DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA EM CABO VERDE
ENTRE A TEORIA E A REALIDADE PRÁTICA - 1ª PARTE
Crê-se que a temática da Regionalização parece finalmente em vias de entrar para a agenda nacional, com o impacto que teve a recente declaração pública do Presidente da República, numa reacção positiva aos sinais que a sociedade civil vem emitindo no sentido de um debate alargado sobre a matéria em causa. Portanto, é iniludível o ruído de fundo, e só não o ouve quem é surdo ou coloca tampões nos ouvidos.
Em artigos anteriores, quer da minha autoria, quer, sobretudo, da de José Fortes Lopes, Arsénio de Pina e outros, ficou patente que o objectivo superior em vista é pugnar por um Cabo Verde melhor, por mais equitativo e mais harmonioso na exploração das potencialidades nacionais e na distribuição dos recursos por todas as ilhas. Parece não oferecer dúvidas a urgência de uma profunda reforma estrutural no país, mediante uma descentralização que postule outra concepção do Estado. Defende-se um Estado capaz de alijar o seu peso em benefício do poder local, como via para o reforço da democratização e da solidariedade nacional e para o incremento da iniciativa e participação das forças sociais. A experiência demonstra que a descentralização bem sucedida gera níveis superiores de motivação nas populações e estimula um clima de confiança mútua entre elas e as instituições estatais, ao invés da inércia negativa e da apatia quase generalizada que inspira um Estado unitário e fechado em si mesmo. Mas, para alcançar esse desiderato, a perspectiva da descentralização do poder tem de ter a abertura necessária e suficiente à realização dos seus desígnios, além de não poder compadecer-se com fórmulas ambíguas que os inviabilizem.
Com este artigo, a ser dividido em duas partes, pretende-se essencialmente uma abordagem às questões de terminologia e conceito, para uma melhor compreensão da pluralidade de posições que esta temática possa suscitar sobre o caso específico de Cabo Verde. Não existe propriamente uma uniformidade nas ciências políticas e de administração pública dos diversos países em matéria de terminologia e conceitos sobre reforma administrativa. Centralização e descentralização, dois pólos opostos do mesmo problema, resumem o essencial da dialéctica em matéria de transferência de autoridade. A centralização equivale a reter autoridade num nível mais alto de poder, em detrimento de níveis inferiores. É a fórmula preferida por regimes políticos totalitários ou por regimes democráticos pouco amadurecidos ou em fase embrionária de consolidação institucional. Descentralização é, naturalmente, o oposto, significando um processo de investir autoridade em estruturas do poder local com vista à formulação de suas políticas. Contudo, a descentralização tanto pode corresponder a uma efectiva transferência de autoridade como confundir-se com uma simples desconcentração de estruturas de poder. Definindo com mais precisão, desconcentração é apenas uma forma de descentralização, ou, melhor dizendo, pseudo-descentralização, em que o poder central institui órgãos em sua representação nos governos locais para a realização de determinadas actividades administrativas. Não há transferência de autoridade mas sim outorga de atribuições, mantendo o poder central a respectiva responsabilidade jurisdicional, pois o que acontece é apenas a presença de órgãos da administração central junto do poder local, com o objectivo de aumentar a operacionalidade do serviço. Esta será talvez uma armadilha em que uma regionalização mal feita pode incorrer, ou seja, mudar o paradigma da concentração de estruturas para manter a centralização igual a si mesma. Contudo, não há uma única definição de descentralização. A de maior aceitação é a que Denis Rondinelli, Duane Nellis e Shabbir Cheema propuseram, a saber: “A descentralização pode ser definida como uma transferência de responsabilidades em matéria de planeamento, gestão, captação e afectação de recursos do governo central e das suas agências para níveis de poder subordinados de um governo, unidades territoriais dos ministérios, autoridades públicas e privadas semi-autónomas, autoridades regionais ou funcionais ou organizações não governamentais privadas ou voluntárias”. Consistindo a descentralização na transferência de poderes e/ou competências entre pessoas colectivas de direito público diferentes, importa agora acrescentar que ela pode ser política (ou político-administrativa), se dirigida a poderes locais, como as regiões e autarquias, ou simplesmente administrativa, se é o caso de entidades públicas sob a tutela do Estado mas dele autónomos ou independentes, como universidades, hospitais, etc.
E, finalmente, o que é regionalização? Os conceitos variam em função da própria definição do que é espaço físico e do que é território. Para o geógrafo suíço Claude Raffestin, o território é uma construção conceitual a partir do espaço físico que pré-existe na natureza, pelo que importa a sua destrinça para se chegar ao conceito de região. O espaço é anterior ao território e este não é mais que o espaço transformado pela acção social operada pelo homem, que o ocupa, organiza e baliza, instituindo-lhe a sua própria feição cultural. O território, juntamente com a soberania e o povo, constitui um dos três elementos básicos que formam a nação-estado moderna. Ora, a regionalização é a descentralização de base territorial, que supõe divisão do território em parcelas articuladas e dependentes do poder central em grau variável, para uma realização mais eficaz dos objectivos político-administrativos. A região é, assim, dito de outro modo, uma instância entre o poder central e a autarquia. A definição da região e do seu estatuto levanta, no entanto, múltiplos problemas de metodologia, visto que, como é próprio dos processos sociais, não existem modelos teóricos de valor absoluto aplicáveis a toda e qualquer realidade objectiva. É certo que a investigação empírica da política comparada pode permitir algumas generalizações, mas sempre com certo grau de imprevisibilidade e falibilidade, dada a complexidade própria dos fenómenos sociais. Portanto, o desafio estará na criação de instrumentos metodológicos que reflictam a diversidade das variáveis que assistem ao processo de decisão quanto ao grau da descentralização do poder e à amplitude das regiões a criar. A solução estará em encontrar uma síntese entre a dimensão emparcelada do espaço geográfico e as variáveis políticas, económicas, sociais, ecológicas e culturais que subjazem ao processo de decisão.
