de Adriano Miranda Lima
No meu artigo intitulado “PONDERAÇÕES SOBRE O MODELO DE REGIÃO ADMINISTRATVA MAIS INDICADO PARA CABO VERDE” (1), procurei anotar as diferenças mais salientes entre os dois modelos possíveis − região-ilha e região-ilhas − demonstrando que o primeiro é reflexo do determinismo geográfico da escola germânica, traduzindo uma visão estática e condicionada pelo meio físico. De forma simplificada e minimalista, porventura inadvertida, esse modelo concebe que cada ilha, de per si, pode constituir-se em unidade regional, independentemente de possuir ou não condições objectivas e funcionais para realizar o processo de desenvolvimento que é o escopo da regionalização.
Quem alinha com essa opção não parece relevar que o determinismo geográfico na organização do espaço foi posto em causa pelo “possibilismo”, de autoria francesa, cujo percursor foi Vidal de la Blache. E desvaloriza também que uma concepção ainda mais inovadora, defendida por Paul Claval, André Cholley e Jacques May, viria a conferir maior amplitude e flexibilidade ao plano conceptual, destacando o papel do homem como agente modelador da paisagem, atento aos desafios crescentes da modernidade, com o desenvolvimento impulsionado pela dinâmica do processo de industrialização, pela acção directriz dos centros urbanos e pelo incremento dos transportes e comunicações. Os espaços passaram a interligar-se mais intimamente e a reduzir distâncias, diluindo-se as fronteiras físicas, mas sobretudo as psicológicas, num processo de aglutinação, como nunca antes o fora.
Por isso é que o modelo região-ilhas representa, em minha opinião, uma visão mais alargada e expansiva, explorando todas as variáveis que exponenciem a dimensão da unidade regional. Trata-se de um pensamento mais evoluído e respaldado numa maior interacção dos factores geográficos, demográficos, sociais, económicos e culturais. Na verdade, o desenvolvimento hodierno assenta na mobilização e coordenação das potencialidades locais, dos recursos endógenos e dos equipamentos e infra-estruturas, fomentando a solidariedade e sinergia entre os espaços contíguos, em ordem a uma maior potenciação dos factores de um desenvolvimento integrado.
Antes de mais, importa frisar que a necessidade desta reforma resultou do confronto com duas realidades conjugadas, faces da mesma moeda falsificada: a concentração de toda a estrutura do Estado na ilha de Santiago; o centralismo político. Ambos são consequência de uma mesma estratégia política que, no plano interno, se coseu cautelosamente com as linhas da ortodoxia marxista-leninista. Não fora isso, o mais certo seria não estarmos hoje pendentes de uma reforma que elimine os malefícios do centralismo e reponha o equilíbrio territorial, mercê do reforço da democracia participativa, da descentralização do poder, da redução da burocracia e da distribuição mais equilibrada e mais harmoniosa dos recursos. De pouco ou nada valerá a regionalização se não atingir esse desiderato.
Ora, o modelo região-ilha, a ser implementado, pode vir a revelar-se uma espécie de presente envenenado, caso os cabo-verdianos das ilhas da periferia não acordem a tempo de reconhecer a impossibilidade de ilhas despojadas de massa crítica, como é o caso da maioria, constituírem colectividades regionais credíveis e capazes de operar o desenvolvimento que almejam. Se não quebrarem as grades do seu isolacionismo, se não valorizarem as vantagens de uma criteriosa agregação de forças endógenas vizinhas para a constituição de um modelo regional mais abrangente, as ilhas da periferia irão, inconscientemente, passar um atestado de longevidade ao centralismo político. Reivindicações descabidas, como essa da construção de um aeroporto internacional no Porto Novo/S. Antão, praticamente colado ao de S. Vicente, mostram, entre outras exteriorizações subliminares, que o modelo região-ilha irá sucumbir por autofagia, mesmo que à partida lhe assegurem umas muletas para dar os primeiros passos.
Mais do que formatar unidades regionais e conferir-lhes um estatuto jurídico, a regionalização é sobretudo uma via para promover transformações que valorizem o território e alavanquem o progresso. Temos de inventariar soluções justas para corrigir desequilíbrios regionais com causas estruturais remotas e que não se resolveram com as políticas centralistas e concentracionárias. A metodologia do planeamento tem de olhar para a realidade concreta de cada ilha, antes de conceber a delimitação articulada do território. Independentemente da extensão de cada parcela insular, importa quantificar valores estatísticos como a população, o PIB, a infra-estruturação económica, os índices de escolaridade, de formação profissional, de inovação e criatividade local, as potencialidades nos diversos sectores da economia, os transportes e as comunicações, etc. A análise e o estudo terão de privilegiar um olhar objectivo sobre as escalas comparativas dos diversos dados em presença, em ordem a um olhar prospectivo sobre a relação entre as unidades regionais arquitectadas e a sua real capacidade para lograr os objectivos de desenvolvimento.
Por não acreditar nas virtudes do modelo região-ilha é que defendo, como sempre o fiz, que a solução mais aconselhável, por mais consistente e até mais económica, é o agrupamento de ilhas afins. Várias hipóteses de associação são possíveis, mas há uma que desde logo parece óbvia e natural. É uma Região Noroeste, integrando Santo
Antão, São Vicente, Santa Luzia e São Nicolau. Com o mesmo critério se conceberá uma Região Leste (Sal, Boavista e Maio), uma Região de Santiago e uma Região Sudoeste (Fogo e Brava).
A Região Noroeste tem condições singulares para se afirmar no contexto nacional, por dotada de potencialidades naturais e ter o seu polo mais forte na segunda ilha mais importante do país. Do ponto de vista histórico, cultural e sentimental, diria que as três ilhas são irmãs naturais. As suas populações são semelhantes na morfologia étnica, no imaginário e na idiossincrasia, e até mesmo na expressão linguística. Complementando-se, têm condições para potenciar um desenvolvimento integral e comum, reabrindo o caminho para o progresso.
Contudo, há vozes dissonantes ou simplesmente reticentes acerca desta associação, invocando o risco de São Vicente vir a ser uma réplica barlavense de uma Santiago/ Praia centralizadora e concentracionária, pela probabilidade de descurar um desenvolvimento igualitário, focalizando-se mais nos seus próprios problemas. Rejeito essa visão negativista e suspeitosa e a própria história comprova a tese contrária, se a ideia passa por admitir que o objectivo desta colectividade regional será exclusivamente a ilha de S. Vicente. Não há razão para tal receio. Poucos são os naturais de S. Vicente que não tenham uma relação parental com naturais das duas ilhas mais próximas. Na cidade do Mindelo sempre se notabilizaram ilustres intelectuais e figuras públicas que não necessitaram de nascer em S. Vicente para exercer o seu protagonismo cívico, cultural, científico ou político. Seria ocioso citar nomes. A liderança da Região Noroeste pode ser exercida por naturais de qualquer das ilhas, porque elas são a casa comum dos “noroestinos”. Existe efectivamente uma contiguidade histórica e bio-psíquica entre estas ilhas, e isso tem de funcionar como antídoto para os casos isolados de introspecção divisionista ou de nativismo ou egotismo exacerbados. São casos espúrios que não podem toldar a clarividência.
Por condicionamento de espaço, este artigo será concluído proximamente.
(1) Publicado neste jornal em Abril do corrente.
Tomar, Junho de 2017
Adriano Miranda Lima
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