domingo, 30 de novembro de 2014

Estado da Informação em Cabo Verde: Por Uma Informação Livre dos poderes e Apartidária

Não é novidade para ninguém que a informação em Cabo Verde anda condicionada (através da Censura e da Auto- Censura ) por todos os poderes que atravessam a sociedade cabo-verdiana, a debater com uma autêntica camisa de forças que é o centralismo paranoico. Dois factores conjugam para esta situação grave e que se agrava dia para dia devido às vicissitudes da própria economia cabo-verdiana, na prática estatizada, sem um sector privado minimamente expressivo: o partidarismo e o centralismo. Depois de se zangarem as comadres no seio do partido único que centralizava toda informação, gerando duas famílias distintas, a de Caim e a de Abel, ela (a actual informação) que reflecte  um país dividido, dicótomo, passou a estar dividida em dois campos, não restando espaço para o cidadão ter outra informação independente, fora do terreno minado, filtrado, bi-partidarizado, de modo a  fazer a sua própria opinião. O cidadão cabo-verdiano há 40 anos que vem sendo domesticado, desinformado, uma situação que gerou a acriticidade, a passividade social e a manipulação de consciências. Hoje em dia tudo o que sai para fora do Sistema, ou é anti-séptico para o Sistema, ou senão tem que ter a aprovação tácita do Sistema. Tudo o que ficar no meio não tem chances. E é a situação do regionalismo, uma corrente de opinião que apanhou os partidos e o Establishment de surpresa, e que eles não têm podido domesticar, levando a que ela viva do ponto de vista oficial e da informação nos medias oficias, dominados desde a Praia e controlados por sistema politico-económico, numa situação de semi-clandestinida ou ostracização. Tudo isto vem a propósito de dois eventos que quase passaram sob silêncio, não fora o espaço de liberdade que representa os blogues e o facebook. Estou-me a referir à Reacção do Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) e do Grupo de Reflexão da Diáspora acerca do Debate relativo à Regionalização de 02 e 03 de Dezembro de 2014 que foi boicotada na imprensa centralista e partidarizada. O comunicado foi distribuído na 3ª Feira passada e até hoje nenhuma referência em nenhum jornal cabo-verdiano. Por outro lado um evento que não devia ter passado desapercebido, a ida do Grupo de Reflexão da Diáspora para Roterdão no fim do mês de Outubro, um evento de importância na Diáspora e na Emigração, que associou quase uma centena de pessoas. Foi lançado o Livro os Caminhos da Regionalização, houve um Debate bastante participativo. Houve cobertura de duas Rádios da comunidade de Roterdão. Aparentemente o assunto não tinha importância para Cabo Verde, quando se estava a debater precisamente o futuro de Cabo Verde na Diáspora, A Regionalização, que de resto vai sê-lo na Cimeira de 02 e 03 de Dezembro de 2014 na Praia. Bolas e a quantidade de faits-divers que se publica nos jornais, e não há espaço para uma notícia destas?! Na realidade o tema e o ‘franc-parler’ das pessoas  incomodou e incomoda o sistema e o Establishment.

Isto tudo leva a questionar sobre a sanidade do país, quem anda por detrás e a auto-censura devido aos papões partidários que supervisionam tudo. Não tenhamos dúvida embora acontecer a Cimeira de 2 a 3 de Dezembro, ainda neste preciso momento, é politicamente incorrecto falar de Regionalização, a não ser a música que a Praia e os dois partidos gostam de ouvir, e é o que vamos ter a partir de amanhã. Chamo aqui a capítulo os jornalistas cabo-verdianos a propósito do estado de indigência em que se encontra a liberdade da informação e os direitos e o papel do jornalismo independente!!!

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Crónicas dos Últimos dias de um Verão Quente de 1974  

