Porquê S. Vicente
sempre esteve no epicentro de mudanças em Cabo Verde?
Neste
artigo tentarei explicar as razões que levam os mindelenses a protagonizar a
batalha da Regionalização. Reconheço que, hoje em dia e na actual conjuntura,
falar de S. Vicente é problemático, quase um tabu, desencadeia paixões, tal é
sensibilidade à flor da pele relativamente a esta questão. A ilha está no
centro da contenda do centralismo e da problemática da Regionalização, a ponto de
o assunto se ter tornado matéria politicamente quente despoletando acesas
discussões no parlamento. Hoje é facilmente conotado como bairrista,
separatista, inimigo do povo etc, visto com desconfiança por uma certa elite no
poder, quem ousa levantar alguma questão sobre o estado da ilha e os problemas
do centralismo. Existe uma corrente em Cabo Verde que se esforça por banalizar
a ilha, transformá-la numa qualquer realidade insular do país, e relegar a sua
cidade para o nível de uma qualquer cidade periférica de Cabo Verde. Mas S.
Vicente não é uma ilha qualquer e a sua cidade não é uma qualquer e exige o
direito à diferença.
Este
trabalho pretende ser um subsídio à história da ilha, de modo a melhor
enquadrar e perceber o sentido do combate que nos anima hoje em prol da Regionalização,
cientes de que qualquer solução positiva para S. Vicente será benéfica para as
outras ilhas e proveitosa para o conjunto de Cabo Verde. S. Vicente aposta na
Regionalização como uma saída para o atoleiro em que se encontra.
É
inegável que S. Vicente tornou-se, mais uma vez, no epicentro da contestação democrática
em Cabo Verde. Desta vez, o actual sistema centralista cabo-verdiano está na
mira, posta causa pelos efeitos desastrosos que vem provocando no ecossistema
social e económico de uma ilha tão importante para Cabo Verde como S. Vicente.
Temos hoje um partido, PAICV, isolado e agarrado à ideia do centralismo a todo
o custo, como sendo a trave mestra do regime cabo-verdiano e tem ignorado todos
e incessantes apelos de vários quadrantes da sociedade civil e política ao diálogo
sobre a questão da Regionalização. Num momento em que se comemora o 38º
aniversário da independência de Cabo Verde e se começa a escrever a história do
país, nunca é demais lembrar ao PAIGC, que alega ser o libertador Cabo Verde do
jugo do colonialismo português, que foi precisamente através de S. Vicente e
graças à ilha, ao esforço zeloso da sua população, que este partido entrou timidamente
em Cabo Verde para depois se instalar confortavelmente no poder. Nunca se pode
esquecer as grandes manifestações no Mindelo em favor da Independência e de
apoio ao PAIGC, assim como o episódio da tomada da Rádio Barlavento em Novembro
de 1974, logo re-baptizada como Rádio Voz de S. Vicente. Nunca é demais lembrar
que estes episódios, hoje subvalorizados senão ignorados pela ideologia
fundamentalista dominate actualmente naquele partido, por contrariarem algumas
teses atinentes ao seu presumido messianismo histórico, constituíram páginas
importantes da história de Cabo Verde, com consequências determinantes para o
nosso destino colectivo. A população mindelense ‘em peso?’ defendeu afincadamente
a ocupação da Rádio Barlavento, permitindo que ela passasse definitivamente para
o campo do PAIGC, um elemento fundamental e chave para irradiar a propaganda
deste partido para todo o país, na medida em que a população era ou pouco
instruída ou semi-analfabeta. Todavia, se a tomada da rádio foi, na aparência, um
acto espontâneo e inscrito num momento de exaltação, seria ingénuo ignorar que
ela foi teleguiada e não tinha outro propósito senão matar à nascença a
pluralidade democrática e eliminar a hipótese de qualquer debate sobre os
destinos de Cabo Verde ou o regime a implantar no pós-independência. Finalmente,
passados alguns anos, a Rádio Voz de S. Vicente acabou por ser extinta, engolida
pela Rádio Nacional, criada para ser um órgão de propaganda centralizado do
novo regime, uma das primeiras manifestações de centralismo e antecâmara da morte
anunciada da cultura e da intelectualidade mindelenses. A partir daí, S.