Autonomia é outro conceito que convém esclarecer porque pode suscitar dúvidas, como, aliás, já suscitou quando o nosso “Movimento para a Regionalização em Cabo Verde” se referiu à autonomia de S. Vicente. Autonomia corresponderá à amplitude que for conferida à transferência de autoridade político-administrativa, e quanto maior é esta mais efectiva é a autonomia. Uma autonomia configura responsabilidades político-administrativas próprias no espaço jurisdicional de um poder local e circunscrita a certas áreas de governação, que excluem normalmente as que têm uma relação directa com a soberania e são da estrita dependência do governo central.
Importará ter ainda presente que não existe regionalização sem descentralização, e que descentralizar sem regionalizar só se compreenderá numa fase incipiente do processo de reforma administrativa e enquanto não estiverem implementadas as estruturas territoriais do poder local. Para o brasileiro Paulo Reis Vieira, doutorado em administração, a descentralização é um fenómeno dinâmico e não estável, o que pressupõe a existência de um “continuum” entre os dois pólos, centralização e descentralização, deduzindo-se daqui que o processo está sujeito a ajustamentos e correcções, recuos e avanços, em função dos resultados que se vão apurando e da validação empírica que for sendo possível em cada fase do processo.
O constitucionalista Wladimir Brito proferiu uma verdade genérica quando, no colóquio sobre Regionalização em 2008, disse que a questão da regionalização “deve ser debatida, não a partir de modelos externos, mas sim tendo por base a dimensão geo-demográfica de Cabo Verde, a sua natureza insular e a relação custo-benefício que a tomada desta opção implica” Na verdade, esta afirmação está em coerência com as minhas considerações anteriores a propósito da inexistência de uma teoria geral e de modelos sistémicos consensuais, sobre regionalização, a aplicar com carácter científico em qualquer contexto social. Cada caso é um caso, embora não subsistam dúvidas sobre o sucesso genérico das regionalizações. O constitucionalista não tem razão é quando parece servir-se do relativismo teórico para rejeitar, tanto quanto penso, qualquer hipótese de regionalização no país.
O que é verdade irrefutável é que a reforma administrativa vai exigir o concurso de todas as forças políticas e da sociedade civil, porque todos não serão demais para a análise, a discussão e a ponderação que precedem o processo de decisão. Será necessário integrar os saberes de várias áreas do conhecimento, designadamente a geografia, o direito administrativo e o constitucional, a economia, a ecologia e as ciências políticas e de administração pública. É comum pensar que as forças políticas estruturantes do poder estarão menos interessadas na descentralização que as forças vocacionadas eleitoralmente para a oposição. Mas será importante que, na questão em causa, os superiores interesses nacionais superem os jogos mesquinhos do poder e derroguem a visão estreita e imediata dos benefícios de qualquer clientelismo partidário.
ESTE BLOGUE TEM POR OBJECTIVO DEBATER A PROBLEMÁTICA DO CENTRALISMO, DA REGIONALIZAÇÃO, DA REFORMA ADMINISTRATIVA E POLÍTICA EM CABO VERDE
domingo, 26 de fevereiro de 2012
REFORMA
DO ESTADO EM CABO VERDE
DESCENTRALIZAÇÃO
VERSUS CENTRALIZAÇÃO
Torna-se cada vez mais evidente que o
actual modelo de concentração-centralização do poder em Cabo Verde não favorece
o progresso e o aperfeiçoamento da nossa democracia, nem espevita um
desenvolvimento económico mais equitativo e mais acelerado no país. Alguns, por
erro de auréola ou por razões inconfessáveis em que prepondera o interesse
pessoal ou político-partidário, poderão não querer ver o óbvio. O erro de
auréola advém em certa medida de alguns indicadores socioeconómicos que
distinguem Cabo Verde entre o conjunto dos países em desenvolvimento. É, pois,
confortável e animador que três indicadores importantes do IDH – o do
rendimento per capita, o da educação e o da saúde – sejam positivos, atestando
uma evolução favorável nas últimas 3 décadas. Contudo, como se sabe, o
desenvolvimento humano não é aferido apenas por aqueles três indicadores, os
quais, se dissociados da realidade global nua e crua, podem induzir a conclusões
precipitadas, podendo mesmo estimular um sentimento de auto-satisfação e de
acomodação no espírito de quem governa.
Tudo isto porque, embora seja notório o progresso
alcançado desde a independência, persistem carências básicas no seio das
populações, mormente nas zonas periféricas intra-ilhas (especial incidência em
Santiago) e entre-ilhas/regiões do país. Os problemas ocorrem em áreas, também
elas atinentes ao desenvolvimento humano, como a do saneamento básico, a dos
serviços de distribuição de água e electricidade, e, principalmente, a do
emprego e garantia de subsistência, nestas últimas registando-se níveis
baixíssimos em manifesta incongruência com os citados indicadores favoráveis.
Sublinhe-se que a disparidade é sensível entre as zonas rurais e os centros
urbanos, e entre algumas ilhas e outras, por diferenciados e questionáveis
critérios na atribuição de investimentos. Como isto é um dado objectivo e não
mera especulação, forçoso é concluir que o processo de desenvolvimento de Cabo
Verde não se tem gizado pelos melhores critérios de justiça, equilíbrio e
equidade na distribuição dos recursos, como auspiciariam as populações,
independentemente da ilha de naturalidade. É precisamente com esta realidade
que nos confronta o último relatório dos Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio, datado de 2009, quando assinala que “não obstante os avanços
registados a nível nacional, existem ritmos diferenciados e mesmo assimetrias
na execução dos objectivos a nível dos municípios”.
Sendo assim, e quando Cabo Verde atingiu a
graduação de País de Desenvolvimento Médio, conforme foi deliberação pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 2008, em função dos níveis referenciados
por aqueles 3 indicadores do IDN, eis-nos perante uma encruzilhada
circunstancial na caminhada para o futuro. Vamos ver porquê. Os progressos até
agora alcançados só foram uma realidade mercê da ajuda externa, bilateral e
multilateral, que não se afigura sustentável a prazo, ainda mais nos tempos
difíceis que vivemos. A generosa ajuda internacional, que não deixa de se
pautar por critérios de racionalidade e rigor aritmético na gestão dos recursos
que disponibiliza aos povos em desenvolvimento, vai certamente reduzir
gradativamente o apoio ao nosso país, no pressuposto de que agora nos compete
pescar livremente com a cana e o anzol fornecidos. Aliás, era de esperar que
assim fosse, porque um povo independente não pode ad aeternum ficar dependente da boa vontade alheia, por muito que
demonstre ter sido um bom aluno no decurso da aprendizagem para a sua
emancipação.