Estas Crónicas revelam factos dos Últimos dias de um Verão Quente de 1974 que passaram para o lixo da História, pelo seu grau de inconveniência, não merecendo ser lembrados pela imprensa cabo-verdiana e pela actual elite dominante.  O “fait-divers” desvia a atenção dos problemas críticos do país, enquanto o passado que importa evocar é o que enaltece o partido do poder. Hoje, em Cabo Verde, é politicamente incorrecto noticiar factos que incomodam o Establishment ou trazer de volta o que o passado tem de embaraçoso.
Falar dos porões cantando (poema de Ovídio Martins) que levavam os contratados para S. Tomé, abandonados pelo PAIGC à sua sorte é ‘démodé’. Esses contratados que eram usados como arma de denúncia contra o poder colonial por um partido que prometia, na sua propaganda de 1974, (panfletos quotidianos distribuídos pela cidade, comícios, saraus) livrá-los do degredo, desde que lhe fosse entregue de bandeja o poder, foram transformados num ápice, no dia 5 de Julho, em apátridas, proscritos por toda a gente (Portugal, S. Tomé e Cabo Verde) e condenados a morrer no esquecimento. Pois é, olhando par trás S. Tomé funcionou como uma arma de arremesso, uma bandeira revolucionária muito útil na altura, mas já não dá votos nem favorece o acesso ao poder: os desgraçados contratados são os únicos culpados do que lhes acontece e aconteceu, não tinham que se alistar (‘ba dá nom’) para a longa viagem rumo ao ‘Eldorado’ S. Tomé. Nem tão pouco já  interessa a sorte da emigração revolucionária antes tão elogiada pelo papel que teve  na  infiltração do PAICV, nos anos 60, em alguns meios cabo-verdianos de França e Holanda, Suécia etc. À revolta do Mindelo encabeçada pelo Capitão Ambrósio prefere-se hoje o que melhor se encaixa na narrativa da liturgia política dos donos do poder (revolta de Rubon Manel), que assim  reescrevem a História a seu bel-prazer para nela forjarem os fundamentos da sua própria exaltação.   A mitologia revolucionária de Santiago é levada aos píncaros,  e a ilha é ungida  com pretensões a Estado, estatuto só não assumido de todo porque o pudor e a prudência talvez ainda travem os ímpetos mais afoitos.
Em suma, factos embaraçosos para o actual sistema são sistematicamente esquecidos ou silenciados, interessando apenas um enfoque propagandístico: era uma vez um Santiago sofredor por causa dos colonialistas e seus lacaios cabo-verdianos mas que agora se ergue orgulhosamente graças ao despertar dos seus filhos.
Então, vamos contar um facto que vai embaraçar muito o PAIGC e os partidos que a partir dele nasceram.
Se a minha memória não me falha, eram cerca das 9 horas de uma noite tépida de um dia do mês de Novembro de 1974 quando um evento extraordinário ia acontecer no centro da cidade do Mindelo e que, para o bem e para o mal, iria moldar os destinos desta ilha e de todo o território. A magnitude deste ‘sismo’ com epicentro em S. Vicente e que abalou Cabo Verde está na proporção directa da importância da ilha no quadro do arquipélago até 1974. É preciso recordar que quando S. Vicente espirrava Cabo Verde adoecia.
Algo estava em situação larvar  na cidade do Mindelo, desde o dia 26 de Abril, quando um grupo de alunos mais avançados do Liceu Gil Eanes (que constituíam jovens irreverentes, instantaneamente promovidos a revolucionários, pois já iniciados na oposição, alguns próximos do PAIGC e outros dissidentes do poder então vigente, ou seja, o chamado poder colonial) resolveram ‘dar o corpo ao manifesto’ e começaram a convocar comícios e a reunir-se no pátio do estabelecimento do Liceu Gil Eanes, interrompendo aulas em pleno período lectivo, para proclamar o apoio incondicional ao MFA e explicar aos mais novos o que se estava a passar. O 25 de Abril funcionou em Portugal, assim como em todos os antigos territórios ultramarinos portugueses, vulgo colónias, como uma autêntica válvula de escape, dando novas perspectivas a toda uma juventude com sede de liberdade e de sonhos, permitindo instantaneamente escapar à compressão social criada por um Estado Novo que durava 50 anos. Estava a ocorrer em MIndelo um autêntico Maio de 68, de consequências ainda mais revolucionárias do que o verdadeiro, ou seja, uma mudança total de paradigma social e político auspiciosa para uma aspirante a nação. A elite poderosa caía do cimo do seu pedestal para ouvir a verdade das bocas dos jovens ingénuos e confiantes no futuro: vai haver paraíso aqui nestas terras de S. Vicente e de Cabo Verde!!!
Nesse dia de Novembro ordens foram dadas (por quem? Pela rua?) para se rumar em direcção à mais famosa praça de Cabo Verde, Praça Nova (um sítio onde a juventude e a intelectualidade se deslocavam para discutir e saber das notícias do Mundo, e a população, aos domingos, exibia  as sua melhores roupas), pois um evento especial, excepcional, excitante, ia ali ocorrer, nessa que seria a mais quente noite de Mindelo do fim de um Verão de 1974. Estávamos perante o ponto mais alto, o clímax da efervescência revolucionária, o culminar do Maio 68 mindelense e o início da revolução cultural cabo-verdiana, a tomada do poder, a transferência do poder para o povo mindelense: o poder estava literalmente nas ruas, tudo estava consumado. Durante anos ninguém mais teria rédea neste povo, que se julgava e sentia de repente ‘livre’, liberto de todas as amarras do poder do Estado, e da longa ‘noite colonial’ segundo a narrativa do PAIGC. Tratava-se da Tomada de Assalto da Rádio Barlavento por um grupo de acólitos do PAIGC. Essa rádio era detida pela elite mindelense, pessoas apodadas de colonialistas, reaccionárias, ‘catchor de dos pé’ (um termo inventado pelos jovens) constituída essencialmente por altos funcionários e pessoas ligadas ao meio comercial e industrial do arquipélago. A Rádio Barlavento, assim como a Rádio Clube, era uma rádio privada, que estava ali à mão de semear para alimentar o apetite de todos os que queriam jogar um papel nos destinos de Cabo Verde. Recorde-se que passado pouco tempo depois 25 de Abril abriu-se o  jogo, e essa Rádio voltou ao seu natural, jogando um papel activo de oposição à corrente dominante, ao PAIGC e à independência imediata de Cabo Verde, embora permitindo a propaganda de afectos ao PAIGC. Quem detivesse essa rádio detinha uma alavanca importante do poder em Cabo Verde. O mais picante da história da tomada da rádio é que o golpe foi supervisionado pela representação local do Movimento das Forças Armadas Portuguesas (MFA), que ainda controlavam a situação no terreno, e que foram chamadas para dar caução aos actos de ocupação ilegal, aos desacatos e à intimidação de pessoas, legitimando assim um ‘coup de force’ ilegal. Os dados estavam definitivamente jogados e escreviam-se assim páginas da História de Cabo Verde, provisoriamente o destino desta ilha seria entregue nas mãos de jovens revolucionários que mais tarde o passariam para as de grupos recém-chegados, os de Conacri-Rabat (quadros do PAIGC) e os dos jovens estudantes de Lisboa, apodados de esquerdistas, dois grupos mais experientes e rodados na política, que iriam digladiar entre si ainda por mais 5 anos pelo controle do poder total em Cabo Verde. Este evento marca talvez o início da decadência da ilha, desencadeou uma fuga em massa da classe media alta residente que tentava escapar à revolução e à onda de exações que era fácil prever.  A situação de caos instalada no arquipélago era tal que jovens transformados em milícias populares podiam circular armados e fazer vigilância, criando situações que em muitos casos podiam acabar em terror e excessos cometidos contra quem ousasse ensaiar um discurso discordante com a tendência do momento. Como se sabe, o poder foi, na prática, transferido do MFA para o grupo de Conacri-Rabat, seguido da instauração, por este, do sistema de partido único que durou 15 anos. Este regime, que se legitimava com a narrativa épica da Luta de Libertação, em que os seus protagonistas se consideram os melhores filhos de Cabo Verde, apoderou-se de todas as rédeas do poder, do económico e político à informação, criando um perfeito regime totalitário que privou os cabo-verdianos do exercício das liberdades mais básicas e fundamentais: liberdade de expressão, de opinião o exercício do voto livre, para além de um total condicionamento económico, social e político da população que ainda hoje perdura 40 anos depois do evento. Nunca mais Cabo Verde seria igual: as amarras que o ligavam à potência administrante e colonial foram assim violentamente e definitivamente cortadas.
Novembro continua sendo um mês histórico em Mindelo. Foi em Novembro de 2010 que cidadãos mindelenses resolveram lançar um Movimento para a Regionalização e lançar o seu Manifesto, provando que a ilha ainda não morreu e ainda há moicanos que se dignam lutar por ela e um Cabo Verde melhor. Foi em Mindelo que em Novembro de 2012 se organizou uma palestra aberta ao público sobre a Regionalização e onde a população mostrou a sua adesão a essa reforma. Será de novo este mês que o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) vai comemorar a sua oficialização a uns dias de acontecer a iniciativa governamental da Cimeira relativa à Regionalização de 02 e 03 de Dezembro de 2014, e da qual vai ser excluída assim como a sociedade civil e todos aqueles que contribuíram com as sua ideias e as divulgaram nos meios de comunicação para promover um debate aprofundado da regionalização, excepção, obviamente, do cidadão Onésimo Silveira, convidado pessoalmente como especialista, mas político próximo das esferas do poder.

28 de Novembro de 2014
                                   José Fortes Lopes

PS: Dedico este artigo a todas às vitimas da intolerância do período de 1974 / 1975 em S. Vicente e Cabo Verde e a todos os mindelenses que nunca se vergaram face à opressão e não se calam face às injustiças em troco de benesses e mordomias.