Vicente começou a funcionar em monocórdio e a afundar-se culturalmente,
processo acelerado pelo êxodo das elites sociais que não aceitaram uma
convivência malsã com o novo regime político, onde se inclui claridosos, opositores
ou detractores do antigo regime. Nada
aqui a contestar quanto à luta vitoriosa do PAIGC na Guiné-Bissau sob a égide
de Amilcar Cabral. É claro que estamos todos de acordo que sem os movimentos de
libertação e as suas lutas desencadeadas nos três teatros de operações, o
regime salazarista-caetanista não teria caído e a independência das ex-colónias
portuguesas seria certamente postergada para um ‘timing’ diferente. Isto é claro
como água, facto reconhecido à época pelos responsáveis políticos e militares
portugueses, ou não constituísse a situação das colónias a causa principal da
Revolução de 25 de Abril. De resto, se tanto a historiografia portuguesa como a
universal hoje o consagram, que mais se poderia dizer?
Mas
o papel decisivo da luta pela independência em terreno cabo-verdiano no pós-25
de Abril tem sido por demais menosprezado e negligenciado por uma elite que perfilha
uma leitura messiânica da história de Cabo Verde, por sinal a mesma que se nos
opõe hoje na luta pela Regionalização, por considerar-se dona da verdade e
portadora de uma legitimidade histórica inquestionável. Foi pois a partir de S.
Vicente que o PAIGC se implantou e ganhou um forte impulso político para se
disseminar para o resto país, não obstante a oposição inicial a este partido que
desde logo despontou do Cabo Verde profundo, mal se evidenciaram os primeiros
sinais da sua tendência totalitária e da sua pretensão hegemónica. Nada mais
falso seria falar de um levantamento popular generalizado em Cabo Verde contra
o domínio colonial português, como convém a algumas teses. O PAIGC foi inclusivamente
recebido inicialmente com alguma desconfiança em 1974-1975 pela população mais
sofrida de Cabo Verde, em nome da qual invocava o penhor da sua luta nas matas
da Guiné. Contudo, se a alusão a levantamento popular concita algum significado,
isso poderá ter acontecido na ‘privilegiada’ ilha de S. Vicente. Numa visão
marxista, a ilha seria a única a ter condições em Cabo Verde para sustentar uma
revolução socialista em Cabo Verde, mas paradoxalmente poderia ser a primeira a
cair no campo da contra-revolução e ameaçar um futuro poder marxista, por reverso
do mesmo determinismo histórico.
Esta
dialéctica foi logo cedo percebida pelos então líderes do PAIGC e futuros dirigentes
de Cabo Verde, que prontamente se refugiram na Praia, e com eles toda a nova
elite, acolitando-se na sede do antigo governo colonial, onde trataram de
arrumar a seu bel-prazer os salvados deixados pelos portugueses e urdir as
estratégias da nova dominação política e consolidação do poder. Esta seria a
génese do fenómeno do centralismo de que sofre Cabo Verde, um grave defeito de concepção
inicial com a assinatura indelével do PAIGC e a colaboração activa de muitos
mindelenses.
A
população mindelense sentiu-se assim desde cedo abandonada, traída,
vilipendiada no fundo da sua alma. Com justa razão, porque a ilha, através das
suas elites sociais, e no decurso da sua história contemporânea, foi sempre a
voz que se fez ouvir para reclamar mais autonomia da colónia aos poderes centrais
de Lisboa, nomeadamente durante o regime ditatorial de Salazar. Foi a elite
social polarizada em S. Vicente que inspirou e estribou a acção do deputado
Adriano Duarte Silva quando exigiu maior atenção para com os problemas da
colónia e a não aplicação do estatuto de indigenato e outros estatutos humilhantes
e vexatórios para a sua população. Os registos das suas intervenções de 1930
até à data da sua morte atestam isso mesmo e ficam para a história como
testemunho de quem, corajosamente, não se calou perante o arbítrio (ver os
registos dos discursos na AN(1)). E foi o mesmo que teve a coragem de reclamar
o estatuto de adjacência em vez de colónia, para isso batendo até ao fim da sua
vida. Paradoxalmente, Adriano Duarte Silva morreu (1961) numa altura em que
Amilcar Cabral, seu aluno no Liceu Gil Eanes, já defendia com armas na mão
outro poema, a independência das colónias africanas portuguesas, tornando
caduca qualquer outra hipótese de estatuto favorável para Cabo Verde no quadro
português e contribuindo para o crepúsculo de um império colonial de quinhentos
anos.
Não
é possível perceber a história de S. Vicente, e a geral de Cabo Verde, sem a
interligar com a história da expansão do império britânico no Séc. XIX em
África. É pois o Porto Grande e a configuração geográfica particular de S.