Perante este quadro, e uma vez demonstrado
que os 3 indicadores positivos do nosso desenvolvimento só foram possíveis
graças a investimento externo, e não mediante uma dinâmica interna de desenvolvimento,
é imperioso criar as alternativas necessárias para o nosso auto-financiamento.
Elas são de vária índole e em muitos casos susceptíveis de uma relação de reciprocidade
ou interdependência. Consiste basicamente em promover uma exploração adequada das
potencialidades oferecidas por cada uma das ilhas, empenhando as populações
locais em dinâmicas conducentes à produção e criação de emprego, o que
pressupõe, simultaneamente, estimular a iniciativa individual e injectar nas
pessoas um profícuo espírito de cidadania, fazendo-lhes crer que são peças
fundamentais do processo de evolução do país nas esferas política, social e
económica.
Infelizmente, o panorama actual é bem
diferente. Não existe uma cultura de cidadania, e a tendência é para um retrocesso
sensível na percepção e na assumpção do conjunto de deveres e direitos cívicos
que é condição basilar para gerar os impulsos sociais de que o país precisa
como de pão para a boca.
E que razões explicam todo este cenário,
que vai desde o desenvolvimento assimétrico à aparente letargia cívica em que
mergulharam as populações? A resposta não pode ser simplificada com a menção de
uma única causa. Mas como a política é a acção que congrega todas as variáveis
que se relacionam com a pólis,
difícil é não apontar como a causa principal dos nossos problemas o modelo de
organização político-administrativa vigente desde a independência. Decidiu-se
desde a primeira hora pela concentração maciça de toda a estrutura do Estado
numa só ilha e cidade, e ao mesmo tempo pela centralização do poder político,
duas condições gémeas de uma visão contrária à filosofia e aos princípios de
organização política dos estados modernos. Para esse efeito, foi mesmo
necessário eliminar, ou no mínimo, atenuar, o relativo equilíbrio que havia
entre os dois grupos de ilhas, Barlavento e Sotavento, nomeadamente entre S.
Vicente e Santiago. Esse equilíbrio baseava-se na existência histórica destes
dois pólos estruturantes da actividade económico-social do arquipélago, um em
cada grupo de ilhas. A economia do território dependia em larga medida, e desde
meados do século XIX, dos rendimentos da produção vocacionalmente agrícola da
primeira ilha e da actividade vocacionalmente industrial e comercial da
segunda, numa complementaridade nunca questionada ou jamais posta em causa pela
administração portuguesa, bem pelo contrário. Crê-se que foram critérios
meramente políticos que determinaram a desmagnetização progressiva de um dos
pólos, o de S. Vicente, com transferência da sua energia para o outro pólo. Há
quem diga que foi retaliação política contra uma ilha não de todo identificada
historicamente com a filosofia ideológica do partido da independência. Não sei se foi ou não,
mas isso pertence à História e não é agora relevante para o tema que me
proponho.
O certo é que a concentração-centralização teve
um significado político indubitável, com consequências que não tardariam a
revelar-se danosas para a ilha de S. Vicente, que entrou em franca decadência
económica, com reflexos inevitáveis na esfera social, cultural e política. É
esta a razão que explica a abulia social daquela que fora no passado a ilha de
maior vitalidade anímica no território. E como poderia ser de outra forma se a sua
massa crítica emigrou ou se transferiu em grande parte para onde estava
concentrado o Estado e fincados os pólos da futura dinâmica de desenvolvimento?
Foi uma acção centrípeta exercida pela maior ilha e que haveria de prosseguir,
sugando os recursos humanos de grande parte das ilhas. Quando hoje se diz que a
ilha de Santiago justifica dois terços do investimento estatal por ter mais de
50% da população do país, esquece-se que o crescimento da sua população
acelerou exponencialmente a partir da independência não apenas pelo fenómeno da
natalidade mas principalmente pela migração de populações das outras ilhas, à
procura de emprego onde ele tinha mais possibilidades de garantia. É claríssima
a relação causa efeito. Os dados do último censo registam a seguinte progressão
da população da ilha capital: ano de 2000 – 236.627; ano de 2005 – 266.161
habitantes; ano de 2010 – 300. 262 habitantes, sendo que o maior acréscimo
populacional ocorreu principalmente na capital e periferia. Não disponho de
dados referentes ao ano de 1975, mas é de presumir que a migração tenha sido
ainda mais significativa logo a partir desse ano. Por conseguinte, o fenómeno
foi criado artificialmente pelo poder político, ao invés de representar uma
evolução determinada por impulsos naturais.
Eis como a concentração da estrutura do
Estado conjugada com a centralização do poder dirigente originaram uma
perniciosa macrocefalia na ilha capital. Eis, assim, o rosto de um modelo de
centralização talvez sem precedentes na história do território. Tem-se apontado
o jurista e constitucionalista Wladimir Brito como discordando de um processo
de regionalização em Cabo Verde, o que é verdade, e assumida pelo próprio. Mas
convém notar que na sua exposição no colóquio realizado na Praia, em 2008,
sobre a temática da descentralização – regionalização, o jurista afirmou assim
no contexto da sua argumentação: “… diga-se e sublinhe-se, que, historicamente,
a complementaridade inter-ilhas assume uma natureza dominantemente económica e
realiza-se entre duas grandes regiões geo-histórica, económico-sociologicamente
naturais, a de Sotavento e a do Barlavento…”. Portanto, subliminarmente, está aqui
a anotação de uma verdade que a História regista mas da qual o poder fez tábua
rasa, agindo à revelia dos princípios da ciência política e da administração
pública, para não dizer do bom senso político, quando assumiu as rédeas do país.
Concordo com Arsénio de Pina quando
escreve, num dos seus artigos, que “…no centralismo democrático do início da
independência, explicável e até justificável no contexto da época, que fez o
seu tempo, embora tenha demorado tempo excessivo, as decisões partiam de cima…”.
