3ª
Parte- Regionalização: Que implicações para Cabo Verde?
Esta terceira parte (e fim) incidirá sobre
as implicações da Regionalização em Cabo Verde e em S. Vicente
P-O
Estatuto de S. Vicente, o problema da Ilha Região versus Região Norte, modelos
de Regionalização?
R-Penso que estaremos a falar de ilha região,
e S. Vicente será uma região. Este parece o modelo eleito ou pelo menos o mais
consensual. Quanto à Região Norte, penso que há um certo medo, fundado ou
infundado, da parte de alguma elite das outras ilhas da Região Norte, que S.
Vicente se substitua à Praia, como um novo centro, canibalizando as energias de
Sº Antão, por exemplo. Não acredito que seja essa a vocação ou o desígnio de S.
Vicente, a história de complementaridade entre ela e as diferentes ilhas que
formam este arquipélago desmente este facto. Há, todavia, neste momento um
certo irrealismo da parte de uma certa elite das ilhas congéneres em pretender
descolar-se de S. Vicente. Quase todos os problemas que afectam, por exemplo, S. Antão repercutem-se na outra, e vice-versa.
Todavia, acredito que chegará a altura certa para discutir uma integração regional
futura do conjunto S. Antão, S. Vicente e S. Nicolau. Penso que na área do
desenvolvimento portuário, aeroportuário, pesca, turismo, etc, estas ilhas não
podem estar cada uma por si, são complementares. Por exemplo, é impossível
falar dos portos ou aeroportos nestas ilhas sem falar do papel do Porto Grande
ou do aeroporto de S. Pedro no conjunto, pelo que sou favorável ao incentivo de
políticas integradas e sinergéticas. Daí que defendo ser necessário encontrar
parcerias muito fortes e projectos de valor acrescentado que possam integrar as
economias das regiões do Norte de Cabo Verde, reequacionadas, obviamente, no
todo que é Cabo-Verde.
P-Como
é que antevê Cabo Verde num pós Regionalização?
Bom, é claro que um dos principais
objectivos do nosso movimento é a regionalização, processo a que associamos uma
necessária reforma do Estado. Preocupa-nos muito S. Vicente actualmente, mas
sobremaneira Cabo Verde, pelo que a nossa ideia é que este movimento de
cidadania promova uma reflexão profunda sobre o país, o seu desenvolvimento, o
seu futuro, transformando assim num movimento em prol de uma ampla reforma
política, económica e cultural do país. Como sabemos todos, o ciclo das ajudas
ao desenvolvimento acabou ou tem os dias contados, que não se pode mais apostar
na ajuda externa e em donativos, visto que o país já é considerado pelo FMI e
por outras instâncias internacionais como de desenvolvimento médio. Estamos,
portanto, numa encruzilhada em Cabo
Verde. Não obstante este indicador favorável, temos de reconhecer a existência de muitos indicadores objectivos e
subjectivos que nos preocupam sobremaneira, que indiciam o fim de um ciclo (que
se iniciou nos anos 90) marcando uma certa estagnação do país, com problemas
sem fim à vista: crescimento da insegurança, urbanismo caótico e
desordenado, problemas básicos de infra-estrutura, carências crónicas de
energia e água, custos galopantes dos bens e serviços, desestruturação do modo
de vida tradicional do interior das ilhas, fuga do campo para a cidade,
migração económica das outras ilhas para a capital, situação de desemprego, etc. Estes sinais emitidos pelos citados
indicadores devem ser tomados em consideração e com muita seriedade, pois pode
colocar-se em causa a própria essência de Cabo Verde como país viável e
autónomo. Não basta pois ter um Cabo Verde
internacionalmente útil, que esteja presente nos diversos fóruns internacionais,
que tenha diplomatas por todos os cantos do mundo, ou que inclusivamente seja um
gendarme moral em África. De que serve um país viável nos fóruns
internacionalmente se internamente não se consegue resolver os seus problemas
básicos e dar esperança às populações? É extremamente importante que essa
utilidade se reverta para o bem-estar das suas populações, incluindo as elites.
