Poder
Local/Poder Regional na Encruzilhada da Regionalização
In Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA
Introdução
Antes de mais, tenho a dizer que tem sido um
grande prazer participar neste ciclo de Conferências intitulado Poder
Local/Poder Regional: Que perspectivas, impulsionado pela Presidência da República de Cabo Verde. Quero felicitar a mesma por esta iniciativa de trazer de volta à
sociedade civil um tema de extrema importância para Cabo Verde, que a classe
política deveria partilhar com a sociedade civil. Honra-me fazer parte do Painel de Reflexão desta quarta-feira. É também
um grande prazer estar entre vós e encontrar-me com amigos e conhecidos de
longa data, assim como trocar impressões diversas sobre o tema que aqui nos traz,
assim como tantos outros que esta oportunidade nos tem proporcionado. Começo por saudar todos os presentes nesta
sala e agradecer à Presidência da República de Cabo Verde pelo convite que me
foi dirigido (como elemento da Diáspora que aqui represento) para participar nestas
jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA, e, em particular, para
proferir uma palestra que será uma reflexão sobre um tema de extrema
importância para Cabo Verde, a questão do PODER
LOCAL/PODER REGIONAL. Por isso, intitulei-a Poder Local/Poder regional na
Encruzilhada da Regionalização, este novo poema que está de novo a mexer com o
imaginário cabo-verdiano, no sentido em que permite questionar se as coisas
podem ser feitas de modo diferente e quais as alternativas para a mudança que
importa empreender.
Esta comunicação está
dividida em 3 partes, uma 1ª parte intitulada
Considerações gerais sobre a problemática
da Regionalização, uma 2ª parte intitulada Diagnóstico da situação actual do país: A problemática do Centralismo
versus a Regionalização, e uma 3ª parte intitulada A Solução 3D para Cabo Verde: Descentralizar, Desburocratizar e
Democratizar Cabo Verde.
Trouxe comigo uma 4ª
Comunicação ( Ponderações sobre o modelo
de região administrativa mais adequado para Cabo Verde. O modelo Ilha-Região
versus Agrupamentos de Ilhas), da autoria do companheiro Adriano Miranda
Lima, que infelizmente, por razões pessoais e familiares, não pode estar
fisicamente aqui, mas está connosco em espírito. São excertos de uma opinião
defendida por ele em diversos artigos de opinião, sobre o que ele julga ser o
melhor modelo de região mais conveniente para o país, que se traduz numa
dialéctica entre a região-ilha e a região-ilhas. São 2 páginas, mas são ideias
relevantes e bastante importantes para o debate Poder Local/Poder: Que
perspectivas? Tanto mais que a intervenção de segunda-feira do Dr. Rui Moreira
veio dar-lhe razão, pois trouxe novas ideias, tais como a de se poder construir
a Regionalização em várias etapas e à geometria variável, começando por exemplo,
com experiências piloto, uma tese defendida inicialmente por alguns
regionalistas em S. Vicente. Também sugeriu que podemos adoptar vários modelos,
dependente da dimensão de cada ilha. Tanto o modelo supramunicipal ‘tout court’,
ilha-região ou o agrupamento de ilhas, ou até mesmo o modelo Barlavento/Sotavento
podem ser experiências válidas. Por isso, acho que esta comunicação foi muito
importante, veio trazer mais e variadas luzes. Seguem as quatro comunicações
inseridas nas Jornadas da SEMANA DA REPÚBLICA
1-
Considerações gerais sobre a problemática da Regionalização. In Jornadas da
SEMANA DA REPÚBLICA
O tema da regionalização surgiu nos
anos 90 do século passado com o advento da democracia e o seu porta-estandarte
foi um ex-diasporizado, o Dr. Onésimo Silveira. Mas há quem diga que este
debate data dos anos 60, como o Presidente da República lembrou-nos na sua
intervenção na segunda-feira passada. Por isso, ninguém pode ter a pretensão de
reclamar o monopólio do debate, pelo que é altura de outros a ele se associarem,
nomeadamente os naturais da ilha se Santiago, que acredito vão beneficiar grandemente
com a Regionalização. Talvez possam assim aperceber-se com mais nitidez dos
problemas e dos custos sociais que o Centralismo acarretou para a própria ilha.