Sim, demorou e eternizou-se, com prejuízo nítido para o país, e mesmo para a
capital, que se engasga com o seu próprio excesso. Note-se que o crescimento
desmesurado da capital cabo-verdiana tende a prosseguir inexoravelmente o seu
curso, em detrimento do resto do país, se nada for feito em contrário, no
sentido de uma justa correcção das assimetrias criadas. O que aconteceu e pode
continuar a acontecer até é explicável pelos fenómenos físicos. As leis da
física demonstram, com efeito, que um corpo em movimento tende a continuar em
movimento (Lei da Inércia de Newton) se não houver uma força em contrário; ao
mesmo tempo que a sua massa tende a aumentar (Teoria da Relatividade de
Einstein). Ora, a motivação dos que escrevem sobre esta temática não é atentar
contra o interesse particular da ilha capital ou qualquer outra, é tão-só
contribuir com ideias para a reforma administrativa do Estado, por forma a que
o país progrida dentro dos carris de justiça e de equidade. Nenhuma ilha pode
aspirar a um estatuto de privilégio sobre outras, mas sim a um papel contributivo
na dinamização do todo nacional, num quadro de complementaridade e
solidariedade entre todas as suas parcelas.
É evidente que o processo de reforma é
complexo e delicado, obrigando a romper com práticas e rotinas perniciosas
incrustadas desde longa data no aparelho do Estado concentracionário. É preciso
reflectir, discutir e encontrar as melhores soluções dentro de um espectro de
opções para a descentralização político-administrativa, que vai desde o reforço
do municipalismo, como alguns preferem, à regionalização administrativa, que
outros advogam como única solução viabilizadora da autonomia propiciadora do
progresso. Mas é importante que o que se faça não venha a dar razão a Giuseppe
Lampedusa quando pronunciou esta célebre frase: “Se queremos que tudo continue
como está, é preciso que tudo mude”. Mas isto será conversa para uma próxima
opinião.
Tomar,
5 de Fevereiro de 2012
S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL
MODELO DE REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU
UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL
(SECÇÃO C)
AS REGIÕES DE CABO VERDE E O MODELO DE
REGIONALIZAÇÃO: OS CLUSTERS REGIONAIS
Uma questão recorrente e pertinente na
discussão sobre a problemática da Regionalização é a seguinte: E depois da
Regionalização, o que fazer com as Regiões criadas? Será que elas irão
aguentar-se de pé? O objectivo desta secção é precisamente procurar responder a
estas preocupações fundadas, apontando algumas pistas para resolver o problema.
Mas
antes de passar ao assunto que interessa na
abordagem que ora me proponho, seria imperdoável não referir aqui o modelo
regional britânico e o francês (tópico que deveria estar incluído na Secção B).
Primeiramente, vejamos então o modelo regional do chamado Reino Unido
(1,2). As Ilhas
Britânicas formam um arquipélago constituído por cerca de 5 mil ilhas. As duas
maiores são a Grã-Bretanha, a grande ilha que inclui três Estados: a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia, e a ilha da Irlanda, que inclui a Irlanda do Norte (membro do Reino Unido). O termo Grã-Bretanha é muitas vezes usado como sinónimo de Reino Unido, o que não é inteiramente correto, pois um dos Estados que formam
o Reino Unido, a Irlanda do Norte, não faz parte desta ilha. O Reino Unido é, portanto,
uma federação formada por quatro Estados: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O chefe de Estado é o rei ou a rainha, e o de chefe
governo é um primeiro-ministro, eleito por um Parlamento central, em Londres.
Tal como nos outros modelos de Regionalização, a Escócia, o País de Gales e Irlanda do Norte também têm Assembleias Nacionais e Governos Regionais
com autonomias para tratar das questões regionais.
Até
agora, mostrámos que era importante a Descentralização-Regionalização em Cabo
Verde, processo que consiste na transferência de amplos poderes e
competências do Poder Central para as ilhas, através da definição do estatuto
de autonomia administrativa e económica e da instituição do Governo Regional. Todavia, este processo por si só poderá ser redutor, podendo
gerar distorções e reforçar as assimetrias já existentes no arquipélago, pelo
que é preciso acompanhar a Regionalização de outras medidas baseadas no
conceito de Solidariedade e de Integração Regional voluntária, aquilo que
definiremos como CLUSTERS REGIONAIS, inspirados no modelo francês que em
seguida apresentaremos.
No conceito de Regionalização
está não somente incluído o de Descentralização mas também o de Região. Quando se fala de Regionalização na óptica
das Regiões, a França é um país de referência (3,4), razão por que é este o
momento próprio para descrever sucintamente o seu modelo. Neste país, este conceito traduz na
prática a Regionalização Administrativa, ou seja, uma repartição do território
nacional em espaços, as Regiões, em que cada uma se define e se identifica por
características próprias, históricas, geográficas, culturais, etc., bem
vincadas. Esta definição, transportada para a
realidade cabo-verdiana, não traduziria assim automaticamente a Região em Ilha,
como veremos mais à frente.
A França, do ponto de vista regional, é
constituída por 96 “Départments” (Departamentos) e 22 Regiões Administrativas.
Cada Região é formada pelo reagrupamento ou adesão voluntária de um grande
número de Departamentos. O Departamento é uma entidade político-administrativa,
que ela sim corresponde à dimensão política de uma ilha em Cabo Verde. Assim,
transplantando o modelo francês para Cabo Verde, a Região não coincide com uma
unidade territorial básica, é mais ampla e corresponderia a um agrupamento
político e administrativo de várias ilhas, ao passo que vimos que no caso da
Alemanha, Suíça Espanha, etc., a Região corresponde “tout court” a uma Ilha.