 .
DA VISITA A ROTERDÃO DO MOVIMENTO PRO-REGIONALIZAÇÃO

O maior risco que um cidadão pode correr é não se comprometer com nada, só proferir frases genéricas ou calar-se. Esta a razão por ter optado por ser cidadão interveniente e de alma aberta da sociedade civil. Isso levará o Poder a considerar-me suspeito? Certamente que sim, porque ainda não se descobriu a fórmula de se ser insuspeito e empenhado ao mesmo tempo.
A nossa deslocação a Roterdão – minha, do José Fortes Lopes, Luiz Silva e Filomena Vieira, estes indo de Paris – deveu-se ao convite da nossa gente na Holanda ao ter conhecimento do lançamento do livro, Cabo Verde – Os Caminhos da Regionalização, em Lisboa, Cabo Verde e França.
Fomos recebidos e tratados principescamente, sob a batuta de Pedro Soares (Piduca) e esposa, coordenadores da comissão de recepção e organização do evento. A estadia de três dias foi magistralmente programada e pudemos contactar pessoas e visitar os locais emblemáticos da nossa emigração, incluindo o primeiro hotel cabo-verdiano em Roterdão do lendário Constantino, que acolhia e apoiava os emigrantes recém-chegados. O hotel virou ponto de encontro e convívio de alguns emigrantes, após a venda da sede da Associação Comunitária, cujo produto de venda contribuiu, mais o do antigo consulado e verba do governo, para a aquisição de um moderno edifício que alberga o novo Consulado, também visitado por nós, estando ausente o cônsul. Infelizmente o amplo salão no r/c, que se previa vir a substituir a Associação, raramente funciona, a não ser com artistas de visita e entidades oficiais; as amplas instalações da cave, com capacidade para 400 pessoas, continuam fechadas, quando, com algum investimento por parte da nossa comunidade, que esta aceita e já propôs, poderia ser um local de reunião periódica, permitindo uma melhor articulação entre a nossa comunidade e o Consulado, um tanto amuados nos últimos tempos.
O lançamento de Os Caminhos da Regionalização foi um sucesso que ultrapassou todas as espectativas. Sala, gratuitamente cedida por uma organização holandesa da terceira idade – quando poderia e deveria ser o Consulado a fazê-lo –, cheia, havendo pessoas em pé, no fundo da grande sala. A apresentação do livro, sintética e objectiva, foi feita pela professora Anita Faria. A seguir José Fortes Lopes proferiu algumas considerações sobre o móbil da nossa visita, Luiz Silva e eu próprio tecemos algumas considerações sobre o livro Ês Ca Ta Cdi!, que ofereci ao Movimento (40 exemplares). Tanto o debate como a sessão de autógrafos decorreram com grande participação e interesse da assembleia constituída por elementos de todos os partidos políticos nacionais, na maior harmonia e correcção, onde pudemos esclarecer dúvidas e equívocos e anotar sugestões para desejadas visitas. Posteriormente, fomos entrevistados, a título benévolo, pela Rádio Voz de Cabo Verde, pertencendo ao patrício, da velha guarda de emigrantes, Luís Fortes Lopes (Luís Caratê).
A solidariedade entre os patrícios era (mantendo-se ainda a bom nível) impressionante, bem como a integração na sociedade holandesa, mas sempre ligados à terra natal pela cultura, música, língua, visitas periódicas a Cabo Verde (não obstante os preços proibitivos das passagens aéreas da TACV e TAP) e investimentos, mau grado as dificuldades e incompreensões encontradas na própria pátria, ao nível da alfândega, serviços públicos, câmaras e bancos, de que nem os turistas estrangeiros se queixam. A Avenida da Holanda, no Mindelo, construções nesta cidade e noutras ilhas e o boom da construção civil, desde o início dessa profícua emigração para a Holanda, foram o produto dos investimentos da diáspora, e muito mais teria sido feito se prevalecesse outra prática oficial face aos emigrantes, os quais mereciam e merecem melhor compreensão, simpatia, cooperação, valorização da sua condição de emigrante numa discriminação positiva e mais facilidades na captação das suas economias.
Chegou a haver, na Holanda, 62 associações as mais diversas, bares, restaurantes, doze clubes de futebol e uma federação, estes últimos animados por vários patrícios, destacando-se Pedro Soares. Havia torneios de futebol em que participavam clubes de patrícios vindos da Bélgica e França. A vivência da nossa comunidade, como nos conta Anita Faria, aproveita os mesmos pretextos de Cabo Verde de outrora: casamentos, baptizados, festas nos meses dos Santos Populares, carnaval (em Julho, por causa do frio e chuva), passeios e picnics para outras regiões do país, noitadas com estórias, cachupadas e outros manjares da nossa boa culinária e doçaria, jogos diversos, tudo na maior harmonia e com o orgulho típico de se sentirem cabo-verdianos.
Infelizmente, desapareceram as associações, os bares, restaurantes e os clubes de futebol, e o convívio de outrora vai-se esfumando por falta de local de reunião e certo grau de desinteresse dos jovens da segunda geração, que não empunharam o testemunho dos pais e vão perdendo a ligação com Cabo Verde, integrando-se no ambiente e cultura holandeses dadas as facilidades e solicitações da vida moderna. Pergunta-se: que faz o Consulado para colmatar essas brechas, recriar condições de convívio e de revitalização da cultura e apego da nossa comunidade? Do que fomos informados, quase nada – o mesmo acontecendo noutros países -, quando há espaços e meios para tal e isso dever ser a sua função principal. Mesmo que os meios sejam limitados - temos entre vinte a vinte cinco mil patrícios na Holanda!; se o Consulado se abrisse aos emigrantes, fazendo tábua rasa das preferências ou orientação partidárias dos emigrantes (o que seria boa política por o Consulado não dever preocupar-se com posições partidárias), estes poderiam, perfeitamente, contribuir para o arranjo, por exemplo, da cave do Consulado. Nós convivemos com gente da UCID, MpD, PAICV e independentes sem preconceitos nem atritos, ouvimos e falámos amenamente com todos, ouvindo elogios, críticas e sugestões. Do diálogo é que pode brotar a luz. Outrossim, é bom ter presente que o MpD nasceu do ventre do PAIGC, bem como a UCID, porque no início éramos todos do PAIGC, e foi a riola da unidade Guiné-Cabo Verde, que nunca ninguém conseguiu explicar adequadamente, que agiu como calo encravado em sapato apertado, levando à criação da UCID na diáspora.
