QUANDO FIAT
LUX EM CABO VERDE: DO OBSCURANTISMO À CLARIDADE II
Uma
retrospectiva histórica (Outubro de 2016)
Em 2016 e 2017 comemoram-se várias efemérides, várias
datas e marcos importantes na História de Cabo Verde, quase todos tendo S.
Vicente como palco. Para os objectivos deste
artigo, vou cingir-me aos que
fazem parte da história mais recente mas que paulatinamente vai se distanciando
no tempo, contudo imperecíveis na nossa memória nostálgica: o 100º Aniversário
da introdução do Ensino Secundário (S.Vicente); o 150º Aniversário do Liceu-Seminário de S. Nicolau; o 80º
aniversário da revista Claridade, movimento literário autónomo; o 150º
aniversário do nascimento daquele que é considerado um génio da literatura, o
Eugénio Tavares; os 90 anos da electrificação de S. Vicente. São praticamente 150 anos, um curto período em que o
arquipélago, Cabo Verde, deu um salto para a modernidade.
Estes eventos, que podem parecer anódinos para o comum
dos cidadãos ou para um desconhecedor da história contemporânea de Cabo Verde,
fizeram, na realidade, transitar o arquipélago do estado de subdesenvolvimento
crónico, do obscurantismo e da escuridão nocturna, para um tempo de abertura à
cultura e à modernidade. A instalação, sob o impulso do Senador Vera Cruz, do primeiro
liceu oficial em S. Vicente,
substituindo o ensino secundário
religioso praticado no Seminário de S. Nicolau, é um evento cujo impacto sociocultural foi extraordinário tanto para S. Vicente como para todo o território.
Por outro lado, quando o arquipélago ainda estava imerso na escuridão nocturna,
Fiat
Lux (fez-se luz), graças ao empenho e empreendimento de Pedro Bonucci. Por fim, o movimento
Claridoso instala-se num ambiente cultural e Intelectual com o Liceu Gil Eanes
em pano de fundo, uma universidade ‘avant la lettre’
onde leccionava a fina flor de Cabo-Verde, pessoas de grande craveira moral e
intelectual, que hoje justificariam o estatuto de catedráticos. Este movimento
pretendia simplesmente colocar Cabo Verde no mapa da literatura, abordando
questões como a identidade cabo-verdiana e os problemas sociais e económicos do
arquipélago. A electrificação da cidade e o surgimento do movimento literário
são assim dois elos de uma conjugação simbólica, pelo que se pode dizer que Fiat Lux simultaneamente nas ruas e nos
espíritos. E a propagação da luz operou-se em todo o território, a partir do
ponto de irradiação que foi a ilha de S. Vicente. Em 2014, publiquei no Jornal
de São Nicolau o seguinte artigo: Do fim da Sociedade Escravocrata à Eclosão do
Cabo Verde Moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html), onde demonstrei como a história do arquipélago
mudou, quando em início do século XIX Portugal cedeu ao seu aliado britânico a ilha de S. Vicente, para estabelecer uma
base de comunicações e transporte marítimo no Atlântico Norte. S. Vicente era uma ilha perdida, quase inabitada,
situada no extremo norte de um arquipélago que o Tratado de Tordesilhas trouxe
para a História, mas que as
vicissitudes da própria História levariam a
que voltasse a perder-se por muito tempo na imensidão do Atlântico, fora do
mapa mundial. Mas em meados do século XIX ela converteu-se de repente num ponto
estratégico, num nó da densa rede ultramarina e colonial do Reino Unido. Cabo
Verde voltou, assim, à luz da ribalta, pelo efeito induzido da presença da
então primeira potência mundial, ganhando de novo uma importância
geoestratégica que tinha perdido havia séculos. Este evento teve no arquipélago
um impacto socioeconómico revolucionário, marcando a ruptura com a antiga
sociedade, estruturalmente tradicional e rural.
