sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DA VISITA A ROTERDÃO DO MOVIMENTO PRO-REGIONALIZAÇÃO

O maior risco que um cidadão pode correr é não se comprometer com nada, só proferir frases genéricas ou calar-se. Esta a razão por ter optado por ser cidadão interveniente e de alma aberta da sociedade civil. Isso levará o Poder a considerar-me suspeito? Certamente que sim, porque ainda não se descobriu a fórmula de se ser insuspeito e empenhado ao mesmo tempo.
A nossa deslocação a Roterdão – minha, do José Fortes Lopes, Luiz Silva e Filomena Vieira, estes indo de Paris – deveu-se ao convite da nossa gente na Holanda ao ter conhecimento do lançamento do livro, Cabo Verde – Os Caminhos da Regionalização, em Lisboa, Cabo Verde e França.
Fomos recebidos e tratados principescamente, sob a batuta de Pedro Soares (Piduca) e esposa, coordenadores da comissão de recepção e organização do evento. A estadia de três dias foi magistralmente programada e pudemos contactar pessoas e visitar os locais emblemáticos da nossa emigração, incluindo o primeiro hotel cabo-verdiano em Roterdão do lendário Constantino, que acolhia e apoiava os emigrantes recém-chegados. O hotel virou ponto de encontro e convívio de alguns emigrantes, após a venda da sede da Associação Comunitária, cujo produto de venda contribuiu, mais o do antigo consulado e verba do governo, para a aquisição de um moderno edifício que alberga o novo Consulado, também visitado por nós, estando ausente o cônsul. Infelizmente o amplo salão no r/c, que se previa vir a substituir a Associação, raramente funciona, a não ser com artistas de visita e entidades oficiais; as amplas instalações da cave, com capacidade para 400 pessoas, continuam fechadas, quando, com algum investimento por parte da nossa comunidade, que esta aceita e já propôs, poderia ser um local de reunião periódica, permitindo uma melhor articulação entre a nossa comunidade e o Consulado, um tanto amuados nos últimos tempos.
O lançamento de Os Caminhos da Regionalização foi um sucesso que ultrapassou todas as espectativas. Sala, gratuitamente cedida por uma organização holandesa da terceira idade – quando poderia e deveria ser o Consulado a fazê-lo –, cheia, havendo pessoas em pé, no fundo da grande sala. A apresentação do livro, sintética e objectiva, foi feita pela professora Anita Faria. A seguir José Fortes Lopes proferiu algumas considerações sobre o móbil da nossa visita, Luiz Silva e eu próprio tecemos algumas considerações sobre o livro Ês Ca Ta Cdi!, que ofereci ao Movimento (40 exemplares). Tanto o debate como a sessão de autógrafos decorreram com grande participação e interesse da assembleia constituída por elementos de todos os partidos políticos nacionais, na maior harmonia e correcção, onde pudemos esclarecer dúvidas e equívocos e anotar sugestões para desejadas visitas. Posteriormente, fomos entrevistados, a título benévolo, pela Rádio Voz de Cabo Verde, pertencendo ao patrício, da velha guarda de emigrantes, Luís Fortes Lopes (Luís Caratê).
A solidariedade entre os patrícios era (mantendo-se ainda a bom nível) impressionante, bem como a integração na sociedade holandesa, mas sempre ligados à terra natal pela cultura, música, língua, visitas periódicas a Cabo Verde (não obstante os preços proibitivos das passagens aéreas da TACV e TAP) e investimentos, mau grado as dificuldades e incompreensões encontradas na própria pátria, ao nível da alfândega, serviços públicos, câmaras e bancos, de que nem os turistas estrangeiros se queixam. A Avenida da Holanda, no Mindelo, construções nesta cidade e noutras ilhas e o boom da construção civil, desde o início dessa profícua emigração para a Holanda, foram o produto dos investimentos da diáspora, e muito mais teria sido feito se prevalecesse outra prática oficial face aos emigrantes, os quais mereciam e merecem melhor compreensão, simpatia, cooperação, valorização da sua condição de emigrante numa discriminação positiva e mais facilidades na captação das suas economias.
Chegou a haver, na Holanda, 62 associações as mais diversas, bares, restaurantes, doze clubes de futebol e uma federação, estes últimos animados por vários patrícios, destacando-se Pedro Soares. Havia torneios de futebol em que participavam clubes de patrícios vindos da Bélgica e França. A vivência da nossa comunidade, como nos conta Anita Faria, aproveita os mesmos pretextos de Cabo Verde de outrora: casamentos, baptizados, festas nos meses dos Santos Populares, carnaval (em Julho, por causa do frio e chuva), passeios e picnics para outras regiões do país, noitadas com estórias, cachupadas e outros manjares da nossa boa culinária e doçaria, jogos diversos, tudo na maior harmonia e com o orgulho típico de se sentirem cabo-verdianos.
Infelizmente, desapareceram as associações, os bares, restaurantes e os clubes de futebol, e o convívio de outrora vai-se esfumando por falta de local de reunião e certo grau de desinteresse dos jovens da segunda geração, que não empunharam o testemunho dos pais e vão perdendo a ligação com Cabo Verde, integrando-se no ambiente e cultura holandeses dadas as facilidades e solicitações da vida moderna. Pergunta-se: que faz o Consulado para colmatar essas brechas, recriar condições de convívio e de revitalização da cultura e apego da nossa comunidade? Do que fomos informados, quase nada – o mesmo acontecendo noutros países -, quando há espaços e meios para tal e isso dever ser a sua função principal. Mesmo que os meios sejam limitados - temos entre vinte a vinte cinco mil patrícios na Holanda!; se o Consulado se abrisse aos emigrantes, fazendo tábua rasa das preferências ou orientação partidárias dos emigrantes (o que seria boa política por o Consulado não dever preocupar-se com posições partidárias), estes poderiam, perfeitamente, contribuir para o arranjo, por exemplo, da cave do Consulado. Nós convivemos com gente da UCID, MpD, PAICV e independentes sem preconceitos nem atritos, ouvimos e falámos amenamente com todos, ouvindo elogios, críticas e sugestões. Do diálogo é que pode brotar a luz. Outrossim, é bom ter presente que o MpD nasceu do ventre do PAIGC, bem como a UCID, porque no início éramos todos do PAIGC, e foi a riola da unidade Guiné-Cabo Verde, que nunca ninguém conseguiu explicar adequadamente, que agiu como calo encravado em sapato apertado, levando à criação da UCID na diáspora.