Do ponto de vista formal, a “região
francesa” é uma entidade política governada por um Conseil Régional (Conselho Regional), que é na prática uma
assembleia ou um parlamento regional cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo, com um mandato de duração 4 anos. O Governo Regional é
composto por um executivo constituído pelo presidente e os vice-presidentes do Conselho Regional, assim como por
vários outros membros delegados para as diferentes áreas de competência
socioeconómica. Actualmente, a França é um país altamente descentralizado,
tendo o Estado Central delegado, ao máximo, nas Regiões, as competências,
responsabilidades e encargos que lhe eram inerentes, ao ponto de estas o
substituírem na maior parte dos casos, nomeadamente na gestão e execução de
Programas e Projectos, de modo que o Estado Central ficou confinado, por
vontade própria, a um reduto de funções de soberania. O Conselho Regional tem
as seguintes funções: A elaboração de planos de desenvolvimento Regionais e a gestão
de orçamentos regionais e dos fundos europeus. As suas áreas de actuação são
abrangentes e substituem as tradicionais alocadas ao Estado: coordenação dos
Departamentos; Gestão da Economia e do Desenvolvimento Regional, Ordenamento
Territorial; Ensino Básico, Secundário e Universitário, Gestão Escolar; Gestão
de Parques Científicos e Tecnológicos; Gestão de Zonas Industriais; Gestão da
Saúde e Hospitais Públicos, Gestão Ambiental e Ecológica; Gestão de Reservas
Naturais e Ecológicas; Gestão da Formação Profissional; Gestão de Equipamentos
Estruturantes, Organização e Gestão dos Transportes Ferroviários, Autoestradas
e Estradas; Gestão de Portos e Aeroportos
etc.
O modelo de Regionalização francês é assim
baseado no conceito CLUSTERS REGIONAIS,
cujo propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços
caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais (4). Com
efeito, a França se autodefine como sendo o país da Cultura e da História, onde
a Região subentende conceitos bem franceses de “le Terroir” e de “le
caractère”, que incluem o território no sentido regional, e
aspectos regionais como as tradições, a cozinha, o vinho, o dialecto, etc. A
Regionalização em França é, portanto, Solidariedade e Sinergias Regionais. A
Região cola-se perfeitamente à dinâmica económica e social do país, tentando
valorizar as actividades económicas, tais como as potencialidades industriais e
turísticas, a paisagem, o património histórico, a viticultura e a enologia, a
cozinha típica regional, etc. Hoje em dia, as Regiões francesas tentam não
somente explorar aspectos puramente económicos mas também a diversidade e a
riqueza das paisagens, os ecossistemas, o clima, as infra-estruturas de lazer
etc. Cada Região em França tem a sua especificidade sociocultural bem definida.
Por exemplo, a Região Paris-Île-de-France é a que inclui a
capital francesa e é composta por 8 Departamentos, cada um com o seu
“caractère” (Val d'Oise,
Val de Marne, Seine Saint Denis, Hauts de
Seine, Essone, Yvelines, Seine et
Marne e Paris). A capital, Paris cidade das artes, do romantismo e dos
famosos monumentos (a Torre Eiffel, o Louvre, o Notre Dame, o rio Seine, etc.),
é o centro da região Paris-Île-de-France,
umas das regiões mais dinâmicas da França, considerada o seu motor económico e
comercial. Por outro lado, a Região Provence-Alpes-Côte d’Azur é por excelência
a Região do Turismo e dos Lazeres, embora esta definição seja hoje considerada
redutora, pois existe nela uma intensa actividade económica em volta de
diversos sectores de ponta. Todavia, o essencial da economia desta Região está
virado para o conceito de Turismo de qualidade e gama alta, integrando turismo
de montanha e de praia, onde a componente doméstica representa uma parcela
importante.
No Manifesto para a Regionalização de Cabo
Verde definimos um conjunto de 4 CLUSTERS REGIONAIS, associações voluntárias
definidas pelos critérios de proximidade geográfica e cultural, assim como
complementaridade económica:
− Região Barlavento 1 ou CLUSTER REGIONAL 1: S.º Antão S. Vicente e S. Nicolau;
− Região Barlavento 2 ou CLUSTER REGIONAL 2: Sal e Boavista e Maio?;
− Região Sotavento 3 ou CLUSTER REGIONAL 3: Santiago e Maio?;
− Região Sotavento 4 ou CLUSTER REGIONAL 4 : Fogo e Brava.
Por que insistir no conceito de associação
em CLUSTERS REGIONAIS?
Com a instauração em Cabo Verde de Governos
Regionais, é previsível a tentação de afirmação de “soberanias insulares”, de
se reforçarem rivalidades, orgulhos e egoísmos entre ilhas. Ilhas muito
próximas poderão correr o risco de ficarem de costas viradas ou envolvidas em
competições ou disputas estéreis e desgastantes. Esta situação conduziria
naturalmente a desperdício de recursos e energias, decorrentes da duplicação de
investimentos e estruturas, originando redundâncias nocivas entre ilhas muito
próximas, situação economicamente insustentável num país naturalmente pobre.
Assim, a instituição dos CLUSTERS REGIONAIS iria incentivar Solidariedade e Integração Regional e permitiria
contrariar o efeito natural de autonomização das Regiões, através do incentivo
à cooperação solidária e sinergética voluntária inter-regional, pela
proximidade geográfica e cultural.
Por
exemplo, no CLUSTER REGIONAL 1 é óbvia a
interligação e a complementaridade entre a ilha de S. Antão e S. Vicente. Esta
estrutura permitiria definir estratégias comuns de investimentos (industriais,
comerciais, agrícolas, serviços, turismo, etc) no grupo de ilhas S. Antão, S.
Vicente e S. Nicolau, realizar em comum um conjunto de investimentos, assim
como partilhar voluntariamente um conjunto de infra-estruturas. Esta
complementaridade podia ser estendida para novos sectores em desenvolvimento,
conseguindo por exemplo estratégias integradas na área do turismo, nomeadamente
o ecológico e o de alta gama.
Com a associação em CLUSTERS REGIONAIS, os Governos Regionais
estariam assim “condenados” a cooperar entre si dentro de cada Cluster,
contrariando os eventuais factores negativos que podem advir de uma má
aplicação do princípio da Regionalização.
Acreditamos pois (O Movimento para a
Regionalização de Cabo Verde) (5) que é possível e necessário um país
organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e
administrativo mais flexível, visto que o actual sistema centralizador bloqueia
iniciativas e liberdades, é já um entrave ao progresso do país e às justas
aspirações das populações, e é indutor de potenciais contenciosos.
