, numa modalidade de descriminação positiva. Outrossim, a OMC
ainda não conseguiu meter na ordem os países altamente industrializados que
concedem subsídios fabulosos aos seus camponeses para produzirem cereais que
vão fazer concorrência fraudulenta às produções não subsidiadas dos países
subdesenvolvidos, inviabilizando até o desenvolvimento da agricultura destes
países, e levantando mil e um obstáculos às nossas exportações. Não há que ser
mais papista do que o próprio Papa, dado que essas agências das Nações Unidas
falham bastas vezes: para o FMI, por exemplo, a Argentina, a Irlanda e a
Islândia eram exemplares e cumpriam rigorosamente as suas recomendações, mas
deram com os burrinhos em água, falidas de um momento para o outro. Ou há
moralidade, ou comem todos, não somente os gordos, que bem poderiam fazer uma
dietazita.
Quando era
criança, tanto na Djarfogo, como na Djabraba e Patchelândia, lembro-me de que
se fazia presunto, linguiças, havia banha de porco por ainda não existirem os
tão famosos óleos vegetais (muitos tão “vegetais” como a banha de porco, devido
à ganância dos produtores e inoperância da fiscalização), compotas caseiras
guardadas em frascos de conservas mercanos,
que duravam largo tempo, fazia-se pão em casa, fruta cristalizada, mel de cana
que substituía o açúcar na falta deste, quando hoje se faz grog de açúcar com
elevados riscos para a saúde pública na maior impunidade – até Soncente já
produz grog sem ter cultura de cana sacarina!...-, temos produtos (restos de
espinhas, cabeças e ovas de peixes secos de fábricas de conserva) que poderiam
ser aproveitados na totalidade no fabrico de adubos e rações para animais, que
são desperdiçadas ou mal aproveitadas, além de outras possibilidade
negligenciadas, e não sei que mais, mas agora prefere-se importar tudo, até
milho cochido para catchupa. Desafore! Diria o nosso grande filósofo do povo Djunga Fotógrafo.
Havia também águas minero-medicinais, uma engarrafada, de Santo Antão, e outra
que ia da Brava à Praia e S. Vicente para os bravenses aí residentes (água do
Vinagre – bicarbonatada fluoretada gasosa – semelhante à do Gerês).
Houve uma
altura em que com a empresa Scapa se
tinha peixe seco de boa qualidade, e a Justino
Lopes, em Pedra
Badejo, nos fornecia linguiças, chouriços, salpicões e até
presunto de excelente qualidade mas que deram em pantanas, faliram. Porquê? Não
se poderia tirar conclusões construtivas desses falhanços? Creio que sim, se
não se tiver medo de divulgar a verdade das falências. Certamente que a verdade
dói mas cura e evita repetição dos mesmos erros.
Actualmente e
de data recente, existe a água de mesa da Trindade
e uma outra de S.Antão denominada Rotcha,
que deixou de existir, por parecer rocha moída engarrafada, pela sua dureza por
ser de furo, quando Santo Antão esguicha água de nascente por várias ribeiras.
Houve até proposta de amigo com numerário, gestor emigrante de sucesso (Edgar
Pires Ferreira), de água de nascente, que foi chumbada em benefício da Rotcha, sem que a gente tivesse
entendido as razões. Diazá na munde, desde
o tempo colonial, que defendo as nossas águas minero-medicinais e de mesa, ma ninguém cdenher ta cdi. A água do
Torno de S. Nicolau é excelente – semelhante à do Luso –, a do Vinagre,
excepcional por conter flúor na sua composição e ser naturalmente gaseificada,
as de Santo Antão, também excelentes, bicarbonatadas sódicas, e Santiago deve
ter nascentes exploráveis além da Trindade. Mas, não, os nossos empresários e operadores
económicos preferem importá-las de Portugal e França esbanjando divisas que
poderiam ser para outras actividades de desenvolvimento endógeno e até exportar
o excedente para países irmãos africanos. Não seria possível o Estado
entalar esses nossos operadores económicos (puxando pelos seus brios
nacionalistas, se ainda os tiverem) interditando a importação de produtos que
produzimos ou temos capacidade de produzir, atribuindo-lhes a responsabilidade da
ausência dos produtos no mercado, a fim de os obrigar a investir na sua
produção local? Temos empresários que se formaram por si, bem sucedidos no
negócio, mas a grande maioria não possui nenhuma qualificação e pode, devido a
essa falha, cometer erros graves sem se aperceberem disso, por desconhecerem os
segredos e técnicas do empresariado moderno, da gestão, do marketing. Há, portanto,
necessidade de criar condições e estímulos para essa formação.
Será
necessário revitalizar actividades produtivas que deram provas no passado e só
falharam depois por ganância ou porque se encunhou gente amiga a mais nas
empresas estatais ou mistas onde, infelizmente, não se cura da eficiência.
