ADECHE!
FALOU EM DESCONCENTRAÇÃO?
Não deve ter-me
entendido, caro amigo. Falava de descentralização,
a pensar na regionalização, dado que
a desconcentração de departamentos e
serviços públicos, existente entre nós, é uma modalidade travestida de
descentralização, engendrada pelo centralismo, para ludibriar o pagode, dado
esses serviços não conterem gente eleita pela população, mas nomeada pelo poder
central. Refiro-me em artigos, bastas vezes, em primeiro lugar, à descentralização
por a regionalização ser uma consequência dela. Nunca é demasiado falar numa,
como noutra, por nos parecer ser uma boa estratégia para o país poder sair do
marasmo em que se encontra. O Movimento
para a Regionalização, Descentralização e Autonomia de Cabo Verde, com o
apoio do grupo dinamizador de S. Vicente, de individualidades de outras ilhas e
da diáspora, além do aval do Presidente da República e, tardio, do
Primeiro-Ministro, quanto ao estudo da regionalização, não irá calar-se, nem
desanimar com o silêncio do Governo que tarda em constituir, ou criar as
condições para a formação de uma comissão
pluridisciplinar e multissectorial para o estudo da regionalização. Só
depois do seu estudo aprofundado e minucioso, que poderá, inclusive, contar com
o apoio financeiro e técnico de alguns países amigos com experiência na
matéria, é que se poderá concluir se convém, ou não ao país; convindo - como
estamos convencidos -, proceder-se-ia à sua apresentação à Assembleia Nacional para
discussão, adaptação da nossa constituição, criando-se legislação pertinente
para a sua execução; muito provavelmente será ensaiada numa, ou duas ilhas,
antes de alargada a todo o país. Obviamente que o seu estudo não demorará dias
ou poucas semanas, razão por que todo o tempo perdido com a hesitação (tactica?)
do Governo é prejudicial.
A nossa constituição não é avessa à
descentralização, nem mesmo, por este motivo, à regionalização. Só há que
adaptá-la (revê-la) a essa melhoria. Talleyrand, esse monstro da política e
jurista, que conseguiu passar incólume da Monarquia Absoluta à Revolução
Francesa e República, ensinou, friamente, que não é de legalidade que se trata
em situações desse tipo, até porque os preceitos constitucionais costumam
ter a elasticidade suficiente para consagrarem o que a necessidade exige (o
sublinhado é meu). Também Stuart Mill escreveu, há cerca de um século, que “a
constituição não existe para benefício dos partidos nem dos governos, mas dos
cidadãos” (sublinhado meu). Esperamos que as liberdades e benefícios que a
constituição consigna não venham a ser minimizados ou destruídos, como muitas
vezes acontece, pela sua própria regulamentação. Assistir-nos-ia, nessa
eventualidade, como cidadãos de pleno direito, o direito a convocar a
indignação contra a “apagada e vil tristeza” que se atravessou entre algumas
ilhas e o futuro da nossa terra e a morosidade de medidas pertinentes visando a
sua resolução.
A
descentralização e a regionalização de poderes delegados pelo poder central seriam
muito favoráveis ao país por permitir simplificar a administração do Estado,
eliminar a burocracia e revitalizar o poder local; a sociedade civil e a
opinião pública estariam também em condições de criar órgãos próprios e
independentes do poder governamental, mas benéficos a este. Ajudaria,
igualmente, pela valorização da experiência, honestidade e competência, nos
concursos e eleições para certos cargos, a libertar de cargos públicos as clientelas
partidárias e políticas incompetentes, parasitárias, oportunistas ou desonestas.
Não há dúvida de
que somente na ousadia e na inovação, nas mudanças e reformas é que encontramos
a verdadeira segurança e progresso.
O Movimento aceita todas as pessoas,
independentemente das suas filiações partidárias, mas como cidadãos e não como militantes
activos de partidos e suas quintas colunas, cidadãos amantes da sua terra e que
a querem ver progredir ainda mais, poupando-a à acção nefasta de alguns que
instalaram na nossa sociedade um estranho clima de impunidade que leva os
detentores de cargos públicos a passarem por cidadãos acima de qualquer
suspeita, indiferentes à crítica e como donos da verdade. Inclui-se e conta-se no
Movimento com gente que partilha a
aventura criadora, gente que não esquece as raízes – aí está o grosso da nossa
diáspora -, gente de exigência ética e moral, gente solidária, gente que faz
dos seus dias um alfabeto de esperança. Cremos e queremos ver beneficiar do
direito inalienável de todos os cidadãos deverem usufruir de esclarecimentos,
objectivamente, sobre os actos do Estado e de mais autoridades públicas,
cabendo aos funcionários públicos e outros detentores do poder satisfazer esse
direito dos cidadãos, como obrigação a cumprir com orgulho e satisfação.
Com essas
convicções e boa-fé, esperamos que o Governo acene favoravelmente ao Movimento com
a constituição da comissão de estudo proposta que propusemos, há cerca de um
ano, e não nos venha com evasivas ou alternativas pouco curiais, como, por
exemplo, a noticiada pelo jornal nacional A
Nação de “o PAICV, enquanto Partido do Governo, admite recorrer a um
referendo nacional sobre a regionalização”. […] “O assunto encontra-se sobre a
mesa há vários anos, sendo inúmeras as pressões para a sua adopção no país”. A
nós parece-nos uma má via, e um meio enviesado, por os referendos se destinarem
a matérias altamente controversas, intensamente discutidas e esclarecidas após
mobilização, de forma séria, da sociedade em torno do debate – o que não é o que
se passa entre nós relativamente à regionalização – funcionando como arma de
último recurso, uma autêntica bomba atómica atirada, no nosso caso, sobre
inocentes, isto é, sobre cidadãos ainda muito mal informados e esclarecidos.
Parede, Janeiro de 2013 Arsénio Fermino de Pina
(Pediatra e
sócio honorário da Adeco)
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