Esta deve ser a máxima do país. Tem de se encontrar novas vias de
desenvolvimento, novas formas de financiar o desenvolvimento de Cabo Verde, e sobretudo
inserir o país na cena económica internacional, no mercado global. O Mundo em que estamos a entrar é muito
diferente do de há 10 anos, caracterizado pelo acesso ilimitado ao capital e
investimentos, os critérios de sustentabilidade económica vão ser determinantes
para o acesso aos famosos mercados (que já determinam “a chuva e o bom tempo”
nos países) e as economias vão ser avaliadas pela sua capacidade de exportar
produtos com alto valor acrescentado. Nós não estamos aqui a propor nenhuma
solução milagrosa na área económica, para resolver os problemas de Cabo Verde, mas,
a constatar uma realidade, a realçar factos e a suscitar uma reflexão sobre a
problemática do desenvolvimento do país. Penso que para além da reflexão sobre
a regionalização e a reforma do Estado, é preciso um novo projecto para o
desenvolvimento de Cabo Verde, que contempla todos os aspectos, sociais,
económicos e políticos, mas para isso todas as forças vivas do país e a sociedade
civil e política têm de contribuir num ambiente de diálogo. Este é um grande
desafio para Cabo Verde.
P-
Que papel jogará S. Vicente neste novo Cabo Verde? Haverá algum projecto para
S. Vicente?
Essencial. Terá de voltar a ser um pólo
importante de desenvolvimento do país, ser um dos motores económicos de Cabo
Verde. A paralisia da ilha é prejudicial ao país. Não se pode cortar mais as
pernas a S. Vicente. Queremos um S. Vicente forte e pujante. Queremos também que
Mindelo seja verdadeiramente a
capital cultural e intelectual do país. A afirmação actual de ela ser a capital
cultural de Cabo Verde é pura propaganda ou demagogia, pois S. Vicente já não é
capital de coisa nenhuma. É pura ilusão que vendem aos mindelenses, hoje
resignados com a sua condição. Como pode uma ilha depauperada de recursos
humanos e financeiros, sem poder de compra e de decisão, completamente
dependente dos ventos e humores da Praia, ser capital de qualquer coisa? É
ridículo. Para além disso, para ser capital da cultura teria de ter poder de decisão
sobre esta matéria, o que num país centralizado, como é Cabo-Verde, é
impossível. É questão para perguntar onde estão sediados o Ministério, as Secretarias
de Estado e os diferentes serviços com poder de decisão e execução na área da cultura.
Para que isso acontecesse, seria necessário disponibilizar meios humanos,
materiais e financeiros e dotar a cidade de uma autonomia alargada em matéria
de cultura, e ter pessoas competentes a coordenar tudo, não bastam boas
intenções. Mas, atenção, não é que defenda que é da burocracia ou de uma
concentração do respectivo aparelho de Estado em S. Vicente que a ilha retomará
o seu protagonismo na área da cultura. Embora a ambição de capital da cultura para
S. Vicente seja justa e louvável, acho que o que estamos a ambicionar e tentar
debater é algo mais abrangente, trata-se de um vasto projecto de viabilização política
e económica da ilha. Para isso, precisa-se encontrar uma nova vocação para S.
Vicente, um novo quadro político, socioeconómico e cultural e um novo projecto.
Pelo que no âmbito da reforma que propomos, defende-se que a ilha seja gerida
por um governo com poderes e responsabilidades, para que possa minimamente
programar e dinamizar o seu desenvolvimento, que possa ir buscar investimentos,
criar parcerias internacionais. É nesta perspectiva que defendo a implementação
imediata de um plano de emergência para a ilha, incluindo um forte investimento
financeiro (um plano financeiro de investimento plurianual ou um
contrato-programa especial) e humano (a ilha tem de readquirir parte da elite
social emigrada para a Praia e outros destinos e promover a emergência de novas
elites entre as gerações mais novas), para além de beneficiar da re-localização
da sede de algumas empresas do Estado e estrangeiras. Sem actividade do Estado
e de empresas, de modo a fazer circular pessoas e dinheiro, não haverá
recuperação socioeconómica possível. O Presidente da República, que já se manifestou
favorável à descentralização do país, deveria residir algum tempo em S. Vicente
(e também noutras ilhas), conviver com as pessoas e com os problemas das ilhas. Esta atitude vinda de cima criaria uma
dinâmica psicológica favorável à descentralização, e se trouxesse
consigo alguns serviços do Estado, tenho a certeza de que estes passariam a ser
vistos com outros olhos.