Mostrámos
que os problemas socioeconómicos que enfrenta Cabo Verde podem ser decorrentes
de políticas concentracionárias e de má repartição das riquezas nacionais. Propusemos
um modelo de Descentralização e Regionalização em que a gestão de cada ilha,
que subentende uma plena autonomia política, administrativa e económica, fica a
cargo de um Governo Regional saído de eleições directas. Propusemos
um modelo de Solidariedade e Sinergias Regionais baseado nos Clusters
Regionais. Mostrámos ao
longo das diferentes Secções deste artigo que o modelo proposto não se aplica
somente a S. Vicente, mas a todas as ilhas do arquipélago, razão por que este
movimento não pode ser entendido como apenas dirigido à cidadania mindelense.
Finalmente,
sinais de abertura e boa intenção da parte do recém-eleito Presidente da República foram emitidos em direcção à
sociedade civil, mostrando vontade em discutir sem tabus a problemática do
desenvolvimento de Cabo Verde. O grande problema deste país é que não existe
uma opinião pública expressiva, nem contra-poderes que permitam promover
debates técnicos e políticos, francos e abertos, sobre os seus vários
problemas, pois a sociedade cabo-verdiana está completamente anestesiada, tendo
os cidadãos, e os intelectuais em particular, abdicado dos seus direitos e
deveres em favor dos partidos políticos e do Estado. Embora o MPD tenha dado
sinais de querer analisar a problemática da Regionalização, não se vislumbra
nenhum sinal de boa vontade da parte do partido do poder e do Governo em abrir
a mão do Centralismo, que parece ser a sua doutrina mestra. Mesmo assim, atento aos sinais dos tempos, o Presidente, no seu discurso de Ano Novo de
Janeiro de 2012, disse o seguinte: “No ano que vai começar, impõe-se, igualmente,
um amplo e descomplexado debate sobre a descentralização. Tivemos, há vinte
anos atrás, um processo de descentralização administrativa que tem dado,
reconhecidamente, os seus frutos. Hoje, sente-se uma forte movimentação no
sentido do aprofundamento da descentralização, acompanhada dos necessários
recursos. Todas as possibilidades que, de há anos a esta parte, vêm sendo
aventadas, devem ser postas em cima da mesa para discussão e subsequente
assumpção da solução mais consensual e que assegure a realização adequada do
interesse nacional e das aspirações legítimas das comunidades locais.” Já
em 18 de Janeiro de 2012, em S. Antão, o Presidente alertou para “um debate,
frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da Regionalização, entendida
como um processo que deve permitir, no quadro da diversidade que constitui o
todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas capacidades e vocações
singulares”. Para o Presidente da República, a experiência do
poder municipal enfatiza a necessidade “de articular as vantagens da integração
descentralizada, que poderá permitir maior autonomia e melhor aproveitamento de
recursos, com a proximidade do poder às populações de modo a que estas tenham
as melhores condições de participação e usufruto” e admitindo impor-se “um
debate necessário, frontal, ousado, sem medos nem fantasmas em torno da
Regionalização, entendida como um processo que deve permitir, no quadro da
diversidade que constitui o todo nacional, a cada parcela desenvolver as suas
capacidades e vocações singulares”. O Chefe de Estado alertou ainda “para o
perigo de subjugação de um tal debate a argumentos meramente economicistas,
extrapolados até pela situação de crise que o país vive em resultado da
conjuntura internacional, pedindo para “não ignorar que tal reflexão se revela
complexa e que os mecanismos que poderão viabilizar as soluções eventualmente
encontradas poderão exigir recursos adicionais, mas esta possibilidade não pode
coarctar o debate que também deverá incidir sobre os meios mais adequados para
as viabilizar”. Esse recado não podia ser mais claro.
Antes de terminar, lanço um apelo a este Presidente
democrata e da cidadania: “Mr. Président, tear down that Wall of Silence
and Fear!” e incentive uma sociedade e uma democracia mais abertas,
comunicativas e participativas. A Descentralização de Poderes e um modelo de
Regionalização bem pensado para Cabo Verde corresponderão a longo prazo a uma
maior abertura e democratização, e no fim todo o país ganhará.
José Fortes Lopes
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-reino-unido-e-granbretanha
http://alt-usage-english.org/whatistheuk.html
http://movimentoparaaregionalizaoeautonomias.blogspot.com
S. VICENTE: UM CASE STUDY PARA UM POSSÍVEL MODELO DE
REGIONALIZAÇÃO E AUTONOMIA EM CABO VERDE (II) - A REGIONALIZAÇÃO OU UM NOVO MODELO DE ORDENAMENTO DO
TERRITÓRIO NACIONAL
(SECÇÃO B)
MODELOS DE REGIONALIZAÇÃO IMPLEMENTADOS NO MUNDO
Dando
continuidade à abordagem da problemática da Regionalização iniciada nos artigos
anteriores, propomo-nos agora, conforme prometido, passar em revista os
diferentes modelos de Regionalização implementados em vários países do mundo.
A Regionalização-Descentralização
que definimos como autonomia política, administrativa e económica será
talvez a regionalização de que falam os
políticos e que desejam os cabo-verdianos. É a descentralização
efectiva, com transferência de poderes e competência do poder central para as
ilhas, através da definição do estatuto de autonomia como entidade política.
Propomos assim romper com o actual modelo
centralizador, que de certa forma herdamos de Portugal, e que é um misto do
modelo burocrático napoleónico (que a própria França ultrapassou) e do
centralismo democrático gerado no próprio país. Pretendemos aqui informar o
melhor possível o público cabo-verdiano sobre a Regionalização, informação essa
que a classe política cabo-verdiana lhes omite ou mesmo deturpa, para que a
perpetuação dos privilégios associados ao centralismo não seja posta em causa.
Diversos modelos de Regionalização vêm
funcionando desde há muitas décadas, em vários países do mundo, sem pôr em
causa o chavão da Unidade Nacional, que os detractores cabo-verdianos da
Regionalização acenam com frequência e logo que se perspectiva o mínimo debate
sobre esta matéria. A maior parte das democracias ocidentais modernas cedo foi
confrontada com a problemática das questões nacionais, por elas possuírem no
seu seio situações diversas de descontinuidades geográficas, culturais, etc.