Que se vejam
concretizadas as promessas de
investimentos maciços em energias renováveis (eólicas, solar, marítima) de
que tanto se fala há largos anos, mas pouco se fez, por ser investimento de
futuro altamente rentável a médio e longo prazos, facilitadores de instalação
de outros investimentos industriais; que se empenhe a sério a apetrechar o
Porto Grande de S. Vicente de meios que lhe permitam valorizar a sua posição
estratégica transformando-o num interposto comercial e plataforma de
comunicação entre a América Latina, Europa, África e Estados Unidos, o que iria
redimir vários governos do pecado de quase exclusão de S. Vicente da lista de
desenvolvimento, de que só tem tido terminações, ficando as taludas em Santiago.
Que se alivie
a Praia do peso paquidérmico e do engarrafamento de alguns ministérios,
secretarias de Estado, serviços, sedes de empresas, fundações, embaixadas e
consulados, agências das Nações Unidas e instituições diversas que bem poderiam
localizar-se noutras ilhas com economia para o erário público e maior
eficiência no trabalho, dadas as facilidades actuais de comunicação.
Desenvolvimento da pesca em moldes modernos inspirando-se nas experiências e
apoios da Islândia, Japão e Coreia do Sul.
Que o compromisso governamental de construção de
represas, diques, cisternas gigantes e intensificação da arborização (as
Canárias fizeram isso na década de trinta/quarenta do século passado) seja
vinculativo e não mera promessa de propaganda eleitoral, porque tais
investimentos iriam garantir existência de lagos e lagoas permanentes no
interior das ilhas, menor erosão do terreno, permitindo a extensão de regadios
e o interesse das populações pela agricultura e pecuária e, até, muito
provavelmente, o regresso ao campo daqueles que migraram para as cidades em
busca de melhores condições de trabalho e remuneração.
Intensificar e privilegiar a cooperação com
a China e a Índia. A China, com que temos uma cooperação a todos os títulos
louvável, está a deslocalizar algumas indústrias para o Norte de África. Há,
actualmente, na zona franca de Port Said (Egipto) cerca de 953 empresas
chinesas de têxtil, automóvel, informática, etc., que empregam milhares de
operários egípcios.
Um dos vícios
herdados de Portugal, além do major -
culto da burocracia -, é falarmos de mais e fazermos pouco, mormente os
governantes. Já dizia o filósofo grego Diógenes – século III a.C. - que temos
uma só língua, dois ouvidos, dois olhos e dois membros superiores para que
possamos escutar e observar muito, falar pouco e fazer algo, o que desconhece
muito boa gente. Há uma profusão de work
shops, seminários, ateliers, fóruns, simpósios e quejandos mais para show off de certos palradores
profissionais do que de interesse real aplicável porque raramente se aplicam as
recomendações e conclusões. Fica-se com a impressão de que certos ministérios
não têm outras actividades… Perde-se muito tempo com discussões de banalidades,
estéreis (até na Assembleia Nacional) na feitura de leis teoricamente perfeitas
mas que não se aplicam por falta de meios para a sua regulamentação, de vontade
política, bastas vezes tão complicadas que permitem todos os malabarismos de
juristas para as anular ou diminuir a eficácia. Os Portugueses e Cabo-Verdianos
parecem, como dizia o mestre Baltazar Lopes da Silva referindo-se aos Santantonenses,
que já nascem enrolados em papel selado, tal o gosto por demandas judiciais. O
de que o país necessita é de leis mais simples e de fácil interpretação, à moda
inglesa, e revogação das que nunca puderam ser aplicadas ou jamais
regulamentadas. Há um mar de litígios que poderiam ser resolvidos a nível da
polícia, em vez de entupirem tribunais. Na África do Sul, por exemplo, quando
algum inquilino passa dois meses sem pagar renda, é a polícia que resolve o
caso. Eu, por exemplo, para ser indemnizado por danos causados no meu veículo,
tive de esperar quinze anos, tendo tido necessidade de movimentar conhecimentos
a nível de amigos e da justiça, porque se assim não fosse ainda estaria à espera
…
Compromissos governamentais, muitas vezes
não vinculativos, significam que tudo irá ficar como antes. A tendência
negativista da oposição – quando devia combater com ideias e projectos – também
não ajuda a fazer progredir o que interessa à generalidade da população. Isso
tudo criou a desconfiança que se instalou entre nós, agravada pela falta de
assunção de responsabilidades de alguns executantes da governação, que funciona
ao ralenti ou leva tanto tempo a produzir resultados, que se entrou num círculo
vicioso de forças, como diria o amigo, filósofo e comentador político José
Mendes Gil: desconfiança quase paranóica, insegurança, fragilidade, medo e
falta de iniciativa.
Bem, presumo
que de tudo quanto acabo de vos apresentar ao longo desta série desta linhas,
algo se poderá colher de interesse para o país. Não podemos nem devemos meter
todos os ovos no mesmo cesto do turismo, porque com este ganham muitíssimo mais
as empresas estrangeiras, alguns satélites indígenas, e bem pouco o Estado e os
criados (empregados) de que necessitam aqueles para garantir a sabura de turistas, vindos arrebanhados
para os hotéis de luxo, quase não saindo daí com receio do indígena, a não ser
para os mergulhos e exposições ao sol nas praias, e tendo pago tudo no país de
origem.
Parede, Janeiro de 2010 Arsénio
Fermino de Pina
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)