Quem quiser entender essa luta e os problemas da emigração, que leia as entrevistas de Luiz Silva (conheci e acompanhei-o, logo após a independência, através da sua persistente luta a favor da emigração no jornal Terra Nova), José Cabral, Felismina Mendes, Onésimo Silveira, Primeiro-Ministro, entre outros, na edição especial, VOZES DAS ILHAS, da Reforma do Estado, excelente iniciativa do governo. Entrevistas muito bem conduzidas por Vicente Lopes - jornalista que contraria a pecha nacional de jornalismo passivo e reverente -, que constituem documentos importantes a ter em conta para a reforma do Estado e a regionalização. Não só ler, reflectir detidamente nas diferentes opiniões de gente simples mas sensata, honesta e experiente da vida, como o agricultor de Santo Antão, e de intelectuais, políticos e artistas com saber de experiência feito.
Os nossos emigrantes, de uma maneira geral, queixam-se da má receptividade e tratamento inadequado a nível de embaixadas e consulados, e nem se dão conta da existência e utilidade do recém-criado Ministério das Comunidades. A meritocracia badalada, jamais praticada, é substituída pelo clientelismo partidário, conforme o partido que ocupa o Governo. Há governantes e funcionários sem terem exercido uma profissão e nunca trabalharam a sério na vida: alguns fizeram carreira nas juventudes partidárias, onde se treinaram a falar sem nada dizer, exceptuando banalidades, meias verdades e algumas mentiras de permeio, partindo, depois de aligeirarem a língua na oratória, para postos de direcção nas autarquias, parlamento, embaixadas e governo, sem sensibilidade social, nem nenhum conhecimento dos problemas reais e dos interesses das populações e dos emigrantes. O desenvolvimento da função pública moderna exige, cada vez mais, um corpo de trabalhadores especializados, preparados para a sua tarefa profissional, constituindo um corpo de funcionários de carreira em oposição a funcionários “políticos”. Os “políticos” poderão ser substituídos, quando se muda o regime, mas não os de carreira que garantirão a continuidade, a eficácia e eficiência da administração.
A entrevista do nosso Primeiro-Ministro em Vozes das Ilhas surpreendeu-me pela positiva, dado que tenta esclarecer várias questões, desfazer equívocos e reconhece ter mudado de opinião nalgumas questões; aponta caminhos, aceita algumas críticas, embora informe estarem em vias de resolução questões ainda não solucionadas. É pena não ter esclarecido um rol de questões pertinentes dirigidas há ao Governo, à medida que eram postas, o que teria prevenido indisposições e agressividades, que reconhece ter havido, perfeitamente evitáveis, porque, como escrevi, convencemo-nos de que ês ca ta cdi! (estão-se nas tintas), sendo ês (eles) os governantes. Quando não se obtém resposta a uma pergunta, proposta ou crítica, a consequência para quem a faz é uma manifestação de mal-estar traduzida em irritação ou violência. Mesmo que não se tenha uma resposta, um simples ´recebi a sua proposta ou crítica e estamos a estudá-la´, é suficiente e cunho de comunicação civilizada e de respeito pelo participante no diálogo e na gestão da coisa pública, que o Poder costuma pedir. Afinal, quanto à descentralização e regionalização, nós, do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde, parecemos não estar muito longe do que pensa, agora, o Primeiro-Ministro, não sendo de afastar a eventualidade de ser mais uma manobra dilatória para a regionalização. Obviamente que esta é empresa que levará o seu tempo, podendo começar numa ilha a título de ensaio piloto. Há mais de 4 anos que o nosso Movimento vem fornecendo dados e propostas sobre a descentralização e regionalização, alguns contidos no livro referido acima; já na década de noventa, Onésimo Silveira lançara uma pedrada no charco da política utilizando funda regionalista, e somente recentemente, após inúmeras evasivas do Governo e dos partidos políticos, se aceita a possibilidade do estudo da regionalização, que, afinal, mais não é do que uma forma de descentralização que todos aceitam embora o Governo teime em domesticá-la partidariamente. Pensamos que só mobilizando as regiões (ilhas ou grupos de ilhas afins) e as suas forças vivas é que se consegue desenvolver o nosso país. É o que pretende a descentralização/regionalização para combater o centralismo e a burocracia do Estado que tornam difícil qualquer tentativa para dinamizar a situação.
Praza ao bom Deus de todas as religiões que a razoabilidade e compreensão do nosso Primeiro-Ministro, Dr. José Maria Neves, não seja também por estar de mala feita para sair do Governo e da Direcção do Partido, não se obrigando, por isso, a cumprir aquilo que acha razoável e justo.

