Breves reflexões sobre as Perguntas e Respostas de José Fortes Lopes
Dá gosto ler
prosa tão escorreita e com suculento conteúdo escrita por alguém que ama a sua
terra e nada tem a ganhar para si próprio, pelo contrário, tem tudo a perder de
eventuais favores e benesses do poder, os quais rejeita em defesa da justiça e
melhor organização política, social e administrativa do seu país. O patrício José
Fortes da Silva, docente universitário, demonstra ter uma ética republicana
cuja matriz cívica e cultural consubstancia a ideia de servir os outros sem egoísmos.
Ideias claras e
corajosas a que não estamos habituados a escutar, nem a ler, porque tanto os do
governo como dos partidos políticos e seus ideólogos se especializaram no
malabarismo da confusão de ideias e habilidade de confundir conceitos em benefício
próprio, ou dos partidos. Uma das facetas mais negativas da política, e que tem
motivado o seu descrédito, é a partidocracia, por ter permitido trepar, na sua
escala de valores, a mediocridade. Ele detecta na nossa jovem democracia sinais
precoces de anquilose, e eu preferiria antes dizer, que temos uma construção
aligeirada de democracia, com triunfo do caciquismo, caucionamento da esperteza
chico-espertismo, pântano ético em exposição permanente, um claro indício de
que algo vai mal nas nossas berças crioulas. A adjectivação, ´burocrático´, feita
pelo articulista do centralismo, é bem aplicada porque a burocracia, pelos papéis
infindáveis e carimbos, sustenta poderes mais imaginários do que reais, embora
um burocrata seja sempre um ditador potencial, e a burocracia também sempre da
área do irracionalismo.
Bem sei que o
medo entranhado na alma, como percevejo em prega de colchão, dos largos anos do
fascismo e do partido e pensamento únicos, tolhe a voz do cidadão. Mas já é
tempo de nos libertarmos dele e da canga de arbitrariedades que têm esvaziado o
país de homens verdadeiramente livres, porque sem eles, não há futuro digno.
Existe, realmente, como vimos constatando, o perigo de uma crise da democracia
provocada pela indiferença colectiva e pela debilidade de participação cívica, a
qual só pode ser estimulada com o surgimento de movimentos cívicos e sociais activos
como o nosso Movimento para a
Regionalização e Descentralização de Cabo Verde e outros afins da sociedade
civil, que, no plano local e regional, se propõem debater o presente e o futuro
do país numa postura interpelante com os poderes. Felizmente, um pouco por todo
o lado, estão a surgir grupos de cidadãos para uma acção civilista e política
que não só é vital para a própria democracia, como necessária para a afirmação
de uma nova pedagogia sobre a cidadania. Essa vitalidade antes desprezada, essa
ousadia de pensar em voz alta, essa forma de ser e de estar, é reconhecida hoje
como imprescindível ao respirar das comunidades das localidades e regiões.
Não há dúvida de
que temos gente capaz, honesta, incorruptível, decidida a se sacrificar –
porque já os houve activos, sem, no entanto, terem aquecido muito os lugares,
por serem incómodos ao poder – em benefício do país e para dar o seu contributo
ao aperfeiçoamento da nossa democracia. Pena é que, alguns se retraiam, sempre
na espectativa (mas de quê, se já lá vão quase 40 anos de independência?) de um
rebate de consciência dos no poder, outros por não serem ouvidos, ou por terem
sido postos de lado; deveriam avançar com as suas propostas de apoio, sem mais
esperar. Creio que somente a pressão da sociedade civil e das suas organizações
poderá levar o Governo e os Partidos a quebrar o silêncio para discutir aberta
e francamente a estratégia da descentralização/regionalização, pondo de lado
truques, como o da desconcentração administrativa, ou de governadores civis
nomeados, cujos prazos de validade terminaram diazá na mund.
Bem sei que os
poderes convivem mal com a crítica. Os governantes acham que o dever de
responder aos cidadãos é uma maçada e que a democracia, na sua verdadeira
vertente participativa, é uma grande chatice, como escalpelizei no livro Ês Ca Ta Cdi! Cabo Verde não é somente
Praia e Santa Catarina; há outras cidades e vilas para além das de Santiago com
direito à mesma paternidade. Eu, que já não sou criança, bate-me forte o
coração e avanço para a luta cívica quando oiço falar na regionalização e descentralização.
Há palavras que nos beijam como se tivessem bocas…
Não me agrada
vir a ser recordado, ou que se venha a reconhecer que tinha razão, depois de
morrer, por isso ser certo, visto deixar obras e exemplos. Gostaria que me
combatessem, ripostassem, ou levassem a sério as minhas críticas e propostas em
vida.
Parede, Janeiro de 2013 Arsénio
Fermino de Pina
(Pediatra
e sócio honorário da Adeco)
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