Vicente que mais atraíram os britânicos. De resto, não é exagero afirmar que ilha
de S. Vicente é de certa maneira uma criação britânica, à qual se juntaram portugueses
e cabo-verdianos, com a sua economia a nascer assim na dependência directa do
sistema britânico. A ilha e a cidade foram desenhadas para serem um entreposto
britânico, para o abastecimento das suas embarcações, assim como para as
comunicações transatlânticas. Nela se instalaram inúmeros britânicos e a ela
confluíram populações oriundas de vários pontos do arquipélago e de todos os
estratos sociais, atraídas pelo ‘boom económico’ da ilha, com foros de um
desafio que vinha quebrar a pastosa monotonia em que o território se encontrava
mergulhado. A população, bem ou mal, convivia com estes novos “colonos” europeus,
nas companhias carvoeiras, nas oficinas, nos serviços, no desporto, nas festas,
etc, e a elite mindelense acabou por adoptar hábitos britânicos, como o chá das
16 horas e a confecção do famoso “english puding”, o bolo escuro britânico para
as grandes cerimónias. Todavia, a glória e as desgraças desta ilha-cidade
estariam intimamente ligadas à evolução e ao destino do Porto Grande após a
partida dos britânicos. Muito se reclamou pela construção de um cais acostável
para aumentar a competitividade da ilha. A sua construção viria a
concretizar-se, sim, mas tardiamente. Graças à tenacidade e à pugnacidade de
Adriano Duarte Silva, que lutou durante décadas (anos 50 e 60 do século
passado) com unhas e dentes para convencer o regime de Lisboa da necessidade
urgente da obra para o futuro da ilha, o regime teve de ceder. Este projecto de
toda uma vida veio a concluir-se no mesmo ano da sua morte. Mas, hélas, os
britânicos estavam de partida e os espanhóis e os franceses investiam em força,
respectivamente, nas Canárias e em Dakar, desclassificando irremediavelmente essa
obra, que foi por assim dizer um nado-morto: o Porto Grande estava condenado à
morte súbita, sem perspectivas no mundo novo que se desabrochava e em que
Portugal se isolava cada vez mais. Mesmo assim, o Porto Grande e o seu cais viriam
a preencher um papel importante no arquipélago, dando maior amplitude de
condições ao trânsito e movimento de pessoas, bens e mercadorias essenciais dentro
do e para o arquipélago, servindo assim a sua população e constituindo a porta
de Cabo Verde para o mundo, o caminho para o exílio ou para a emigração.
S.
Vicente gozou assim de um certo estatuto especial no quadro do império
português, que não era dádiva nenhuma da metrópole, como alguns afirmam, mas uma
conquista ganha pelo suor dos seus habitantes e viabilizada pelos índices de
civilização nela atingidos, devido à sua abertura ao mundo, numa clara afirmação
do seu espírito inconformista e empreendedor. É precisamente este contexto, valorizado
por uma franca e profícua abertura à diáspora, que permitiu constituir, para a
época, uma elite bastante evoluída, bem formada e informada de tudo o que se
passava no mundo. Numa altura em que a antiga metrópole se fechava, congelada
no tempo pelo peso da ditadura e do imobilismo social e político, a cidade do
Mindelo, não obstante a exiguidade do território e do meio, e os índices de pobreza
endémica na ilha, levava avanço nalguns aspectos, fruto da forte influência
britânica, nomeadamente no que concerne à adopção de posturas de modernidade, consubstanciadas
numa maior abertura de espírito e numa convivência pautada por uma
interiorização dos valores da liberdade, pouco comum quer no arquipélago quer
no império. É assim que a ilha
possuía sindicatos, grémios, associações, clubes, rádios privadas, livrarias,
bibliotecas, bares, pubs, como em qualquer das grandes cidades no mundo. Não é
por acaso que foi nesta ilha que, em 1936, nasceu o Movimento Claridoso (Baltazar
Lopes, Manuel Lopes, Jorge Barbosa e outros), cujos elementos desafiaram
dissimuladamente ou encobertamente o autoritarismo de Lisboa e corporizaram a resistência
intelectual da ilha. Por isso,
muitos questionam hoje se Amilcar Cabral não terá começado a forjar a sua consciencialização
política na ilha e inspirado a sua luta contra o domínio português no ambiente
intelectual da ilha de S. Vicente e do seu Liceu dos anos 40. Não foi por acaso
que, em 2007, o então presidente Pedro Pires afirmou, por ocasião de um
simpósio internacional sobre o primeiro centenário do nascimento do principal
fundador do Movimento Claridoso, Baltasar Lopes da Silva, que o movimento
“revolucionou a cultura cabo-verdiana em meados do século passado e que ele
deve ser repensado como um valor nacional e também universal”.