Lisboa, Novembro de 2014                                                        Arsénio Fermino de Pina
                                                                                               (Pediatra e sócio honorário da Adeco)


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Reacção do Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) e do Grupo de Reflexão da Diáspora acerca do Debate relativo à Regionalização de 02 e 03 de Dezembro de 2014

    No passado dia 14 de Novembro, através do porta-voz do Governo, o país ficou a conhecer a resolução do Conselho de Ministros sobre  um debate relativo à Regionalização a realizar em 03 e 04 de Dezembro, com uma “ampla participação” de especialistas nacionais e estrangeiros.
    Lembra-se que este evento deveria ocorrer em S. Vicente, a valerem alguma coisa as promessas iniciais do PM, o que denota mais uma vez um flagrante incumprimento da sua palavra. Se o PM fez essa promessa foi porque sabia  ter despontado na ilha do Porto Grande, em Dezembro de 2010, o movimento cívico para a Regionalização, que deu origem ao Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) e ao Grupo de Reflexão da Diáspora.
    É com surpresa que se constata o anúncio da convocação dos citados “especialistas”, nacionais e estrangeiros, dado que, ao longo de 4 anos, nunca se lhes ouviu um único comentário ou opinião sobre uma matéria que só foi espoletada na opinião pública por iniciativa da sociedade civil. Mas a surpresa atinge o cume quando  a sociedade civil, conforme tudo indica, vai ser excluída dessa iniciativa governamental,  votando-se ao ostracismo mesmo  aqueles que se organizaram civicamente para promover a ideia da regionalização e a divulgaram nos meios de comunicação. A excepção é o cidadão Onésimo Silveira, convidado pessoalmente como especialista, mas cuja única pessoa não pode de modo algum representar a  sociedade civil.
    Questiona-se ainda se a decisão de remeter o debate para o fim do seu mandato,  não é uma estratégia congeminada por José Maria Neves para atirar o processo para as calendas gregas, ou, ainda, se não é mais uma das suas atitudes calculistas para se fazer passar por pessoa aberta ao diálogo, sem se dar conta da inconveniência de passar a batata quente para as mãos do seu sucessor.
    Ora, quem tudo prometeu, a ponto de anunciar um Livro Branco sobre a Regionalização,  denegando agora a sua palavra, tem de explicar a razão por que mudou radicalmente de opinião, bem como  os critérios que presidiram à escolha dos convidados para o debate, importando saber se não iremos mais uma vez assistir ao primado da teia do partidarismo e do amiguismo sobre o  interesse nacional.
    Acontece que o debate sobre a regionalização devia revestir nesta fase de arranque a natureza eminentemente política e social do que está em causa, envolvendo necessariamente uma ampla participação da sociedade civil (forças políticas e sociedade civil e seus representantes), só depois disso requerendo a intervenção do conhecimento especializado nas várias matérias atinentes à implementação do modelo que for decidido. Não que os especialistas tenham de ser excluídos do entrecruzamento oportuno da opinião política com a técnica, mas o que nunca pode acontecer é a subalternização da opinião da sociedade civil, veículo que é do pulsar e do querer da nação.
    Por outro lado, é inaceitável que “especialistas estrangeiros” se vejam no lugar que devia competir aos representantes da emigração, mas é sobretudo inqualificável ver sonegada a primazia dos  agentes nacionais e das forças vivas numa discussão desta importância para o futuro do país. E não se esqueça que foi o actual Presidente da República que recomendou um "debate profundo" sobre a descentralização e a regionalização, que poderá "traçar caminhos que permitam um melhor aproveitamento das sinergias em benefício das pessoas".
    Perante o que configura mais uma perversão das regras lineares da nossa democracia, o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) não pode deixar de exprimir veementemente o seu repúdio por ver a sociedade civil residente e na diáspora afastada, sem dúvida que ardilosamente, do debate sobre a Regionalização, e por isso solicita ao Senhor Presidente da República que tenha um papel proactivo na configuração do debate anunciado. Cabe ao mais alto magistrado da nação ter uma palavra onde veja gravemente atropelado o direito de cidadania.
    Exorta-se ainda os partidos políticos, os deputados, a sociedade civil em geral de S. Vicente e Cabo Verde a assumirem as suas responsabilidades para impedir que este debate se transforme numa manobra eleitoralista e de promoção de pessoas e de partidos, tendo em conta que esta é uma grande oportunidade para pôr termo às políticas centralizadoras e discriminatórias que travam o desenvolvimento equitativo do país.
    Subscrevem este Documento cidadãos cabo-verdianos membros Grupo de Reflexão sobre a Regionalização de Cabo Verde (AGRRCV) e do Grupo de Reflexão da Diáspora.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Centralismo e a Utopia do Estado-Nação Centralista (c) 
Na parte (b) deste artigo concluímos que o problema de Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver com os modelos de economia e de organização política montados e que já mostraram os seus limites, não produzindo os frutos esperados. Para além disso, hoje há sinais perturbadores de decadência (corrupção, insegurança, criminalidade) a todos os níveis sociais, para além das novas e crescentes ameaças que se perfilam no mundo. A situação concentracionária na capital e na sua periferia levada ao paroxismo, tem criado, perante a indiferença de todos os actores políticos, problemas sociais, económicos, ambientais e de segurança sem precedentes, tendo tendência a alastrar-se para todo o país, o que põe em risco a sua própria segurança e estabilidade. Por outro lado, a situação que se vive hoje a ilha de S. Vicente, a 2ª ilha do país pela sua importância, onde se instalara no século passado toda a elite cabo-verdiana, assim como cidadãos de todo o mundo, é a evidência trágica de uma despudorada falácia, do falhanço que é hoje o modelo de desenvolvimento do Cabo Verde. Nesta ilha, foram feitas há 40 anos promessas nunca cumpridas: Monte Cara viu os barcos todos passarem ao largo. O estado em que se encontra a ilha, revela a falência do ideal que ela interiorizou no período de abertura 25 de Abril de 1974 e o 5 de Julho de 1975, mas é também o colapso das utopias e energias que mobilizaram vários estratos sociais da ilha e do país neste período. É este povo de S. Vicente que em 1975 ouviu proclamar alto e bom som que viriam melhores dias para a ilha, que continua a não descolar da extrema pobreza e não vê qualquer perspectiva para o seu futuro. É a ilha Fantasma hoje no seu todo, um autêntico atoleiro de projectos e energias que não se revelaram viáveis ou sustentáveis, um cemitério de elefantes brancos. Não circulando dinheiro nela, não há condições para a atracção das elites dos negócios, nem para se instalarem institutos e as empresas onde se reciclam os dinheiros da ajuda internacional destinados a Cabo Verde. Isto porque os fenómenos económicos se interligam fatalmente com os sociais na sua natureza sistémica. Talvez seja por isso que a elite que reside em S. Vicente se tornou subserviente e resignada, à espera das iniciativas vindas da Praia ou de algures, contentando-se com as migalhas que sobram dos banquetes da elite da capital, cabendo-lhe apenas produzir Festivais. O centralismo político foi o ‘coup de grace’ para S. Vicente, o presente envenenado do PAIGC, e utilizado em doses cavalares e tóxicas pelo novo PAICV (ver Nota em (7)). S. Vicente tem, assim, pago com lágrimas, suor e sangue, a construção deste país que é Cabo Verde, que paradoxalmente e inexoravelmente afasta-se dele cada dia mais.
Mesmo assim deve-se reconhecer que Cabo Verde, mudou pelo bem e pelo mal, comparado com a situação antes da independência. Todavia, o país apesar de ter tido neste período um crescimento económico, de que se vangloriam os vários governos, nada mais fez do que acompanhar o ritmo do crescimento mundial, graças à injecção da ajuda estrangeira. É evidente que crescimento não é desenvolvimento, e sem este, as classes mais desfavorecidas terão menos acesso ao trabalho e não poderão ver realizados os seus sonhos.
Na realidade, enquanto choverem os apoios da comunidade internacional e continuar a fluir dinheiro fresco para capital para sustentar a elite oligárquica ali instalada, assobiando sempre para o lado e separada da população do resto do país, vai-se dizendo: « Après moi le déluge », como dizia Louis XV, (depois de morrer que venha o dilúvio). Com este estado de coisas, as soluções para o país continuarão a ser adiadas ou proteladas.
Sobre este assunto é interessante revisitar Amilcar Cabral. Carlos Cardoso (8) resume a visão romântica de Cabral do desenvolvimento expresso da seguinte maneira e que pode servir de mensagem ao actual poder pela sua actualidade:
Nós estamos a lutar para o progresso da nossa terra, temos que fazer todos os sacrifícios para conseguirmos o progresso da nossa terra, na Guiné e em Cabo Verde. Temos que acabar com todas as injustiças, todas as misérias, todos os sofrimentos. Temos que garantir às crianças que nascem na nossa terra, hoje e amanhã, a certeza de que nenhum muro, nenhuma parede será posta diante delas. Elas têm que ir para a frente, conforme a sua capacidade, para darem o máximo, para fazerem o nosso povo e a nossa terra cada vez melhores, servindo não só os nossos interesses mas também os interesses da África, os interesses da humanidade inteira» Este postulado pode parecer abstracto, mas reflecte um pensamento profundo”. Este desejo de Amilcar Cabral, ontem como hoje, é subversivo, pois mexe com interesses instalados. Aliás, o paradoxo entra pelos olhos e devia questionar algumas consciências pois o país parece hoje constituir um sumidouro de esperanças e energias para os jovens deserdados.
Este artigo continua: “Cabo Verde o fim das Utopias: Os Caminhos para uma 3ª Via”.