Mas se o debate tem hoje o seu substrato anímico radicado em Cabo Verde, como aliás
era fatal que acontecesse, é preciso não esquecer o papel fundamental e
contributivo de um pequeno núcleo duro da Diáspora, a que tenho a honra de
pertencer, que acabou por se intitulou “Grupo
de Reflexão da Diáspora”, integrado num vasto e transversal “Movimento para a Regionalização de Cabo
Verde” que em Mindelo se apelida de “Grupo
de Reflexão da Regionalização de Cabo Verde”. O manifesto fundador deste
processo nasceu no seio desse Grupo da Diáspora em 2010, e em finais do mesmo
ano surgia o tal movimento cívico em Mindelo. O núcleo duro da Diáspora já
vinha, no entanto, intervindo em diversas questões da vida colectiva, como as problemáticas
do património, da língua e da preservação dos nossos valores identitários e
globais, entre outras. A necessidade de aquele grupo se transformar num
movimento regionalista surgiu de modo natural, pois estava inscrito na dinâmica
da sua acção pelos temas que abordava, alguns de cariz essencialmente regional.
Nesta conformidade, justo é reconhecer que esse grupo deu uma contribuição determinante
para o debate sobre a descentralização de Cabo Verde, produzindo no espaço de
uma década várias dezenas de artigos, grande parte deles compilados nos livros da
nossa co-autoria “Os Caminhos da Regionalização”, de 2013, e “Na Encruzilhada da Regionalização Rumo à
Descentralização”, este lançado em Cabo Verde em Julho de 2017. O objectivo
foi diagnosticar e analisar a problemática do centralismo em Cabo Verde e
propor soluções possíveis para um processo de descentralização do poder
conducente a uma regionalização do país. Por isso, manifesto o meu repúdio
total em relação àqueles (uma certa elite) que hoje em Cabo Verde tentam
oportunisticamente denegrir, menosprezar e minimizar o papel da Diáspora na
redinamização deste debate, que afinal não é nosso, mas de todo o país.
Antes de entrar no cerne do debate, e
para o enquadrar, regozijemo-nos com o reconhecer que as iniciativas da
cidadania sobre a temática da regionalização produziram eco na opinião pública
e na esfera política, tanto que o MpD apresentou há meses ao país uma proposta
de projecto de lei sobre a regionalização, com vista à sua “socialização”,
antes de ser submetida à discussão no Parlamento brevemente (Março de 2018). O
PAICV apresentou igualmente uma sua proposta nas mesmas circunstâncias.
O que é importante
desde já assinalar é que ambos os partidos parecem unânimes em preferir o
modelo região-ilha como o mais adequado ao país, embora se considere que muita
pedra ainda vai ser partida até à decisão definitiva sobre a matéria, como
vimos nos debates em curso, pelo que o modelo definitivo pode ainda não estar
fechado.
É, pois, com muita satisfação que
participo nestas jornadas e neste debate. Tudo acontece num contexto particular
(talvez charneira e de transição) em que o processo de
regionalização/descentralização de Cabo Verde parece ter ganhado um novo fôlego
e outra dinâmica, com o aparecimento ou o ressurgimento de uma cidadania mais activa,
embora ainda localizada no Mindelo, e que renasce das cinzas ou de um coma
artificial. De facto, Cabo Verde, com especial incidência na ilha de S.
Vicente, é de novo palco de movimentos cívicos, abrangendo várias temáticas,
que vão da regionalização a questões transversais à sociedade e ao mundo. A
existência no chão de S. Vicente de dois Movimentos, o “Grupo de Reflexão da
Regionalização de Cabo Verde” e o Movimento Sokol2017, é uma prova cabal dessa
realidade.
Tudo leva a crer que estamos perante
uma nova encruzilhada, face a um processo irreversível que porá fim ao centralismo,
rumo à regionalização e à descentralização do poder em Cabo Verde, abrindo uma
nova era para uma democracia mais participativa. Alguns já afirmam mesmo que
estamos perante o advento da Terceira
República, tendo em vista o alcance e a amplitude de um conjunto de
reformas que são exigíveis e incontornáveis para a sustentabilidade económica de
Cabo Verde e que deverão certamente mexer com o sistema. Estamos, pois, perante
um desafio que nos impõe uma reflexão global sobre os caminhos do futuro,
aquilo a que eu chamaria um “brainstorming” sobre o “Repensar Cabo Verde” e em
que se perfilam estas duas questões basilares: Como romper com o actual modelo
Centralista? Que Regionalização para Cabo Verde? Quais são os ‘timings’ e as
modalidades? Há urgência ou temos de parar para pensar juntos, como temos feito
durante estes dias? (Continua com 2ª
Parte-Diagnóstico da situação actual do país: A problemática do Centralismo
versus a Regionalização)
Praia, 17 de Janeiro de
2018
José Fortes Lopes
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