O
25 de Abril de 1974 desencadeou em S. Vicente uma onda de liberdade, alegria,
optimismo e esperança e confiança no futuro, fazendo com que as suas gentes
acreditassem finalmente num futuro melhor ante a perspectiva que se abria para
a concretização das reivindicações que outrora os seus filhos mais ditosos
embandeiraram no palco político do império. A juventude, essencialmente a estudantil,
saiu à rua e no ambiente festivo e de liberdade impulsionou toda uma população
sedenta de liberdade e meteu-a nos carris de um movimento revolucionário. Este
movimento espontâneo cedo se transformou num movimento para a causa da independência,
e foi, por assim dizer, a caução interna que o PAIGC precisava para sair da
clandestinidade e do seu apagamento no arquipélago, culminando na tomada da
Rádio Barlavento em Novembro de 1974 e na ascensão de Cabo Verde à Independência
em 5/7/1975.
Pelas
suas características históricas e sociais, S. Vicente foi assim a ilha que,
dentro do território, mais lutou e contribuiu para a independência, mas, por
estranho paradoxo, o início da decadência da ilha coincide com a inauguração de
Cabo Verde como país independente, quando as legítimas expectativas apontariam
para o inverso, em consonância com os valores de liberdade e ânsia de progresso
que foram sempre acalentados pela sua população. É pois com muita mágoa e
desencanto que hoje assistimos, impotentes, ao descalabro da ilha.
Temos
uma cidade, Mindelo, passados 40 anos da independência, paradoxalmente, transformada
numa sombra do seu passado, em plena estagnação socioeconómica, a ver navios a
passar pelo seu Porto Grande sem nunca atracarem, sempre desviados para outros
portos. Voltamos a ver com revolta um filme ‘déjà-vu’, um filme deprimente:
jovens desempregados ou desocupados, andrajosos, velhos pedintes, meninas vendendo
favores errando pelas ruas da cidade, sem perspetivas de futuro. Por outro lado,
temos no interior da ilha focos de criminalidade organizada e insegurança
galopante. A ilha passou desde a independência por um lento processo de
desclassificação política, sofreu uma enorme erosão socioeconómica, a sua elite
foi dispersa pelo país e pelo mundo. O cenário de abandono e de vazio é
flagrante, ultrajante e intolerável. Ao invés, a ascensão da sua rival Santiago
parece inexorável e desproporcionada, e a todos os títulos insultuosa, contrariando
os princípios de equidade territorial e de solidariedade nacional que deviam
ser apanágio de um estado de direito e democrático. Mas não, fruto da
proximidade do aparelho central do Estado e do privilégio de investimentos
avultados, tudo se faz para que ganhe foros de verosimilhança a figura da
“República de Santiago”, e, como se não bastasse, com a descarada conivência e
vassalagem da elite mindelense, que trocou a sua ilha natal por aquela onde se
concentrou o poder e tilinta o sino de regalias e benefícios pessoais
imperdíveis. Esta atitude é incompreensível e afronta a memória dos dignos
filhos que S. Vicente já teve e que jamais trocariam a sua honra por um prato
de lentilhas.
Assim
pouca sobra do sonho de 1975, pelo menos dos muitos que participaram neste grande
movimentos cívicos e políticos nesta data. O desânimo e a decepção tomaram
conta da população da ilha, hoje abandonada à sua sorte por aqueles que aqui
tiveram guarida ou através dela se projectaram em Cabo Verde e no mundo. A verdade
é que passado o curto momento de euforia da independência, os principais filhos
da terra fugiram quase todos para a Praia para viverem debaixo da sombra das
bananeiras e hoje abrigam-se nas fundações e institutos criados no centro do
poder, onde se reciclam as ajudas e se distribuem benesses. Muitas promessas
floriram em 1975 mas nunca cumpridas, vãs promessas que o vento levou, os
revolucionários envelheceram ou se acomodaram. Cantaram-se canções
revolucionárias em que se prometia transformar os campos secos do interior da
ilha em campos verdejantes com levadas a correr água e cheios de fartura. Longe
vão essas promessas, e hoje a seca continua irredutível no interior da ilha, e ante
a indiferença dos homens as últimas plantas secaram e as águas das chuvas
continuam a jorrar para o mar adentro, sem se perspectivar uma única barragem a
ser construída na ilha para ressarcir a sua sede de água e verdura. De fora não
vem nada, e com o “cabá vapor, cabá carvon” os filhos da ilha, longe dos
centros de decisão e dos circuitos de influências, são as vítimas mais visíveis
do centralismo político e do ‘fundamentalismo’, não têm emprego, são
discriminados ou preteridos no acesso ao emprego, às bolsas de estudo e aos
cargos, e são as estatísticas que o dizem com chocante e irrefutável verdade.