Quem quiser entender essa luta e os problemas da emigração, que leia as entrevistas de Luiz Silva (conheci e acompanhei-o, logo após a independência, através da sua persistente luta a favor da emigração no jornal Terra Nova), José Cabral, Felismina Mendes, Onésimo Silveira, Primeiro-Ministro, entre outros, na edição especial, VOZES DAS ILHAS, da Reforma do Estado, excelente iniciativa do governo. Entrevistas muito bem conduzidas por Vicente Lopes - jornalista que contraria a pecha nacional de jornalismo passivo e reverente -, que constituem documentos importantes a ter em conta para a reforma do Estado e a regionalização. Não só ler, reflectir detidamente nas diferentes opiniões de gente simples mas sensata, honesta e experiente da vida, como o agricultor de Santo Antão, e de intelectuais, políticos e artistas com saber de experiência feito.
Os nossos emigrantes, de uma maneira geral, queixam-se da má receptividade e tratamento inadequado a nível de embaixadas e consulados, e nem se dão conta da existência e utilidade do recém-criado Ministério das Comunidades. A meritocracia badalada, jamais praticada, é substituída pelo clientelismo partidário, conforme o partido que ocupa o Governo. Há governantes e funcionários sem terem exercido uma profissão e nunca trabalharam a sério na vida: alguns fizeram carreira nas juventudes partidárias, onde se treinaram a falar sem nada dizer, exceptuando banalidades, meias verdades e algumas mentiras de permeio, partindo, depois de aligeirarem a língua na oratória, para postos de direcção nas autarquias, parlamento, embaixadas e governo, sem sensibilidade social, nem nenhum conhecimento dos problemas reais e dos interesses das populações e dos emigrantes. O desenvolvimento da função pública moderna exige, cada vez mais, um corpo de trabalhadores especializados, preparados para a sua tarefa profissional, constituindo um corpo de funcionários de carreira em oposição a funcionários “políticos”. Os “políticos” poderão ser substituídos, quando se muda o regime, mas não os de carreira que garantirão a continuidade, a eficácia e eficiência da administração.
A entrevista do nosso Primeiro-Ministro em Vozes das Ilhas surpreendeu-me pela positiva, dado que tenta esclarecer várias questões, desfazer equívocos e reconhece ter mudado de opinião nalgumas questões; aponta caminhos, aceita algumas críticas, embora informe estarem em vias de resolução questões ainda não solucionadas. É pena não ter esclarecido um rol de questões pertinentes dirigidas há ao Governo, à medida que eram postas, o que teria prevenido indisposições e agressividades, que reconhece ter havido, perfeitamente evitáveis, porque, como escrevi, convencemo-nos de que ês ca ta cdi! (estão-se nas tintas), sendo ês (eles) os governantes. Quando não se obtém resposta a uma pergunta, proposta ou crítica, a consequência para quem a faz é uma manifestação de mal-estar traduzida em irritação ou violência. Mesmo que não se tenha uma resposta, um simples ´recebi a sua proposta ou crítica e estamos a estudá-la´, é suficiente e cunho de comunicação civilizada e de respeito pelo participante no diálogo e na gestão da coisa pública, que o Poder costuma pedir. Afinal, quanto à descentralização e regionalização, nós, do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde, parecemos não estar muito longe do que pensa, agora, o Primeiro-Ministro, não sendo de afastar a eventualidade de ser mais uma manobra dilatória para a regionalização. Obviamente que esta é empresa que levará o seu tempo, podendo começar numa ilha a título de ensaio piloto. Há mais de 4 anos que o nosso Movimento vem fornecendo dados e propostas sobre a descentralização e regionalização, alguns contidos no livro referido acima; já na década de noventa, Onésimo Silveira lançara uma pedrada no charco da política utilizando funda regionalista, e somente recentemente, após inúmeras evasivas do Governo e dos partidos políticos, se aceita a possibilidade do estudo da regionalização, que, afinal, mais não é do que uma forma de descentralização que todos aceitam embora o Governo teime em domesticá-la partidariamente. Pensamos que só mobilizando as regiões (ilhas ou grupos de ilhas afins) e as suas forças vivas é que se consegue desenvolver o nosso país. É o que pretende a descentralização/regionalização para combater o centralismo e a burocracia do Estado que tornam difícil qualquer tentativa para dinamizar a situação.
Praza ao bom Deus de todas as religiões que a razoabilidade e compreensão do nosso Primeiro-Ministro, Dr. José Maria Neves, não seja também por estar de mala feita para sair do Governo e da Direcção do Partido, não se obrigando, por isso, a cumprir aquilo que acha razoável e justo.

Lisboa, Novembro de 2014                                                        Arsénio Fermino de Pina
                                                                                               (Pediatra e sócio honorário da Adeco)


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