Referências:

8- Revisitando o conceito de desenvolvimento no pensamento de Amílcar Cabral, Carlos Cardoso, http://www.codesria.org/IMG/pdf/Carlos_Cardoso-2.pdf



O Centralismo e a Utopia do Estado-Nação Centralista (b) 
Na parte (a) deste artigo analisamos o problema do centralismo em Cabo Verde do ponto de vista político.
É no campo socioeconómico que a ideologia do centralismo tem efeitos mais nefastos. Ela desembocou num absurdo social e económico, impensável há uma ou duas gerações: todos os cabo-verdianos têm, por força de um ideário partidário, de colaborar na construção de uma “agenda da transformação” revolucionária desfocada dos tempos modernos, na criação de um novo paradigma determinado por uma estreita e perniciosa visão ideológica. Nesta perspectiva, todos os recursos humanos económicos e financeiros tendem a privilegiar a capital de Cabo Verde, Praia/Santiago: a ilha de todas as oportunidades. Ao mesmo tempo, as ilhas hoje consideradas periféricas, nomeadamente as do norte, são condenadas a uma expiação eterna por não se encaixarem nesta visão utópica. Resultado um nivelamento por baixo no arquipélago, a 2ª ilha desaparece do mapa político do país. Nesta óptica, o ímpeto na construção deste ‘Estado-Nação’ centralista é assim impresso por pessoas que ignoram ou desprezam a verdadeira história de Cabo Verde, interpretando à sua maneira e conveniência política a sua origem quinhentista e o percurso evolutivo. É esta visão de Cabo Verde que precisamente põe em risco a verdadeira unidade nacional, que alegam defender, ao não acautelar valores fundamentais que sempre caracterizaram o país durante séculos e que hoje fazem parte de conquistas da humanidade civilizada: a diversidade, a interdependência, a complementaridade e a subsidiariedade.
Para Alte Pinho (4), é o próprio centralismo que põe em causa a integridade do país:” não é a regionalização que põe em causa a integridade nacional, antes, sim, as assimetrias sociais e regionais que, por exemplo, no caso de São Nicolau, colocam a ilha no primeiro lugar do ranking do desemprego em Cabo Verde e fazendo dela uma das regiões mais isoladas do país. Ou seja, a política centralista é que tem vindo a pôr em causa a unidade nacional, gerando fenómenos de desenvolvimento a várias velocidades, colocando as chamadas ilhas periféricas na cauda do progresso e do desenvolvimento social.”
 Em relação a esta questão os recentes editoriais do Expresso das Ilhas (5,6), o principal jornal afecto ao partido da oposição, o MPD, vêm dar razão a algumas recriminações que temos tecido ao actual regime cabo-verdiano. Como vemos denunciando há muito tempo, o regime tenta através de operações mediáticas e muito politicamente correctas, operar lavagens cerebrais, reinventando e reescrevendo diversas versões da história de Cabo Verde, com uma visão por demais provinciana, partidarizada, ideologizada e fracturante. Aspectos e eventos irrelevantes, por serem muito locais e situados no tempo e no espaço, são generalizados para todo o país, transformando-os em eventos de dimensão épica, para serem posteriormente utilizados, como no tempo da Rússia Soviética, na construção de uma nova narrativa histórica. O problema mais grave é o da ideologização e instrumentalização política do ensino, como denuncia o jornal (5): ‘Em Cabo Verde toma-se como normal recorrer ao sistema de ensino para se passar as mais diferentes mensagens. Arregimentam-se crianças em marchas pelas ruas a favor de causas as mais diversas. Matérias que dividem a sociedade como é caso da adopção do Alupec e do ensino do crioulo são unilateralmente forçadas no ensino pretendendo com isso acabar com todo o debate e impor uma decisão única para a matéria. O sistema educativo é visto no essencial como um aparelho ideológico do Estado através do qual preferências políticas, interpretações da história e agendas partidárias são passadas para as camadas mais influenciáveis da sociedade – os seus jovens e crianças. Resistências socias a isso não são muitas. Persiste a tentação de se moldar as novas gerações no ideal do homem novo. Não se apropriou ainda o princípio constitucional de que o Estado não deve impor opções políticas, filosóficas ou estéticas aos cidadãos da república.’ 
Como todas as utopias se esbarram contra o real, elas têm custos elevados quando simplesmente baseadas em pressupostos falsos ou imaginários. Na realidade, há muito tempo que se observam os disfuncionamentos diversos no sistema social económico e político de Cabo Verde, não obstante um aparente crescimento. É um facto que a economia cabo-verdiana nunca verdadeiramente se descolou, o país vive eternamente da assistência ou da caridade de países amigos, a sua balança comercial é eternamente deficitária, não exportando nem em quantidade nem em qualidade bens e serviços: os serviços como o turismo são incipientes, mal concebidos ou geridos (o país não está preparado para esta indústria (tão pouco para outras), como vêm denunciando sucessivos observadores externos, consumidores e utilizadores). Ou seja, o país não se financia minimamente a si próprio, apesar de 40 anos independente.
O problema de Cabo Verde foi e é estrutural, tem a ver com os modelos de economia e de organização política montados e que já mostraram os seus limites, não produzindo os frutos esperados. O dilema actual de Cabo Verde é magistralmente resumido no editorial do Expresso da Ilhas (6) da seguinte maneira: ‘Depois do tudo o que foi feito nesta década e meia do século XXI o país funciona ainda no quadro de reciclagem de ajuda externa. O modelo está esgotado mas não se sabe como deixá-lo e partir para outro. O pior é que aparentemente a preocupação maior não é procurar uma saída e mover o país para fora deste atoleiro que no ano passado só lhe deixou crescer a uma taxa de 0,5%, mas sim ganhar mais cinco anos de poder nas eleições de 2016. Naturalmente que as pessoas estão confusas. Esperam uma resposta da classe política e em particular de quem governa. Sabem que alternativas só virão com as eleições. Até lá quem tem os instrumentos e os recursos para governar deve saber mobilizar a vontade colectiva e dirigi-la para a concretização de objectivos que a todos sirvam directa ou indirectamente. Pena que o eleitoralismo reinante impeça a troca de ideias e o necessário debate para se identificar saídas para a situação actual.’ (continua)

Bibliografia

4-http://www.jsn.com.cv/index.php/sao-nicolau/1809-regionalizacao-em-debate-os-novos-caminhos-para-cabo-verde

5-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43043-editorial-deixar-de-instrumentalizar-a-educacao.
6-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43084-editorial-overnacao-ou-gestao-eleitoral?