Face às estratégias de silêncio adoptadas
pelos partidos e pelo governo, é previsível que a implementação da regionalização do país venha a demorar mais tempo do
que o desejável ou que seja protelado pelas forças políticas. Face à necessidade urgente de iniciar o trabalho de recuperação
económica, cultural e política de S. Vicente, julgo que as principais forças
políticas e da sociedade civil poderiam acordar a instalação em S. Vicente de um
governo regional experimental e provisório, com poderes alargados. Esta iniciativa
poderia inclusivamente coincidir com uma experiência piloto de regionalização
em S. Vicente, como, segundo presumo, defende o Grupo de Reflexão no Mindelo. Volto a lembrar
que esta medida só podia ser provisória, pois considero que a regionalização
terá de funcionar em regime de democracia, ou seja, com órgãos regionais democraticamente eleitos pelas populações.
Tentar nomear, à presa e à revelia dos cidadãos, um Governador para S. Vicente,
a acreditar nos rumores que circulam, é um autêntico desprezo à ilha e aos
valores de democracia em vigor em Cabo Verde, só podendo ser interpretado como
um expediente para matar qualquer veleidade de um debate sobre as reformas que
propomos. Nenhum mindelense (ou não) que se preze devia aceitar esta proposta,
que neste presente contexto e nestas condições, é indecente.
Voltando ao aspecto
da Cultura em S. Vicente, acho que ela não se pode resumir ao Festival da Baía
das Gatas nem a festas ou bailes populares. A ilha deve tornar-se palco de
eventos culturais de âmbito ou repercussão internacional, assim se criem as
devidas condições. É preciso que a ilha S. Vicente encontre uma vocação
internacional, seja uma referência no Atlântico: Inseri-la nas grandes correntes internacionais, da música, das artes,
espectáculos, realização de congressos, etc, enfim, tudo o que move o
mundo hoje deve ser uma preocupação. Uma ilha cosmopolita, aberta ao mundo e que
contribua para a cultura e a civilização universais, num mundo que é hoje global
e em constante mutação. Acho, pois, essencial dinamizar a vida cultural
nocturna de S. Vicente, uma vez que detém um grande potencial económico e
cultural. Há toda uma economia a gerar nesta área. Os casos de Barcelona e de
outras cidades do Sul da Espanha e da Itália e da França são paradigmáticos de
como as cidades conseguem conciliar segurança nocturna e animação cultural
nocturna diversificada. Por outro lado, considero essencial investir no
património existente e na requalificação urbana da baixa do Mindelo (Centro
Histórico, a Praia de Bote, até a Praça Estrela, Avenida Marginal) com um
projecto de dimensão internacional. Tem de se apostar mais na formação técnica
e científica dos jovens, incentivando a implementação de escolas técnicas e de
ofícios do artesanato local, etc. Desenvolver um turismo de alta gama, sempre
integrado no plano de recuperação da Ilha. Investir, por exemplo, no mercado de
Turismo da 3ª Idade envolvendo a Diáspora, com casas para emigrantes e outras
oportunidades de desenvolvimento. Enfim há um conjunto de ideias que se podem
explorar para a recuperação da ilha
Estamos a falar de programas integrados
envolvendo um verdadeiro investimento na ilha, não de tostões mas de várias
dezenas de milhões de euros ou dólares, pois hoje em dia sem dinheiro, não
obstante haver boa vontade, não se pode fazer nada.
P-
Como vê os problemas de segurança no quadro desta visão inovadora para a Ilha?