Outros dirão que a ilha foi usada para que alguns atingissem o seu próprio
objectivo pessoal. A melhor imagem que se pode dar da ilha é a de uma pessoa
que está a segurar um saco vazio, cujo precioso conteúdo foi levado
sub-repticiamente, sem o dono se aperceber, mas ainda convencido que saco
contem qualquer coisa. Estamos pois perante uma ‘revolução traída’. Portanto, a
triste conclusão é que o empenho dos filhos de S. Vicente em prol da
independência nacional foi pago com a moeda da ingratidão, embora, como atrás
foi dito, uma boa elite mindelense singrasse e ganhasse bem a sua vida junto ao
poder, almejando até cargos políticos e económicos cimeiros no país. Nem Judas
cometeria traição mais odiosa. E hoje sabemos que entre os ferrenhos inimigos
da Regionalização e a corte de indiferentes para com a sorte da ilha de S.
Vicente e sua cidade, contam mindelenses bem instalados no poder e na vida da
Praia.
Em
2010, um grupo de cidadãos mindelenses maioritariamente da diáspora, preocupados
com o estado de decadência e o destino da sua ilha natal, subscreveram a um
apelo em prol de S. Vicente e decidiram publicar um “Manifesto para um S.
Vicente Melhor” (2), alertando para a situação da ilha e a sua constante
degradação, questionando se o actual modelo sociopolítico e económico em vigor
em Cabo Verde não seria responsável pelo seu actual estado. Exortávamos o poder
central a implementar políticas tendentes a inverter a situação, mediante
investimentos urgentes, e a empreender uma reflexão tendente a uma profunda
reforma do actual sistema político-administrativo, já que é ele a fonte de
todos os bloqueios em Cabo Verde. Esse manifesto, assim como todas as demais
petições e outras da sociedade civil, foi recebido com a total indiferença ou o
desdém de costume, não sendo digno de resposta, sequer de uma acusação de
recepção, o que revela o verdadeiro carácter da democracia cabo-verdiana, que
numa frase o companheiro Arsénio de Pina resume em ‘Esh Ca ta Ta Cdi’, para
caracterizar um país em diálogo de surdos e mudos. Como reacção ao despautério
de uma continuada indiferença, em Novembro de 2012 foi
lançado o Manifesto do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde (3).
E S. Vicente renascerá das suas cinzas!!!
Nota:
Ao terminar este texto recebi a notícia da inauguração de mais um elefante
branco desta agenda de transformação deste regime, a nova Delegacia de Saúde de
São Vicente na cidade do Mindelo (divulgada no último instante para não
despertar manifestações), este mamaracho ‘kitch’ de betão e vidro construído em
cima das cinzas da vivenda onde residia o Dr. Adriano Duarte Silva. Onésimo
Silveira (4) veio a público afirmar que foi uma “afrontosa agressão” à memória
deste nobre mindelense e “precursor da cabo-verdianidade”, sob o pretexto de
erguer nesse espaço um serviço indispensável para a saúde dos mindelenses, argumento de um cinismo
político, vergonhoso e indigno, mais um acto perpetrado por forças
fundamentalistas, num conluio de ignorância e fanatismo políticos. Não podia
deixar aqui de exprimir aqui a minha revolta e o meu veemente protesto contra uma
acção que foi para mim um acerto de contas político, tanto mais grave que neste
acto de puro de vandalismo não se poupou a demolição de uma das mais belas
peças do património arquitectónico da cidade (feito cobardemente na calada da
noite para não provocar manifestações e oposição), uma das poucas obra-primas no
puro estilo colonial da cidade. Shame on you Mr 1º Ministro, continue assim a
demolir o património histórico de Cabo Verde para a sua glória.
(1)
ADRIANO DUARTE SILVA Legislaturas: IV, V, VI, VII.
(2) http://www.petitiononline.com/mmscent/petition.html