Estas contradições foram exacerbadas pela tendência natural para o
“centralismo” do Estado Central, mesmo em regime democrático. Para minimizar os
problemas advindos da força centrípeta do poder central e das tensões que este
efeito cria nas suas periferias, implementaram-se diversos modelos de
Regionalização, que constituem, na prática, sistemas de contra-poderes ao
centralismo estatal, funcionando assim como verdadeiro antídoto aos seus excessos da burocracia
centralizadora. Esta foi a receita bem conseguida na maioria dos países da
Europa ocidental, nomeadamente a Alemanha, a Suíça, a França, a Espanha, etc, e
mesmo em Portugal com a Madeira e os Açores. A Regionalização não é, portanto,
um papão, o fim do Estado central, como muitos ideólogos pretendem, mas talvez
uma nova oportunidade para renovar a democracia cabo-verdiana, tendendo, por um
lado, à consolidação de uma democracia plena, aproximando os cidadãos de um poder
local forte, e, por outro lado, melhorando e aligeirando o funcionamento do
Estado, tornando-o menos limitador, menos controlador e menos castrador das
energias cidadãs.
Em seguida, apresento vários exemplos de
modelos de Descentralização implementados no mundo, que nos
poderão inspirar:
− As Autonomias
Espanholas (1,2)
A Constituição
Espanhola de 1978 reconhece a existência de regiões e nacionalidades, e
concede-lhes a autonomia sem estabelecer diferenças administrativas entre elas.
Ela fundamenta-se na indissolúvel unidade da nação espanhola, pátria comum e
indivisível de todos os espanhóis, mas reconhece e garante o direito
inalienável à autonomia das nacionalidades e regiões espanholas que a integram,
assim como solidariedade entre todas elas. O Poder Político em Espanha está
organizado como um Governo Central e 17 Governos Regionais denominados Comunidades Autónomas. These
regional governments are responsible for the administration of schools,
universities, health, social services, culture, urban and rural development
and, in some cases, policing. There are
also 2 autonomous cities .
Esses governos regionais estão dotados de poderes muito alargados, sendo
responsáveis pela administração territorial, pela gestão do sistema de saúde,
da segurança sociais, da cultura, do planeamento e do desenvolvimento urbano e
rural, pela gestão das escolas, das universidades, e, em geral, pela segurança
territorial. Existe em Espanha duas cidades
autónomas.
− A Federação
Suíça (3)
A Suíça é um
Estado Federal desde 1848,Each with its
own borders, army and currency from the (1648)
until the establishment of the Swiss federal state in 1848. formado por
cantons (o nome deriva da palavra francesa Canton que tem o
significado de distrito), cuja
superfície pode variar entre 37 km ² e 7,105 km ² e com populações variando entre 15.471 e 1.244.400. Os Cantons são estados
propriamente ditos, uma realidade herdada do Tratado de Westfália (1648), onde
cada Canton já era na prática um Estado
soberano, com suas próprias fronteiras, exército e moeda. The most recently
created canton is the in 1979. Na actual Constituição, cada Canton continua
soberano, com a sua própria constituição, legislatura, governo e tribunais, na
medida em que sua soberania não é limitada pela lei federal. Assim, excluindo
os poderes atribuídos pela Constituição Federal ao Poder Central, os cantões
possuem assim um leque importante de poderes e competências atribuídos aos
governos cantonais eleitos, e gozam de plena soberania, na área do ordenamento
territorial, da segurança local, da saúde, da economia e finanças locais etc.
− A Federação Alemã
(4,5)
O estado federal
alemão é uma entidade complexa, carregada de História e Tradições, que pretende
combinar as vantagens de um estado unificado com as de um estado federado. A
Alemanha é um Bundesland,
um estado federado composto por dezasseis Estados ( Länder ou Land). Enquanto que a Baviera, Saxónia e Turíngia
são considerados oficialmente Estados (Staat) e mais especificamente
"Estados Livres" (Freistaat), Berlin, Hamburgo e Bremen formam
Cidades-Estados (Stadtstaaten). A definição do Estado-Livre (Freistaat)
é associada ao conceito histórico da república, uma descrição usada pela
maioria dos estados alemães após a abolição da monarquia. Today, Freistaat
is associated emotionally with a more independent status, especially in
Bavaria. Hoje, o Freistaat continua, no imaginário
político, associado a um certo conceito de independência, especialmente na
Baviera. The
remaining 13 states are called Flächenländer (literally: area
countries).Os restantes 13 estados alemães são chamados Flächenländer
(literalmente ‘países da área’). Ainda nos dias de hoje, o sistema federal
alemão continua a ser estudado e aperfeiçoado de modo a reforçar a capacidade
administrativa e fiscal de cada Estado (Länder),
pelo que existem ainda diferenças significativas entre o modelo alemão e os
modelos mais simplificados em vigor noutras partes do mundo. Mas, na prática, e é o que nos interessa
aqui, é que a Lei
Básica Alemã
estabelece as competências claras no âmbito do Governo
Federal e dos
diferentes Estados (Länder) que constituem
a federação, de modo que basicamente o sistema Federal Alemão é também, pelos
seus resultados, muito semelhante ao dos outros modelos. Embora, a Public life in Germany is predominantly based
on central laws e a vida pública do cidadão alemão seja predominantemente
baseada nas leis do Estado Central Alemão, aIn accordance with the principle of subsidiarity citizens, on the
other hand, deal almost exclusively with state and local authorities acting on
behalf of the federal statplica-se o princípio da subsidiariedade, que
consiste no facto de o cidadão ter a possibilidade de resolver todos os seus
problemas quotidianos, associados à burocracia do Estado Central,
exclusivamente a nível local, através das autoridades locais de cada Estado (Länder), este agindo em nome do Estado
Central Federal. Ou seja, na maior parte das transacções entre o Cidadão e o
Estado Central, este é invisível ou transparente para o cidadão, só conta o
Estado Local (Länder).The Basic Law stipulates that it be possible to compare
living conditions throughout Germany.AAaA
A constituição alemã concede ainda uma margem de manobra considerável a cada
Estado no financiamento de suas funções de soberania. All high-revenue taxes are decreed by law, though this needs
the approval of the Bundesrat, which represents the states at federal level.