R- A segurança em S. Vicente e em todo o
Cabo Verde deve ser uma prioridade. Imagina, já ninguém se aventura a sair de
casa a pé, à noitinha, para dar um passeio pela cidade, para o tradicional convívio
nocturno que era característico da ilha, pois os riscos são enormes, mesmo no
centro da cidade. Se existe uma
presença policial ela é invisível, é pelo menos a percepção que se tem (nesta área
a percepção é importante). Também temos de lembrar que a televisão contribuiu
para matar a vida nocturna, sobretudo quando não há outro estímulo lá fora. Uma
ilha como S. Vicente, que vive da cultura urbana e amanhã do turismo nacional
(diáspora, reformados) ou internacional, a não garantia da segurança corresponderá à “morte do artista”.
Com a miséria endémica (provocada pela situação desemprego ou subemprego
generalizado que caracteriza a ilha), que se entranhou no miolo da cidade/ilha,
uma indústria turística não devidamente
pensada e enquadrada poderá agravar a situação social, e portanto a segurança,
e ter efeitos devastadores na mesma. Pois, os pobres descerão à cidade à
procura de algo para sobreviver, e o turista simbolizando os ricos, a fonte de
dinheiros, poderá ser presa fácil. Portanto, trata-se de um problema complexo que
deve ser adequadamente equacionado: turismo e desenvolvimento. Porque, de
facto, o turismo, ao alavancar um certo desenvolvimento, poderá,
paradoxalmente, gerar “feed backs” negativos, sob a forma de miséria e
insegurança. Esta equação pode ser perigosa se não se houver políticas
integradas para a ilha, atentas à situação social.
Resumindo,
quais são os pontos que o vosso movimento e os grupos de dinamização pretendem
focar ou discutir com o governo?
Julgo que estamos em condições criar uma
frente alargada, capaz de negociar com o governo, caso esteja disposto a tal,
não somente a regionalização mas também um vasto conjunto de reformas do Estado
que irão no sentido da descentralização e democratização do país. Associar a regionalização de Cabo Verde à reforma do Estado é crucial para o
êxito daquela. A reforma do Estado deve ser uma ideia estruturante para o
sucesso da regionalização. Pois de nada serve a regionalização se aquilo que
está na raiz dos problemas e da situação do país e de S. Vicente se mantiver intacto.
Assim, para além da discussão propriamente sobre o modelo de regionalização e o
seu calendário de implementação, deve-se elencar um pacote de reformas para o
país. Temos um conjunto de ideias fortes sobre esta reforma que incluem a desconcentração
e a desburocratização da máquina do Estado, a distribuição dos órgãos de
soberania pelo arquipélago, nomeadamente a realocação noutras partes do
arquipélago de ministérios, serviços e
empresas. Tudo a saldar-se na criação de oportunidades e incentivos nas outras
ilhas periféricas, para fixação das populações e dos recursos humanos
necessários ao desenvolvimento integral e diversificado do país.
Porque o nosso objectivo não é resolver
exclusivamente os problemas de S. Vicente e fechar a ilha numa concha, mas o de
rasgar uma visão aberta, consubstanciada numa perspectiva mais alargada e de
longo prazo, antevendo o conjunto de reformas que deverão permitir um maior
progresso de Cabo Verde. No final, pretende-se o reforço da democracia e da
co-participação dos cidadãos em tudo o que se relacione com a vida pública.
P-
Que mensagem gostaria de enviar aos partidos e às elites?
R- A mensagem que gostaria de enviar aos
partidos é que facilitem a abertura ao diálogo em vista à regionalização. Têm
de aproveitar a oportunidade e a mão estendida por nós. Aproveitem também para
reformar ou reformatar os vossos partidos, pois a regionalização poderá ter
consequências na recomposição política do país. Aos nossos bravos em S. Vicente
envio-lhes uma mensagem de encorajamento, que se mantenham firmes e corajosos nesta
luta em prol da regionalização de Cabo Verde. Lembrem-se sempre do famoso discurso de coragem de Winston Churchill (“We shall defend our island (…); we shall
never surrender and even if, which I do not for a moment believe,
this Island or a large part of it were subjugated and starving, (….), would
carry on the struggle, until, in God’s good time, the New World, with all its power
and might, steps forth to the rescue and the liberation of the old.”( Winston
Churchill, discurso de Junho 4, 1940))(FIM).
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