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Centralismo e a Utopia do Estado-Nação Centralista (a) 

Tenho defendido ao longo de uma série de artigos, a necessidade da transição do centralismo para um sistema político administrativo mais democrático para Cabo Verde.
O centralismo no mundo moderno do Sec. XXI é uma forma arcaica de governo. Cabo Verde querendo inserir-se no concerto das nações democráticas, mais civilizadas ou mesmo ‘mais progressistas’, deve abolir esta forma de governo e optar por modelos muito mais adaptados à contemporaneidade, seguindo uma organização política e administrativa do país similar à da maioria das democracias mais avançados do mundo. A regionalização não é um apanágio da direita liberal ou da esquerda reformista. Em França após o falhanço do referendo de De Gaule, foi a ala moderada socialista que defendeu há 30 anos no parlamento, o projecto de Regionalização para aquele país contra uma direita conservadora, hoje mais reformista (1,2,3). Os socialistas franceses explicavam, nos anos 80 do século passado, da seguinte maneira a reforma: « A centralização tal como existe actualmente em França constitui uma forma de governo, uma estrutura de organização política arcaica, paralisante, ultrapassada, que não responde às exigências da vida moderna e da competitividade entre as nações evoluídas …Não queremos (nós governo) mais exercer tutela sobre as colectividades eleitas ». 
Um regime centralista caracteriza-se por uma situação de ausência parcial ou total de delegação de competências políticas e de recursos (humanos, económicos e financeiros) do Estado Central para as comunidades regionais ou locais, que ficam em situação de total subordinação e dependência. Sendo as decisões tomadas no vértice da pirâmide do poder (em geral concentrado num grupo de pessoas ou numa pessoa), o centralismo em democracia tem muitas analogias com o Centralismo Democrático, em que as decisões descem do topo da pirâmide para a base (nunca sendo discutidas na base, como teoricamente pretendiam os seguidores desta doutrina). O poder local é, pois, o pilar dos regimes democráticos, serve de elo de ligação entre o cidadão e o poder central. Assim num sistema democrático descentralizado, a cadeia do poder/decisões e as interações entre o poder central e o poder local, obedecem, em geral, a uma estrutura horizontal/plana. Em vez de uma relação de subordinação, estabelece-se uma cooperação/colaboração na tomada de decisões, procurando sempre sinergias entre os diferentes poderes/parceiros, com os quais não se está nem em competição, nem em guerra. Por isso o centralismo nas democracias pouco consolidadas, como é o caso Cabo Verde, limita o exercício da democracia real e a percepção que têm os cidadãos do Estado: um órgão distante, absoluto e todo-poderoso. O centralismo na prática funciona como uma entrave, um instrumento para limitar ou despojar dos seus direitos fundamentais, e em muitos casos da sua dignidade, o poder local e os cidadãos. Estes sentem-se impotentes perante a máquina do Estado, que, em geral, não presta contas a ninguém, carecendo de controlo e de escrutínio na sua acção. O cidadão é deixado à mercê dos humores da todo-poderosa burocracia central sem rosto, e nem sempre com a competência requerida ou adequada. Tendo o mesmo a sua vida quotidiana tão complicada, fica mais fragilizado perante a máquina do poder, tornando-se progressivamente cidadão de 2ª (em relação aos privilegiados do sistema) pela percepção da sua impotência. Num sistema centralista, o poder não está coagido a cumprir com as suas promessas e obrigações, fá-lo como e quando bem lhe entender ou lhe apetecer: estamos no domínio da arbitrariedade. Este sistema uma vez instalado tem a sua dinâmica própria, não dependendo de uma mais ou menos democraticidade de um dado partido no poder ou de uma determinada liderança. Por isso seria utópico pensar que em vez do mau centralismo do PAICV, teríamos o bom centralismo do MPD, uma vez no poder. O centralismo é pois intrinsecamente mau, independentemente dos partidos no poder, é a máquina ideal para produzir passividade social, conformismo e subdesenvolvimento, muito confortável para os autocratas, que proliferam no terceiro mundo e mesmo no 2º Mundo. Nestes regimes a fronteira entre uma ditadura democrática e uma autocracia de um grupo (em geral eleito pelo povo) é ténue. Em contrapartida, no 1º mundo o problema do centralismo põe-se com menos acuidade, pois a capacidade de manipulação da sociedade pelo poder é menor. Nestes países, o próprio sistema democrático engendrou contrapoderes e sólidas instituições democráticas, uma opinião pública apoiada numa imprensa privada ou independente, e, mais importante, uma parte significativa da elite independente dos poderes.
 Em Cabo Verde o centralismo reveste outro aspecto também pernicioso, que se prende com a sua carga ideológica. O PAIGC partido da independência e que alcançou o poder em 1975 praticava internamente o Centralismo Democrático, defendeu a necessidade de uma gestão centralizada das ajudas internacionais para construir o recém-criado estado, e não escondia a sua apetência para uma economia socialista planificada e centralizada. Por outro lado, definindo-se como um partido de massas, ditas populares, cedo percebeu que poderia encontrar principal base de apoio na ilha mais populosa, supostamente discriminada em relação às outras ilhas durante o colonialismo. Assim não escondeu que estava animado de uma visão para um novo Cabo Verde, que consistia em romper com o Cabo Verde colonial (cujo paradigma era S. Vicente), rendendo, no seu entender, mais justiça social política e económica em Cabo Verde, através de uma redistribuição dos recursos humanos e financeiros pelo país. Mas paradoxalmente o Centralismo ancorou-se definitivamente com o advento da democracia, com a lei da maioria e dos números, uma prática que levada ao seu extremo pode entrechocar com os equilíbrio tradicionais, a natureza e a diversidade arquipelágica do país. Criaram-se, assim as condições ideais, para o nascimento de numa visão fundamentalista no país, uma narrativa demais partidarizada e ideologizada. Doravante em Cabo Verde existiria uma ilha-capital, a do Cabo Verde dos primórdios colonização, e não havia mais lugar para 2ª ou 3ª ilha, tudo deveria estar nivelado por baixo. Abria-se assim o caminho para a defesa de utopias marginais, tais como regresso às origens quinhentistas da mítica da fundação de Cabo Verde, ou mesmo o isolamento linguístico de Cabo Verde, o único país de CPLP onde não se falaria o português, a língua de comunicação neste espaço e nas relações internacionais. Temos aqui uma situação em que utopia nasce do centralismo que por sua vez a alimenta.
É no campo socioeconómico que a ideologia do centralismo tem efeitos mais nefastos. Ela desembocou num absurdo social e económico, impensável há uma ou duas gerações: todos os cabo-verdianos têm, por força de um ideário partidário, de colaborar na construção de uma “agenda da transformação” revolucionária desfocada dos tempos modernos, na criação de um novo paradigma determinado por uma estreita e perniciosa visão ideológica. Nesta perspectiva, todos os recursos humanos económicos e financeiros tendem a privilegiar a capital de Cabo Verde, Praia/Santiago: a ilha de todas as oportunidades. Ao mesmo tempo, as ilhas hoje consideradas periféricas, nomeadamente as do norte, são condenadas a uma expiação eterna por não se encaixarem nesta visão utópica. Resultado um nivelamento por baixo no arquipélago, a 2ª ilha desaparece do mapa político do país. Nesta óptica, o ímpeto na construção deste ‘Estado-Nação’ centralista é assim impresso por pessoas que ignoram ou desprezam a verdadeira história de Cabo Verde, interpretando à sua maneira e conveniência política a sua origem quinhentista e o percurso evolutivo. É esta visão de Cabo Verde que precisamente põe em risco a verdadeira unidade nacional, que alegam defender, ao não acautelar valores fundamentais que sempre caracterizaram o país durante séculos e que hoje fazem parte de conquistas da humanidade civilizada: a diversidade, a interdependência, a complementaridade e a subsidiariedade.
Para Alte Pinho (4), é o próprio centralismo que põe em causa a integridade do país:” não é a regionalização que põe em causa a integridade nacional, antes, sim, as assimetrias sociais e regionais que, por exemplo, no caso de São Nicolau, colocam a ilha no primeiro lugar do ranking do desemprego em Cabo Verde e fazendo dela uma das regiões mais isoladas do país. Ou seja, a política centralista é que tem vindo a pôr em causa a unidade nacional, gerando fenómenos de desenvolvimento a várias velocidades, colocando as chamadas ilhas periféricas na cauda do progresso e do desenvolvimento social.”
 Em relação a esta questão os recentes editoriais do Expresso das Ilhas (5,6), o principal jornal afecto ao partido da oposição, o MPD, vêm dar razão a algumas recriminações que temos tecido ao actual regime cabo-verdiano. Como vemos denunciando há muito tempo, o regime tenta através de operações mediáticas e muito politicamente correctas, operar lavagens cerebrais, reinventando e reescrevendo diversas versões da história de Cabo Verde, com uma visão por demais provinciana, partidarizada, ideologizada e fracturante. Aspectos e eventos irrelevantes, por serem muito locais e situados no tempo e no espaço, são generalizados para todo o país, transformando-os em eventos de dimensão épica, para serem posteriormente utilizados, como no tempo da Rússia Soviética, na construção de uma nova narrativa histórica. O problema mais grave é o da ideologização e instrumentalização política do ensino, como denuncia o jornal (5): ‘Em Cabo Verde toma-se como normal recorrer ao sistema de ensino para se passar as mais diferentes mensagens. Arregimentam-se crianças em marchas pelas ruas a favor de causas as mais diversas. Matérias que dividem a sociedade como é caso da adopção do Alupec e do ensino do crioulo são unilateralmente forçadas no ensino pretendendo com isso acabar com todo o debate e impor uma decisão única para a matéria. O sistema educativo é visto no essencial como um aparelho ideológico do Estado através do qual preferências políticas, interpretações da história e agendas partidárias são passadas para as camadas mais influenciáveis da sociedade – os seus jovens e crianças. Resistências socias a isso não são muitas. Persiste a tentação de se moldar as novas gerações no ideal do homem novo. Não se apropriou ainda o princípio constitucional de que o Estado não deve impor opções políticas, filosóficas ou estéticas aos cidadãos da república.’  (continua)