Sendo os ingleses praticamente senhores e donos da
ilha (indirectamente governavam, visando os seus interesses e objectivos), esta
deixou-se configurar nos moldes do modelo anglo-saxónico, formatando o próprio
traçado da cidade, tanto na definição do espaço edificado como na tipologia
habitacional. A própria população acabou por se tornar anglófila, a elite ganhando
tiques aristocráticos britânicos. Para além disso, onde se instalavam ingleses
prosperava a actividade económica, e não tardou que portugueses, italianos,
judeus, indianos, sírios, etc.,
fossem atraídos e se instalassem na cidade, ao passo que a população
trabalhadora (essencialmente camponesa e oriunda do arquipélago) acorria em
massa para o que representava um verdadeiro eldorado cabo-verdiano. Em S.
Vicente, o modelo britânico impulsiona o comércio, criam-se empresas de
serviços, nasce uma pequena burguesia e indústrias em torno das actividades
portuárias do Porto Grande, surgem sindicatos, grémios, rádios, e associações
diversas florescem, o que gera um clima de total liberdade, “sui generis”
no arquipélago e mesmo no espaço português. Generaliza-se a prática do
desporto: ginástica, atletismo, natação futebol, golfe, cricket, ténis etc.
Na prática, Cabo Verde estava cada vez mais a depender
do Reino Unido, tomado como modelo, para além da atracção e do fascínio natural
da elite local pela primeira potência mundial. Dava-se assim o nascimento de
uma micro-sociedade funcionando nos moldes e valores
ocidentais: uma sociedade cosmopolita, sofisticada, estratificada, e com todas
as contradições e consequências que daí podiam advir. Apesar da dependência
administrativa e política em relação à metrópole colonial, a hegemonia
britânica gerava um universo social onde coabitavam
as autoridades coloniais, a elite social e os interesses britânicos. Este caldo social, com o tempero da
liberdade, estará na origem de alguma reivindicação nativista e da aspiração de
uma maior autonomia em relação à metrópole colonial, a ilha tornando-se um
paradigma das lutas cívicas e democráticas. Haveria mesmo quem pensasse inclusivamente na separação em relação
a Portugal (a independência), já que o modelo clássico colonial de dependência
estava a ser posto em causa. Daí se pretender que já no início do século
germinava a ideia de que Cabo Verde deveria deixar de ser colónia para adquirir outro estatuto
mais condigno, tal como o deputado Adriano Duarte Silva viria a aspirar e a advogar
junto de Lisboa, nos anos 30 do século passado. É pois neste contexto que se
criaram as condições para o
nascimento em Mindelo do movimento literário e intelectual Claridoso. O que é que o jovem
guineense Cabral pensaria do Mindelo dos finais dos anos 30, aonde se tinha
deslocado para fazer o seu ensino liceal, numa ilha em pleno boom social
e económico, em tudo diferente da
desolação da Praia, de Bissau ou de Bafatá onde nascera?
Vejamos então:
“...........................................................................................................................
A evolução da sociedade
cabo-verdiana a partir dos meados do século XIX poderia ser a de um banal
arquipélago perdido no oceano, saído lentamente e dificilmente do período
escravocrata. Situar-se-ia do ponto de vista cultural e civilizacional muito
aquém de uma qualquer ilha tropical caribenha, ou pior, poderia ter um destino
bem triste, sem nenhum interesses económico nem estratégico, fechado
inexoravelmente em torno do seu umbigo ou totalmente dependente da assistência
da metrópole. Ascenderia talvez à independência em 1975, mas a sua história
poderia ser tão conflituosa como a de qualquer país africano.
Mas no século
XIX o mundo já tinha sido varrido pela avassaladora influência da revolução
francesa e americana e entrava na era da revolução industrial inglesa,
caracterizada por ideias liberais e por um capitalismo mercantil, dominado pelo
imperialismo britânico, que tentava a todo o custo de reforçar o seu poderio
mundial em detrimento das outras potências rivais, ganhando posições
geoestratégicas para assegurar a comunicação e a circulação dos bens essenciais
entre os diversos ponto do seu império.
É neste
contexto de afirmação do imperialismo britânico que S. Vicente/Mindelo surge na
cena de Cabo Verde e do Mundo, num momento histórico não muito distante da
abolição da escravatura no arquipélago......................................................................
...................................................................................................................................... In Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html”
19 de Outubro de 2016
José Fortes Lopes
Bibliografia
Do fim da sociedade escravocrata à eclosão do Cabo
Verde moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente:
http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html)
http://www1.umassd.edu/specialprograms/caboVerde/jewslobban.html
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