A maioria dos impostos é decretada pela lei de cada Estado (Länder). Part of these taxes goes to central government alone or to the
federal states and another part, including the particularly lucrative taxes, is
divided up between central government and the federal states. Os
impostos são divididos entre o governo central e cada Estado (Länder), uma outra particularidade do Estado
Federal Alemão, não se assemelhando assim ao Estado francês ou português. Para
além disso, o Estado (Länder) pode celebrar
tratados com países estrangeiros, em assuntos de sua própria esfera de
competência, desde que isso não interfira ou colida com os interesses ou
poderes do Governo Federal (artigo 32 º da Lei Básica).
− A Federação Americana-EUA (6)
Os Estados
Unidos da América (EUA) formam um Estado Federal constituído por 50 Estados que
compartilham a soberania com o Governo Central Federal. Because
of this shared sovereignty, an American is a citizen both of the federal entity
and of his or her state of Devido a esta particularidade sui
generis, um americano é tanto cidadão da entidade federal como do seu
estado de domicílio. The allocates
certain powers to the federal government. A Constituição dos
Estados Unidos atribui vários poderes e limitações ao Governo Federal e a cada
Estado, numa filosofia muito similar à dos modelos acima descritos. It also
places some limitations on the state governments.O Congresso pode
admitir a adesão aos EUA de novos Estados em pé de igualdade com os já
existentes, o que aconteceu em 1959 com a admissão do Alaska e do Hawai. .A Constituição é omissa sobre a
questão de se os Estados poderem separar-se unilateralmente da União, mas a
Suprema Corte decidiu que secessão é inconstitucional, uma posição impulsionada
em parte pela trágica memória da Guerra
Civil. Ao governo de cada Estado está alocado um amplo leque de competências
associadas ao exercício da sua soberania, e inscritos na respectiva
constituição.By
ratifying the United States Constitution, the people transferred certain powers to the federal government from their
states. Historicamente, as tarefas de segurança pública (no
sentido do controlo do crime), educação pública, saúde pública, transporte e
infra-estruturas são geralmente da
responsabilidade de cada Estado, mas devido ao crescente reforço do financiamento
federal, nota-se, desde há algum tempo para cá, um significativo aumento da
regulação federal em certas áreas de funcionamento dos Estados.
Finalmente, podíamos citar outros exemplos
de Regionalização em países democráticos situados fora do hemisfério ocidental,
tal como o Brasil, país que nos é muito próximo. O Brasil (7) é uma República
Federativa - República Federativa do Brasil - composta por 26 estados.
Inclui-se ainda um distrito federal, onde se situa a capital do país -
Brasília, sede do governo e dos poderes executivo, legislativo e
judiciário. Os diferentes Estados
brasileiros estão ainda agrupados em cinco grandes regiões
político-administrativas: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O Brasil é assim um país duplamente Regionalizado. Tal como nos
EUA, cada Estado possui um leque importante de poderes e competências
atribuídos ao governo estadual, gozando assim de uma ampla soberania em áreas
similares, como ordenamento territorial, segurança, saúde, economia etc. Apesar disso, o Brasil não constitui um
modelo perfeito de descentralização, pois a centralização política é ainda
grande, devido à herança do centralismo colonial e das ditaduras militares,
sendo que a autonomia de cada Estado é
ainda limitada e muito aquém dos níveis de descentralização das democracias
ocidentais atrás referidas. Do ponto de vista prático, o Brasil tem ainda um
longo caminho a percorrer e o mesmo se pode dizer de outros países do mundo
onde a Regionalização foi implementada.
Pode-se concluir desta exposição que,
partindo da experiencia dos modelos em vigor em várias partes do mundo, é
possível implementar em Cabo Verde um modelo original, moderno e progressivo,
de ordenamento do território nacional.
Ficou aqui demonstrado que a dimensão geográfica e demográfica reduzida de um
país não constitui uma impossibilidade, nem pode ser determinante na decisão da
Regionalização de Cabo Verde, como alguns pretendem. A contradizer esta tese
está a Regionalização bem conseguida de um pequeno país como a Suíça. Tão pouco
a fraca dimensão económica de um país pode ser determinante. A prova é que S.
Tome e Príncipe, um país muito mais pobre do que Cabo Verde, adoptou a
Regionalização, com a gestão da ilha do Príncipe assumida por um Governo
Regional para a respectiva ilha.
No modelo de
Regionalização que o Movimento para a Regionalização de Cabo Verde (8) propõe,
a gestão de cada ilha ficaria a cargo de um Governo Regional, se assim
convier vir a ser chamado, saído
de uma maioria parlamentar escrutinada em eleições legislativas, com plena
autonomia política, administrativa e económica inscrita na Constituição. No
topo hierárquico desta arquitectura, estaria o Governo Central, com novos
poderes bem definidos por uma Constituição Nacional revista.
Resta aos
partidos tomar as suas respectivas responsabilidades, instaurar um verdadeiro
debate interno sobre a Regionalização e promover em seguida um debate nacional
sobre a questão. A classe política, incluindo os deputados,
não será paga para pensar Cabo Verde? “Eh bien” que o façam: que promovam um
debate nacional sobre a Regionalização/Descentralização, que procurem envolver
mais intensamente todos os parceiros sociais, económicos e políticos num debate
alargado `a toda a sociedade civil, que promovam a instauração de Estados
Gerais para estudar aprofundadamente a matéria da Regionalização, que definam
grupos de trabalho para estudar as diferentes experiências de
Regionalização/Descentralização no Mundo, que promovam intercâmbios parlamentares,
palestras, seminários e missões envolvendo peritos e especialistas em questões
regionais e nacionais etc, que Implementem um calendário de
Regionalização/Descentralização, “O Roteiro da
Regionalização/Descentralização”, com metas precisas para Reforma Política e
Administrativa do País.
(continua)
José Fortes Lopes
(5)http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/en/political-system.html
(7)
http://www.brcactaceae.org/brasil.html