Bibliografia

1- JOSÉ FORTES LOPES: A Regionalização francesa (1980), um processo inspirador para Cabo Verde 

http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/584-jose-fortes-lopes-a-regionalizacao-francesa-1980-um-processo-inspirador-para-cabo-verde


2- La Régionalisation, une histoire de plus d’un demi-siècle. Association des Régions de France (A.R.F.) http://www.arf.asso.fr/histoire-du-fait-regional.

3- JOSÉ FORTES LOPES: A Regionalização: o Adiamento de uma exigência e de uma urgência http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/658-jose-fortes-lopes-a-regionalizacao-o-adiamento-de-uma-exigencia-e-de-uma-urgencia

4-http://www.jsn.com.cv/index.php/sao-nicolau/1809-regionalizacao-em-debate-os-novos-caminhos-para-cabo-verde

5-http://www.expressodasilhas.sapo.cv/opiniao/item/43043-editorial-deixar-de-instrumentalizar-a-educacao.
Os Caminhos da Regionalização das Ilhas de Cabo Verde e Esh Ca Ta Cdi em debate em Roterdão no domingo 9 de Novembro de 2014
                                              
                                          
 No domingo 9/11/2014 ocorreu a apresentação na Sala Laurens Delfshaven, na Mathenesserlaan em Roterdão dos seguintes livros:  (a) Cabo Verde: Os Caminhos da Regionalização da autoria do Grupo De Reflexão da Diáspora (b) Esh Ca Ta Cdi da autoria do Dr Arsénio de Pina cuja  organização esteva cargo por Pedro Soares.
Deslocaram-se à sala um grande número pessoas,  representando várias gerações de cabo-verdianos e seus descendentes residentes na Holanda. Estiveram também presentes representantes dos medias cabo-verdianos de Roterdão, nomeadamente a Rádio KOZ/ZAANRADIO que fez uma cobertura audiovisual do debate para a produção de um programa para a comunidade, assim como a Rádio VOZ DE CABO VERDE de Luiz Fortes que produziu nos seus estúdios, logo após o término da sessão, uma extensa entrevista em directo aos representantes do Grupo De Reflexão da Diáspora.
Anita Faria  fez a apresentação do primeiro livro, descrevendo em linhas gerais o seu conteúdo, focalizando a atenção nos seus principais pontos fortes, de modo a que o público captasse a importância das Reformas,  que o livro define como prioritárias para o futuro de Cabo Verde, para a Emigração e para a Diáspora, de uma maneira geral. Foi explicado de maneira sucinta o princípio da Regionalização e o seu pacote de Reformas associado: o fim do Centralismo, a Descentralização, a Desconcentração e a Desburocratização do país. Intervieram em seguida José Fortes Lopes que fez uma breve consideração sobre a problemática do Centralismo, os objectivos da Regionalização, assim como os avanços  e recuos ocorridos nesta matéria em Cabo Verde, desde o lançamento do Debate. Arsénio de Pina interveio na mesma linha, complementando a intervenção do orador precedente. Luiz Silva enquadrou a Regionalização na problemática da Emigração e da Diáspora, mostrando a importância de um maior envolvimento da Diáspora no debate da Regionalização. Defendeu que os problemas da Emigração, embora nacionais, são essencialmente de âmbito local/regional, pelo que devem ser resolvidos no quadro local/regional, daí a importância da Regionalização para a Emigração e a Diáspora. Demonstrou assim as vantagens e a importância dos emigrantes aderirem à  causa, como a derradeira oportunidade imperdível para que ela possa intervir e  participar na vida do país  e para que os seus problemas sejam resolvidos. Luiz Silva foi mais longe defendendo que se a  questão da Emigração não for tida em conta neste debate, ela perderá a última oportunidade para que a sua voz seja ouvida.
O 2º livro Esh Ca Ta Cdi, foi apresentado por Luiz Siva que demonstrou a importância  de que este título se reveste e representa: toda uma atitude de mutismo e de indiferença que  tem sido uma constância das autoridades cabo-verdianas desde a independência do país em relação aos problemas da Emigração/Diáspora e o indeferimento das diferentes  reivindicações produzidas pela comunidade residente e pela Diáspora.
Ocorreu em seguida um interessante, animado e participativoo debate público em torno das questões da Diáspora, da Emigração e da Regionalização, em que vários intervenientes colocaram diversas questões e pedidos de esclarecimento  em relação aos diferentes  temas apresentados.

No mesmo dia à noite os representantes do Grupo de Reflexão da Diáspora participaram no Programa Radiofónico sobre Regionalização produzido nos estúdios  da Rádio Voz De Cabo Verde em Roterdão.